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O novo espetáculo: concepção e ressignificação

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Opinião

O novo espetáculo: concepção e ressignificação

Não há mais espaço para uma audiência passiva, que apenas assiste, consome e recebe


20 de maio de 2025 - 6h00

Há dois anos, durante uma visita à sede de uma grande emissora de televisão, em conversa com seu presidente, ele falava sobre seus apresentadores quando o interrompi — talvez de maneira indelicada — e observei: “Sim, vocês ainda têm apresentadores.” Surpreso, ele confirmou e passou a listar os nomes mais famosos. Foi então que argumentei: “A questão não é quem está à frente das câmeras, mas para quem e como o conteúdo é construído e comunicado, com emoção e força. O modelo tradicional de apresentação não faz sentido. O espectador não precisa mais que algo lhe seja ‘apresentado’, pois ele já chegou antes, buscou, descobriu. O que precisa ser reinventado é o espetáculo, em razão das transformações no público — o que exige uma nova relação entre espetáculo e audiência.”

Não há mais espaço para uma audiência passiva, que apenas assiste, consome e recebe. O espetáculo, seja na televisão, no teatro, no cinema, na publicidade, na música ou em qualquer outra manifestação artística, não pode mais ser desenhado sob a lógica da transmissão unilateral de conteúdo. O espectador contemporâneo não se contenta em ser um observador silencioso. Ele comenta, interage, edita, compartilha, ressignifica e reconstrói o que vê. Ele aprende e ensina simultaneamente, criando pontes entre o que vivência e sua própria experiência. Essa mudança é uma revolução silenciosa, mas profunda. O espectador não é mais um receptor, ele se apropria do espetáculo. A questão que se impõe, portanto, é: como criar espetáculos para esse novo espectador?

Se o espectador não é um sujeito passivo, o espetáculo precisa se transformar em um espaço vivo, dinâmico e interativo. Os modelos tradicionais de comunicação partiam do pressuposto de que o espectador deveria ser levado a sentir ou interpretar algo específico. O diretor, o roteirista, atores e apresentadores assumiam o papel de guias, desenhando um percurso previamente traçado para quem assistia. Esse modelo, contudo, não se sustenta mais.

 

Emancipação do espectador

O programa semanal, a peça de teatro, as entrevistas, a novela — enfim, o espetáculo — precisa ser concebido não para entregar respostas prontas, mas para estimular narrativas próprias, perguntas, diálogos e descobertas. A transformação deve começar na concepção do espetáculo, que precisa ser permeável à ação do espectador, integrando-o por meio de narrativas abertas, pensadas para serem assimiladas e ganharem novos significados, permitindo que cada indivíduo construa seu próprio enredo a partir do que lhe é apresentado, de modo que participe ativamente ao reinterpretar e ressignificar o espetáculo conforme suas vivências e imaginação.

Dessa forma, o poder dos espectadores não decorre da qualidade individual de cada um deles, nem da força de um corpo coletivo, mas sim da possibilidade de traduzirem o que percebem e associarem à sua vida de maneira única. E a verdadeira potência de um espetáculo está na sua capacidade de provocar ressonâncias, de ecoar dentro de cada espectador de maneiras distintas.

 

A reinvenção do espetáculo

A reinvenção do espetáculo não é apenas um desafio técnico ou estético, mas filosófico. Exige que os criadores abandonem a pretensão de conduzir os espectadores a uma única verdade, o espetáculo passa a ser um espaço de vivência, onde o público não apenas assiste, mas participa, transforma e é transformado.

Não há mais “espectadores” no sentido clássico da palavra. Há apenas pessoas em movimento, atravessando narrativas, criando sentidos, reinventando histórias. É nesse encontro — entre quem cria, produz e atua, e quem vê — que o espetáculo se renova na percepção de cada um.

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