Porta dos Fundos: como formar um novo time com o mesmo time?
Aprender a se reinventar é um processo que não tem volta
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Em meados de março, o Porta dos Fundos seguiu o que a OMS recomendou e todos do time passaram a trabalhar de casa. Cinco dias depois, saíam os primeiros vídeos produzidos em home studio e conectados com a loucura que estávamos começando a viver. De lá para cá, já fechamos negócios, parcerias e ajudamos mais de 57 milhões de pessoas em muitos países a rir e refletir sobre a vida em quarentena.
Muita gente tem me perguntado como conseguimos reinventar toda a maneira de trabalhar em tão pouco tempo. Afinal, somos uma companhia com dezenas de pessoas, operando em dois países, que, até então, sempre trabalhou em sets de filmagem abarrotados de produtores, diretores, atores, cenógrafos e roteiristas.
A razão número um é, sem dúvida, a capacidade do time. Capacidade de ter otimismo e confiança no meio de um cenário incerto e flexibilidade para aprender coisas novas e ressignificar seu trabalho. O humor tem uma coisa de nunca deixar você se acomodar, sempre em busca de mais uma camada de interpretação do mundo — talvez isso tenha ajudado na nossa resposta à crise.
Do meu lado, ajudei a bagunçar ainda mais a cabeça do time quase querendo que ninguém lembrasse mais o que fazia antes da pandemia. E aí, juntos, fomos entendendo dia após dia como seriam as novas dinâmicas, prazos e funções, sem nunca olhar um horizonte maior que uma ou duas semanas.
A sensação para mim é essa: formar um novo time com o mesmo time. Carrego essa sensação desde dezembro do ano passado, quando aceitei o desafio de liderar a operação do Porta. Cheguei com sede de fazer a companhia cada dia melhor, ampliando o horizonte de formatos, pessoas e negócios (quem me conhece sabe que sou bem inquieto). Com o olhar fresco, recém-chegado, fui conversando com cada um e cada uma para entender onde estavam as forças, vontades, inseguranças e tédios desse time que era totalmente novo para mim.
Aí me preocupei em dar total abertura para que eles fossem um novo time para eles também (rs). Dei liberdade para experimentos e ideias novas, seja na linguagem artística ou nos processos. E, de repente, quando veio a pandemia, a reformulação de toda a maneira de pensar e trabalhar na companhia deixou de ser uma provocação e virou uma questão de sobrevivência.
Quando começaram as primeiras notícias da OMS, fui estudar a história das pandemias e liguei para a minha avó, dona Lêda, que lembrava de situações parecidas na infância. Aí caiu a ficha: não seria só um solavanco temporário, mudaria tudo. Quando embarquei no modo mental “mudou tudo”, já entendi que teria que encontrar novamente um novo time, uma nova versão daquele que eu estava começando a me acostumar.
Nesse processo, o planejamento de filmagem virou de ponta cabeça, os diretores tiveram que propor novos truques, atores tiveram que ser sua própria produção, roteiristas tiveram que entender a nova vida das pessoas. Um cenógrafo virou animador, um editor virou roteirista e muitas outras mudanças estão acontecendo neste momento.
Arrisco dizer que tem duas coisas fundamentais para uma rápida reinvenção de qualquer time neste momento. A primeira é abolir cada vez mais processos hierárquicos e microgerenciamento de trabalho, caminhando para um modelo de mais autogestão, onde cada um é responsável pelas decisões e formas de trabalhar para cumprir o objetivo do seu papel. Em uma pesquisa recente, foi mapeado que 73% das pessoas acreditam que a autogestão é o caminho mais inteligente para atingir objetivos de forma rápida, 76% das pessoas acham que mais flexibilidade nos cargos e funções são mais eficazes e 82% querem trabalhar sem liderança hierárquica. As pessoas estão muito acostumadas com cadeias de comando, então, essa não é uma mudança fácil de fazer. Depende mais uma vez da capacidade de cada um de lidar com a responsabilidade de tomar e assumir as próprias decisões.
Em segundo lugar, é fundamental entender que o tempo e o espaço mudaram e todas as companhias precisam rever completamente os antigos tempos e espaços com os quais estavam acostumados. Quem é que não se sentiu afogado pela quantidade de lives que começaram a aparecer nas últimas semanas? O tempo ao vivo das pessoas, intercalado entre a sala de casa e o mundo inteiro em formato virtual, 24h por dia, virou uma disputa que ninguém mais sabe para quem está fazendo bem, para quem está fazendo mal, o que é excesso, o que é falta. E isso vale também para a rotina de trabalho. Se antes existia um expediente das 9h às 18h, isso agora não faz o menor sentido. As pessoas trabalham quando conseguem, em meio a suas famílias e desafios. O tempo sincronizado ao vivo entre as pessoas deve ser reduzido ao mínimo e muito bem aproveitado. Algumas ferramentas digitais ajudam muito nesse processo de colaboração virtual e temos testado recursos que hoje eu penso “não sei por que não usava isso antes”.
A parte mais difícil é decidir a hora de continuar fazendo o que o time está fazendo e a hora de mudar de novo e formar outra vez um novo time. Para isso, estamos atentos ao público — e nos esforçaremos para ser o melhor canal possível, feito pelo melhor time possível, enquanto durar essa quarentena — e depois, absorver que aprender a se reinventar é um processo que não tem volta.
**Crédito da imagem no topo: Reprodução
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