Qual o peso da sua caneta?
O orçamento da publicidade no Brasil é maior que o de muitas pastas governamentais, mas ainda concentrado em poucos bolsos e poderia ter impacto ainda maior
O orçamento da publicidade no Brasil é maior que o de muitas pastas governamentais, mas ainda concentrado em poucos bolsos e poderia ter impacto ainda maior
Imagino que em algum momento da sua vida você brincou de Banco Imobiliário. Abriu uma conta no banco fictício e acumulou notas de dinheiro roxas, azuis e verdes, para comprar diversas propriedades em diferentes bairros da cidade, e depois multiplicar o seu dinheiro com os aluguéis, basicamente se tornando a Mônica, que é dona da rua no Bairro do Limoeiro (sim, temos referências de uma infância nas décadas de 1980/1990 aqui). Fico imaginando se na edição 2023 desse jogo já dá para comprar uma mansão no Morumbi com PIX.
Um jogo sobre brincar com dinheiro, comprar propriedades e acumular fortunas sem pensar muito na realidade das coisas. Sabe, às vezes eu me pego pensando se estamos brincando de Banco Imobiliário com o dinheiro que gerenciamos no nosso dia a dia publicitário e marketeiro.
Quantas vezes alguém já te disse (ou você disse) que “com esse dinheiro não dá pra fazer quase nada” em um projeto, dinheiro esse que provavelmente é maior do que a gente faz no ano. Do que muita gente faz na vida. “Gente, sério, não da pra fazer nada com R$ 100 mil. R$ 500 mil. R$ 1 milhão.”(**contém ironia**)
Fui pesquisar a previsão de investimento em publicidade no Brasil para 2023, e segundo o relatório da Dentsu (Global Ad Spend Forecasts) a estimativa é que este ano o gasto com publicidade aumente 5,4% versus 2022, chegando a 14,1 bilhões. De dólares. Na cotação do dia em que escrevo este artigo, estamos falando de aproximadamente R$ 70 bilhões. Será que dá pra fazer muita coisa com R$ 70 bilhões? Será que a gente já faz muita coisa com R$ 70 bilhões ou estamos apenas comprando mansões no Morumbi mas, ao invés de pagamentos com PIX eles saem em 90, 120, 180 dias?
É óbvio que estou contando dessa forma intencionalmente, mas, às vezes, é um recurso necessário para que eu possa imaginar as coisas por novos ângulos, novas perspectivas. Continua aqui comigo.
Sabe qual o orçamento estimado do Ministério da Cultura em 2023? R$ 3,14 bilhões. Ciência e Tecnologia? R$ 14,71 bilhões. Desporto e lazer? R$ 905,28 milhões. Gestão ambiental? R$ 6,15 bilhões. Habitação? R$ 222,94 milhões. Segurança pública? R$ 16,75 bilhões. Direitos da Cidadania? R$ 1,66 bilhão. Enfim, olha o que dá para fazer com menos de R$ 70 bilhões (os dados são do Portal da Transparência).
A conclusão aqui não é que a publicidade pode fazer o trabalho do Governo. Continua aqui comigo. Eu também sei que estamos falando de R$ 70 bilhões fragmentado em diferentes “orçamentos”, definidos por pessoas diferentes. E aí vem a tentativa de olhar por uma nova perspectiva: o papel que podemos ter nesse tabuleiro, o que podemos fazer para avançar algumas casinhas nesse tal Jogo da Vida (essa analogia ainda vai longe).
Somos uma indústria criativa que movimenta muitas outras indústrias do nosso País. Tem muita gente que faz muito dinheiro com “publi”. Publi, que vem do internetês, significa publicidade. A participação da publicidade na produção de entretenimento é algo que eu nem preciso explicar aqui o tamanho que tem. Muitos patrocínios, investimentos de mídia viabilizam cultura, arte, música, coisas que tornam as pessoas mais abertas, interessadas, empáticas. Aquela coisa de ter a oportunidade de construir um ciclo virtuoso.
Pois bem, que ótimo que o dinheiro que circula por aqui pode contribuir para que muita gente realize seus projetos, coloque ideias na rua, produza narrativas que mexem com a gente, que nos alimentam a alma, educam, contam histórias que nos transformam. Parte desses R$ 70 bilhões também pode ser destinada a empresas de diferentes tamanhos e perfis, a colaborações para criar novas ideias, investimento em empresas novas, ideias que vêm de diferentes lugares. São R$ 70 bilhões que podem movimentar muita gente. Podem. Ainda é uma oportunidade não bem explorada, mas podem. Ainda concentrados em poucos bolsos, mas podem ir para muitos outros. Continuou comigo até aqui?
Então, pensando que os R$ 70 bilhões estão divididos entre as diferentes cadeiras da turma do marketing e da propaganda, como podemos criar oportunidades para fazer um milhão “dar pra fazer alguma coisa sim”? E aí vou para a pergunta central desse artigo – como você está usando a “caneta” que você tem?
É fato que não é simples pra todo mundo tomar decisões da forma como acredita e quer, na velocidade que você sabe que as coisas poderiam ter. Mas se você está atrás do fácil, aí eu não vou conseguir contribuir muito com essa conversa aqui. É um processo que precisa de comprometimento e intenção. Por que existe sim um grupo de pessoas que podem facilitar bastante esse processo. A caneta do topo é bem pesada. E eu entendo que tenho a responsabilidade de influenciar o que ela assina através, também, do que eu faço com a minha.
É sobre começar olhando para o dia a dia e observar decisões como: qual projeto você vai patrocinar (ou recomendar para uma marca); quem vai ser a diretora que vai produzir o conteúdo que você criou ou aprovou; quais os talentos que vão fazer parte do time da campanha que você está liderando; qual vai ser a marca ou empresa que você vai escolher para colaborar, quem são os creators que vão fazer parte do projeto do qual você faz parte, e por aí vai.
O Brasil tem uma riqueza gigantesca de talentos, de mentes brilhantes que podem voar ainda mais alto. A gente não precisa concentrar os R$ 70 bilhões nos mesmos bolsos de sempre, porque chegar a diferentes bolsos vai fazer todo mundo ganhar mais. Financeiramente, culturalmente, e na mente.
Eu acredito muito em reconhecer a responsabilidade que vem com a posição que estamos, refletir sobre isso conforme a gente cresce e ocupa lugares. Não vai ser perfeito de cara, mas precisa acontecer, precisamos nos movimentar. Dá sim para a gente fazer muita coisa, para você influenciar onde não decide, para decidir onde você pode. A gente não tem a mesma dinâmica de um Governo ou de um jogo de tabuleiro, mas isso não impede de termos uma melhor perspectiva e maior responsabilidade sobre o impacto que a indústria da qual a gente faz parte tem, e o papel que temos dentro dela. E aí, como você vai usar a sua caneta?
Compartilhe
Veja também