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Opinião

Publicidade, imaginário social, mulheres e cultura de estupro

Estéticas que representam a mulher de forma reducionista, inferior e objetificada fazem sentido?


7 de junho de 2016 - 8h30

Não sei você, mas eu escolhi fazer o que eu faço porque era apaixonada por contar histórias. Foi como começou. Nunca passou, mas fui me apaixonando por mais coisas pelo caminho. Algumas delas? Tudo o que se relacionava com a ideia de que enquanto construímos marcas construímos cultura.

Também me apaixonei por interpretar pessoas e contextos sociais. Por entender como funcionam os sentimentos humanos, aqueles que escondemos ou deixamos à mostra quando nos sentimos felizes, realizados, frustrados, ansiosos, assustados, temerosos, jovens, cansados, excitados, empoderados, atônitos.

Com o tempo, aprimoramos nossa capacidade de identificar esses sentimentos, medi-los, agrupá-los, processá-los, estudá-los, entendê-los e utilizá-los para construir histórias cada vez mais relevantes, significativas, memoráveis. Não pensamos nisso, mas levamos a vida nos tornando especialistas em entender o que as pessoas são e o que elas nem sempre percebem que desejam ser, sentir, ver, possuir. Um dia nos tornamos capazes de criar lovers, believers, advocates.

Foi nossa capacidade de interpretar os momentos culturais que nos transformaram em uma engrenagem importante do sistema social e econômico. Historicamente, sempre estivemos de alguma forma envolvidos na aceleração de processos sociais de maior ou menor dificuldade de assimilação pela sociedade. Todas as ondas do feminismo. O masculinismo. O movimento dos direitos civis. A revolução sexual. A queda do Muro de Berlim, a hegemonia capitalista e o crescimento da mentalidade focada na realização individual. A luta contra a homofobia. O americanismo. A revolução tecnológica. A revolução de gênero.

A camisinha e o quinto bolso de uma Levi’s. O yuppismo e o convite a “just do it” de Nike. Benetton e o mundo em United Colors. Omo, a relação entre aprendizado e sujeira, e o fim de um importante gatilho de pressão sobre a maternidade. Dove e a diversidade da beleza real. Crysler e seu “Its half time America”. Nesses e em centenas de outros casos criamos relações imagéticas positivas, despertamos memórias afetivas e ajudamos a cons- truir, reconstruir e consolidar imaginários sociais.

Aprendemos com Bronislaw Baczko: cada vez que criamos uma história, convidamos a sociedade a imaginar e a imaginação é um dos modos pelos quais a consciência aprende a vida e a elabora. Recusar essa dimensão do que fazemos não muda a realidade, mas as mensagens, representações e símbolos que colocamos na rua mudam.

Em 2011, o filme americano Miss Representation discutiu o conteúdo da mídia como responsável por vender aos jovens a ideia de que o valor das mulheres está em sua juventude, beleza e sexualidade e de que o valor dos homens está ligado a um tipo de sucesso relacionado a domínio, poder e agressividade. O filme ganhou Sundance, outros sete Festivais, repercussão mundial e deu origem ao Miss Representation Project que segue discutindo a construção do imaginário relacionado a gênero — nesse exato momento, discute a pressão que come- ça a ser vivida por homens jovens que lutam para se manterem fiéis a si mesmos enquanto negociam com representações restritas de masculinidade.

A maior parte do conteúdo discutido no filme Miss Representation que aborda a construção do imaginário feminino pela mídia inspira a criação de mensagens e símbolos no mundo todo, incluindo o Brasil. De 2011 até hoje, muitos outros grupos, publicitários, profissionais de marketing, agências de publicidade, marcas, jornalistas, fundações, entraram na conversa. De lá pra cá, alguns paradigmas permaneceram, outros mudaram, outros es- tão todo o tempo sendo questionados. Processos como esses precisam se manter em movimen- to enquanto aprendemos sobre nossas pegadas.

Quando um caso como o estupro coletivo da adolescente no Rio se soma a uma realidade onde uma mulher sofre abuso sexual a cada 11 minutos e bate à nossa porta, traz junto questionamentos sobre a representação feminina que estamos colocando na rua e sobre a eficiência e a velocidade com a qual estamos sendo capazes de interpretar o contexto social e sair do piloto automático.

Em uma livre leitura de Baczko: muitas vezes, o mesmo imaginário social que ajudamos a cons- truir nos permite perceber que os modos sociais existentes não são os únicos possíveis. De alguma forma, já entregamos, em diferentes momentos, estéticas, símbolos, imagens que representavam a mulher de forma reducionista, inferior, objetificada. Por diferentes motivos, pareceu fazer sentido. É natural que isso aconteça enquanto somos observadores e, ao mesmo tempo, parte do que estava mudando enquanto a mudança acontece.

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