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Pelo fim da área de estratégia

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Opinião

Pelo fim da área de estratégia

Por acreditar tanto no poder da disciplina, quero uma mudança de ótica, de processo e de propósito


13 de fevereiro de 2023 - 15h00

Scott Graham/Unsplash

Pode parecer contraditório uma ganhadora do Caboré de Estratégia falar isso.
Mas eu tenho um porquê. Bom, na verdade, tenho quatro. Confie em mim.

Foram mais de dez anos em áreas tradicionais de planejamento/estratégia. Depois disso, migrei para a criação, dados e para impacto social, onde estou hoje. E como Saramago já dizia: é preciso sair da ilha para ver a ilha.

Desde que saí da “ilha tradicional de estratégia” e comecei a testar outros territórios de comunicação, comecei a ver tudo com um olhar bem menos viciado e mais sincero que antes. E se hoje escrevo este texto, é porque a ilha, amigos, tá precisando ouvir algumas boas críticas.

Primeira crítica: o erro de definir pessoas apenas pela lente do consumo.

Antes de consumidores, somos seres que buscam o pleno acesso aos direitos civis e políticos que o Estado deveria nos garantir. Mesmo quando compramos algo, estamos fazendo do consumo uma ponte para o acesso. Nunca é só uma compra. Um lápis é uma ponte para a educação. Uma roupa é uma ponte para o respeito. Um carro é uma forma de extrapolar as barreiras do tempo do transporte público e chegar mais longe, mais rápido e com muito menos cansaço. Definir um público pela ótica do consumo nos faz colocar a compra na frente do significado. E perdemos muita relevância e profundidade fazendo isso, independentemente do tipo de projeto.

Segunda crítica: o vício no problema das marcas, mas não das pessoas.

São poucas as equipes de estratégia que conheço que são politizadas e letradas ao ponto de discutirem problemas sociais profundos. Não à toa, as agências perderam tanto espaço para consultorias especializadas nos últimos anos. Isso não é novidade. Mas me chama atenção a discrepância que existe, ainda hoje, entre o tempo gasto debatendo o problema da marca e o que é gasto para entender qual problema humano que está impedindo que aquele consumo exista. Há barreiras para falar de política, tabus partidários e a maquiagem do “lugar de fala” – usada para disfarçar o desinteresse e a insegurança de falar sobre determinados assuntos. A estratégia precisa perder o medo de falar com profundidade sobre os problemas das pessoas. Até porque, em um mundo onde o consumo é social, não há boa comunicação que seja 100% autocentrada.

Terceira crítica: um pensamento desconectado do processo criativo.

Uma das principais habilidades de uma pessoa de estratégia, a meu ver, é a de identificar quais insights são realmente capazes de levar às ideias mais inovadoras. Uma das formas mais simples de desenvolver isso é tendo contato direto com processos criativos, seja acompanhando o surgimento de ideias desde o início, seja tentando ter suas próprias ideias. O problema: atualmente, tanto a grade curricular dos cursos de comunicação quanto os processos de trabalho das empresas e agências acabam separando a estratégia/planejamento da criação por paredes físicas e/ou muros de ego. Mais de 100 anos depois da criação do Fordismo e cá estamos nós, reproduzindo os mesmos pensamentos fragmentados e ultra departamentalizados mesmo sabendo que duas cabeças pensam melhor do que uma.

Quarta crítica: não ser vulnerável para assumir que não sabe tudo.

Um outro grande acerto das consultorias e dos negócios de impacto social é a abertura para a cocriação com outros atores sociais. Recentemente, em um projeto que liderei para uma ong de São Paulo, chamamos pré-candidaturas à eleição e ativistas políticos para nos ajudar a identificar o problema que tinha que ser resolvido. Em uma semana, aprendemos mais sobre o que tínhamos que fazer do que aprenderíamos em meses de pesquisa no Google. É importante prever espaços de escuta, assumir que estratégia não é uma ciência exata e que as melhores respostas não vão sair de dentro de um escritório onde um grupo de pessoas conversa sobre algo que nenhuma delas viveu. Mas, para isso, novos processos de trabalho precisam ser criados para que os times se sintam confortáveis para pedir ajuda.

Quatro críticas.

Se você chegou até esta parte do texto, já entendeu aonde quero chegar: adoro estratégia e não quero o fim dessa área. Desculpe pelo título “caça cliques”.

Mas é por ser uma estrategista de impacto – e por acreditar tanto no poder da estratégia – que quero uma mudança de ótica, de processo e de propósito. Uma mudança que já vejo sendo praticada por algumas pessoas e empresas. Mas que ainda não vejo acontecendo na escala que o mundo pede, que as marcas precisam e que o mercado poderia fazer acontecer.

Podemos fazer mais.
Por isso, desejo o fim da área de estratégia. Como conhecemos.

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