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Opinião

Preciso virar gerente para crescer na carreira?

O modelo de crescimento via carreira gerencial pode transformar pessoas brilhantes em profissionais medianos e frustrados; por Mauro Segura


17 de julho de 2019 - 6h22

Há 28 anos que sou gerente. Nesse tempo, independentemente do momento e da empresa onde trabalhei, é possível montar uma lista de perguntas que recebi recorrentemente. Uma das perguntas campeãs é a do título desse artigo: “Preciso virar gerente para crescer na carreira?” Sempre que recebi essa pergunta e senti que havia tempo, indagava ao meu interlocutor se eu podia contar uma história. Ao ter uma resposta afirmativa, contava a história do Paulão, que é real e que vivi presencialmente. Apenas alterei o nome do personagem. Aliás, invento um nome diferente para cada vez que conto a mesma história.

Trabalhei em uma empresa que tinha uma grande equipe de vendas, sempre muito pressionada por metas agressivas. Os clientes eram corporativos, por isso a maior parte dos vendedores trabalhava de terno. Como em qualquer equipe de vendas, lá havia os baixos e medianos performadores, mas também havia os super vendedores, uma espécie de vendedores intocáveis, por serem considerados excelentes profissionais e de constante boa performance. Um dos vendedores se chamava Paulo, carinhosamente chamado de Paulão.

Ele era alto, grande, gordinho, usava roupas apertadas, quase sempre com gravata mal feita, um pouco bronco, mas era um cara de altíssima performance, superava constantemente suas metas e sempre desenvolvia bom relacionamento com seus pares e clientes. As pessoas viam nele uma máquina de trabalhar, sempre muito feliz, otimista, mas nunca satisfeito com seus resultados, sempre querendo mais. Em resumo, Paulão era um sonho de vendedor.

Com o crescimento da operação comercial, a empresa resolveu criar uma posição de gerente executivo de vendas para liderar uma equipe de doze vendedores. A empresa estava crescendo e buscava um talento para assumir essa posição. A diretoria se reuniu e chegou à conclusão de que era hora de promover o Paulão. Eles decidiram que iriam aproveitar um evento interno para fazer o anúncio.

Chegou o dia da Convenção de Vendas. Havia aproximadamente 300 vendedores no auditório, em um evento de dia inteiro. Em determinado momento, o diretor vai ao palco, explica que a empresa estava crescendo, que uma nova posição de gerente de vendas estava sendo criada e que o nome do novo líder seria anunciado ao final do evento. Paulão estava lá atrás no auditório, um pouco alienado, até de saco cheio. O que ele queria mesmo era estar fora dali, atendendo os clientes e vendendo. Ele achava esse tipo de evento uma perda de tempo, por isso estava um pouco desligado, não prestando atenção nas coisas e nem tinha ideia do que estava prestes a acontecer.

Chega o final do evento e o diretor avisa que vai anunciar o novo gerente. Ele faz uma introdução rápida e anuncia o nome do Paulão, dizendo que ele foi escolhido pela sua paixão, resultados e performance. O interessante é que o Paulão nem sabia o que estava se passando, ele não havia sido preparado e estava totalmente desatento no fundão do salão. As pessoas começam a bater palmas e a gritar o nome dele. No fundo do auditório, os colegas tentam empurrá-lo para que ele vá ao palco. Os holofotes giram no salão procurando o anunciado. Paulão, pressionado pela situação, entra no corredor principal do auditório e começa a caminhar lentamente em direção ao palco, trôpego, constrangido, suado, sem saber muito bem o que estava acontecendo. As palmas continuavam fortes e as luzes já haviam achado o seu algoz. Minha impressão é que aquela seria a primeira vez que o Paulão falaria em um microfone.

Paulão chegou no palco, encostou no microfone, balbuciou algumas palavras que ninguém entendeu, evidentemente que estava com muita vergonha, até que finalmente falou para todos: “Puxa, eu não sabia. Agradeço muito”. As palmas explodiram no salão. Ele se voltou para o diretor, desconfortavelmente com o microfone nas mãos, camisa saindo de dentro da calça e disse: “Agradeço muito ao senhor, de coração, mas não vou aceitar. O meu negócio é estar com clientes, é estar na rua, fazer o que eu gosto. Eu não sei mandar nas pessoas. Eu não sei fazer isso não. Não gosto de estar em escritório fechado. Eu gosto da rua, de atender os clientes”. Paulão então entregou o microfone para o diretor e deixou o palco. Desceu os poucos degraus e caminhou ao longo do auditório em direção ao fundo do salão, completamente em silêncio, cabisbaixo, como se tivesse feito algo muito errado. As pessoas estavam boquiabertas.

Nas semanas seguintes, ele pouco apareceu no escritório, talvez por estar constrangido e envergonhado com tudo aquilo. Todos evitavam falar com ele sobre o ocorrido no auditório. O mais interessante é que nos três meses seguintes o Paulão bateu todos os recordes de venda. Nunca ninguém havia realizado os números que ele entregou em tão pouco tempo. O tempo passou e o caso virou lenda dentro da empresa.

Essa história foi muito marcante para mim, até porque eu presenciei os fatos, mas o mais importante foram os aprendizados. Primeiro, é que falar “não”, quando todos falariam “sim”, exige uma incrível coragem. Fazer isso na frente de centenas de pessoas, com microfone nas mãos, é de enorme ousadia e certeza do que quer, ou de um desprendimento inconsequente incomum. Também descobri que nem todos querem uma carreira gerencial e estão convictos disso. Confesso que aprendi que os diretores foram muito infelizes ao anunciarem o Paulão da forma como fizeram. Eles demonstraram falta de empatia, respeito e desconhecimento das capacidades e aspirações do talentoso funcionário. Também aprendi que fazer anúncios de surpresa nem sempre pode ser uma boa. Enfim, foram muitas lições.

A partir desse episódio eu passei a encarar o desenvolvimento de carreira de forma diferente. Passei a ficar muito mais atento para as características, virtudes e desejos das pessoas que me cercam no trabalho. Passei a olhar diferente para os funcionários que gostam de pessoas, que têm perfil de liderança, que sabem administrar relações humanas e que demonstram especial espírito de equipe. Essas características moldam profissionais com real potencial para assumirem cargos gerenciais, com maior chance de sucesso, satisfação e realização pessoal. Também tomei consciência de que a construção profissional é uma jornada que deve ser liderada pelo funcionário. O líder deve dedicar tempo para reflexão, apoio e compartilhamento de experiências. Vale a pena ler o excelente artigo de Rafael Souto: “Melhor não interferir na carreira do funcionário”.

Até um passado recente, a maioria das carreiras profissionais seguiam o mesmo padrão, linear e limitado, que apontava um cargo gerencial como o único caminho de crescimento de carreira. Isso implicava obrigatoriamente em liderar pessoas e abraçar responsabilidades mais amplas e estratégicas, podendo significar também em uma posição com menor especialização. Era assim que as organizações funcionavam: para crescer, tem que virar gerente. Esse contexto fez surgir um monte de gerentes infelizes e sem a qualificação adequada.

A minha experiência profissional mostra que o modelo de crescimento via carreira gerencial se mostrou perverso para muitos colegas que tive. Eles eram profissionais brilhantes, mas que ao seguirem o caminho de liderar pessoas se tornaram gerentes medianos, frustrados em suas perspectivas de desenvolvimento e novas experiências, sem entender muito bem que ser gerente significa abrir mão do seu tempo pessoal e desenvolvimento próprio, para investir em tempo para os outros, no desenvolvimento obsessivo da equipe, em atender as necessidades e desejos individuais de cada um, em descobrir e alavancar o potencial escondido dentro de profissionais em início de carreira, dedicando espaço para administrar as relações humanas e inevitáveis conflitos de equipe.

O artigo “O líder que fez ‘tudo certo’ e ainda assim falhou miseravelmente”, assinado por Rodrigo Giaffredo, endereça brilhantemente esses pontos. Ser líder significa gostar e entender de gente. Tenho certeza que todos nós conhecemos gerentes que não demonstram convicção de que liderar pessoas é o seu maior desejo e motivação.

O cenário de desenvolvimento de carreira mudou muito na última década, com o surgimento de outras possibilidades, como o conceito da “carreira em Y”. O “Guia da Carreira” cita que a “principal diferença da carreira em Y é que, nela, o profissional tem a opção de usar seus conhecimentos e habilidades não só para seguir rumo a um cargo gerencial. Se preferir, ele pode progredir profissionalmente como especialista na área técnica de um determinado setor”. É aqui que entra o Paulão. Ela era um excepcional profissional, de alta performance, adorava sua profissão e não tinha desejo de se tornar gerente. Nos dias de hoje, existem alternativas reais para desenvolvermos uma carreira de sucesso fora da carreira gerencial. As organizações, de forma geral, já entenderam isso e buscam oferecer caminhos.

Atualmente, quando algum amigo ou colega me procura para falar sobre carreira, eu procuro ir além da inevitável discussão do crescimento de carreira via uma posição gerencial. Digo que, para desenvolver um caminho profissional brilhante, é preciso ter clareza do que se quer, de ter paciência, perseverança, e contar com a sorte de ter bons líderes que te ajudem, além de coragem para dizer alguns “nãos”. Ou seja, é preciso ser nada menos do que um “Paulão”. E aí? Você falaria “não” no microfone como o Paulão?

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