Não é falta de vontade
O receio de arriscar o que já está consolidado quase sempre se sobrepõe à promessa de sucesso futuro
O receio de arriscar o que já está consolidado quase sempre se sobrepõe à promessa de sucesso futuro
Imagine o seguinte cenário: uma empresa global, centenária, líder de mercado, com um diversificado portfólio, faturando dezenas de bilhões anualmente. Um caso de absoluto sucesso. O mercado em que ela atua é grande e altamente competitivo. A empresa apresenta um crescimento modesto, mas constante, mesmo diante de sinais de que seus consumidores estejam buscando alternativas mais alinhadas com outros estilos de vida e valores. Nessa empresa, uma só marca é responsável por 95% dos lucros, enquanto a maioria das outras é deficitária.
Ciente dos riscos dessa dependência excessiva, a empresa reconhece a necessidade de expandir seu portfólio e diversificar suas fontes de receita. Para isso, a única alternativa viável é realocar investimentos da marca principal para novos produtos, ainda pequenos, mas com grande potencial de crescimento.
No entanto, sempre que essa estratégia foi adotada no passado, a marca principal – ao receber menos investimentos – sofreu: vendas, lucros e valor das ações despencaram, gerando forte pressão do conselho, de analistas e de clientes.
Diante desse dilema, o CEO atual se depara com duas escolhas difíceis.
A primeira opção é investir no futuro, apoiando novas categorias de produtos. Isso implica aceitar impactos financeiros negativos nos curto e médio prazos, perda de participação de mercado e, possivelmente, a necessidade de cortes de custos e demissões. Tal caminho pode resultar em mudanças na administração e até na troca do CEO.
A segunda alternativa é investir onde estão os resultados atuais, apoiando apenas marginalmente as novas marcas. Nesse cenário, a lucratividade é preservada e acionistas, conselho e clientes permanecem satisfeitos no curto prazo – ainda que a empresa perca oportunidades de crescimento em longo prazo.
Na prática, a maioria das empresas opta pela segunda opção. É mais segura, gera menos conflitos internos e garante estabilidade para os executivos, além de generosos bônus anuais. O receio de arriscar o que já está consolidado quase sempre se sobrepõe à promessa de sucesso futuro.
Agora, substitua “empresa” por clube de futebol ou federação, “produto principal” por futebol masculino e “novos produtos” por futebol feminino. Percebe o dilema?
O futebol masculino, consolidado e lucrativo, concentra a maior parte dos investimentos e da atenção – não por acaso ou mera preferência dos gestores, mas porque é dele que vêm os recursos que sustentam toda a organização e, muitas vezes, o próprio esporte. O futebol feminino, apesar do enorme potencial e do crescimento acelerado nos últimos anos, frequentemente não se paga.
As ligas femininas mais bem-sucedidas do mundo só alcançaram esse patamar graças aos investimentos provenientes do esporte masculino. É o caso da Copa do Mundo Feminina (administrada pela Fifa), da WNBA (liga profissional de basquete feminino dos EUA, associada à NBA) e da Liga dos Campeões Feminina (gerida pela UEFA). Existem exceções, como a liga de futebol feminino dos Estados Unidos (NWSL), mas ela não serve de referência para a maioria dos esportes e países.
Empresas e o esporte seguem uma lógica recorrente: priorizam o que já dá resultado, mesmo que isso signifique abrir mão de oportunidades futuras. A maioria dos líderes, sejam empresariais ou esportivos, tende a optar pela segurança do presente em detrimento do potencial de crescimento no longo prazo, não por falta de vontade, visão ou preconceito, mas porque o sistema de incentivos e cobranças privilegia resultados imediatos. É menos arriscado e garante a sobrevivência no cargo.
Entender a lógica por trás das decisões dos gestores é fundamental para quem deseja promover o crescimento do esporte feminino. Não se trata de injustiça ou má vontade: trata-se de seguir o dinheiro e responder às pressões do mercado. Para mudar esse cenário, é preciso criar argumentos sólidos, demonstrar o potencial de retorno e construir um ambiente em que investir no esporte feminino não seja visto apenas como um risco, mas como uma oportunidade estratégica que agrega valor a quem investe.
A resposta para esse desafio passa por inovação, paciência e, acima de tudo, coragem para desafiar o status quo.
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