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Opinião

Precisamos de mais “e” do que “ou”

Um olhar sobre a indústria criativa e narrativa de que o novo é incontestavelmente melhor


1 de agosto de 2024 - 6h00

Vivemos em um mundo onde o novo é constantemente celebrado, enquanto o velho muitas vezes é descartado. Essa tendência é evidente em diversas esferas da sociedade e se manifesta, principalmente, na indústria criativa. A ideia de que o novo é incontestavelmente melhor que o velho é uma narrativa poderosa, muitas vezes promovida por nós, publicitários e marketeiros, para criar desejo e urgência de consumo. No entanto, ao fazer isso, podemos estar perdendo de vista o valor inestimável da experiência acumulada e daquilo que foi construído ao longo do tempo.

Com a ascensão da internet nos anos 2000, questionou-se a continuidade das mídias offline, como o rádio e a TV. E, com o passar do tempo, percebemos que a questão não era ON “ou” OFF e sim ON “e” OFF. Para explicar essa junção, importamos mais uma palavrinha: omnichannel.

Então o “e” potencializa a integração dos canais de comunicação, reconhecendo que o novo e o velho podem coexistir de maneira frutífera. O rádio e a tv são meios de comunicação mais “antigos” que mantém o seu papel de alcance massivo, especialmente em regiões onde o acesso a internet é limitado, e quando combinado com os canais digitais que proporcionam um engajamento em tempo real, somado e sua capacidade de segmentação e mensuração ágil, compõe uma estratégia 360º.

Talvez o novo possa dizer que isso é papo de velho… Pois bem, em 2021, durante a pandemia, fomos forçados a mudar nossos hábitos de consumo.

Com as lojas físicas todas fechadas, as compras onlines eram a nossa única saída, desde os itens essenciais até os supérfluos, e assim os e-commerces e apps delivery ganharam protagonismo disseminando a cultura da compra online, tornando adepto até quem não estava acostumado. Nesta altura, li artigos que afirmam com veemência que essa nova forma de consumo veio para ficar e que nunca mais iriam comprar em uma loja física.

Passado alguns anos, e aqui estamos nós, “abrasileirando” mais uma palavrinha da moda: ‘FIGITAL’, a mistura da experiência de consumo entre o mundo digital, e-commerces, “e” as lojas físicas – observem o “e” aí novamente, sobrepondo a prepotência do “ou”.

E o mesmo raciocínio é válido quando falamos de gerações. Já é certo que a famosa “Geração Z”, nativa digital, representará um quarto da força de trabalho até o próximo ano. Apesar disso, a inclusão dessa geração enfrenta desafios significativos, tanto por apresentar algumas características mais particulares em relação à visão de mundo, de trabalho e de propósito do que as gerações anteriores, quanto por alguns preconceitos que eles também carregam sobre as gerações mais antigas e a tendência de descartar o passado. Esses desafios têm fomentado cada vez mais a separação entre gerações, sendo que as oportunidades e a potência ao uni-las parecem passar despercebidas pelo mercado.

Isso reflete uma realidade preocupante: a ideia de que a experiência e o conhecimento acumulados ao longo de anos de trabalho são menos valiosos do que o frescor das novas gerações. Isso pode levar a um sentimento de inutilidade e ansiedade entre os mais velhos.

Essa cultura de obsolescência também é extremamente prejudicial para a inovação e a criatividade. Em um ambiente onde apenas o novo é valorizado, perde-se a oportunidade de integrar a experiência e o caminho de aprendizado já trilhado que os profissionais com mais bagagem podem oferecer.

Unindo experiência e inovação

A dicotomia entre o velho e o novo é uma construção artificial que não reflete a complexidade da realidade. As coisas não são tão binárias; o velho e o novo se complementam e colaboram entre si. Em vez de adotar uma abordagem de “ou”, devemos abraçar a filosofia do “e”. Essa integração não só enriquece a oferta da indústria criativa, mas também potencializa os resultados para os clientes.

Alguns bons exemplos práticos de como a inovação pode surgir da união de boas práticas consolidadas ao longo dos anos com a modernidade são, por exemplo, o uso de realidade aumentada em peças publicitárias impressas, permitindo uma experiência mais interativa e imersiva ao cliente; ou o uso de conteúdo gerado pelo usuário em publicidade Out-of-Home (OOH), como outdoors.

Ou seja, é necessária a adaptação e a flexibilidade, sem, contudo, descartar o valor do que já foi estabelecido. Ignorar a experiência é um erro, pois ela pode oferecer soluções inovadoras e criativas quando combinada com as novas tecnologias e tendências.

As técnicas tradicionais de publicidade, como a criação de narrativas envolventes e o entendimento profundo do comportamento do consumidor, ainda são extremamente relevantes. Quando essas técnicas são potencializadas pela divulgação nas redes sociais, com seu poder de segmentação, somada a capacidade de compartilhamento espontâneo, podemos criar campanhas memoráveis e eficazes.

Isso significa usar a sabedoria dos métodos tradicionais para fundamentar as campanhas e o resultado é uma abordagem holística que maximiza os pontos fortes de ambos os mundos.

Como disse o sociólogo Zygmunt Bauman, vivemos em uma “sociedade líquida”, onde tudo é temporário e flexível, mas isso não significa que o novo deva substituir o velho; ao contrário, eles devem coexistir e se complementar.

Na indústria criativa, a verdadeira inovação não vem de uma rejeição do passado, mas sim de uma integração inteligente e harmoniosa entre o velho e o novo. Somente assim poderemos avançar verdadeiramente, combinando a energia da juventude com a profundidade da experiência.

Além disso, é essencial que o mercado publicitário e outras indústrias se esforcem para representar de forma justa e positiva as pessoas mais velhas – que por sinal são um público consumidor ativo e com ticket médio alto. Campanhas que celebram a longevidade, a experiência e a sabedoria não apenas se conectam com um público crescente, mas também ajudam a desmantelar os estereótipos negativos que contribuem para a sensação de obsolescência.

E se julga estar enxergando nitidamente através do prisma do que chamamos de ‘novo’, tenho um segredo para te contar: esse ‘novo’ de hoje, já será ‘velho’ amanhã. Por isso, se você se apegar nele como uma verdade absoluta e não der espaço para ouvir os que já passaram por aí e hoje são chamados de ‘velhos’, corre o sério risco de quando precisar trocar de óculos, perceber que já inventaram a lente de contato e você nunca experimentou.

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