Opinião

Quando foi que a gente se perdeu da gente?

Precisamos recuperar a coragem de olhar mais nos olhos, perguntar com interesse genuíno, escutar com intenção, cuidar mais uns dos outros

Daniela Graicar

Fundadora e co-CEO da agência PROS 10 de dezembro de 2025 - 14h00

Na semana passada, o Clube Aladas organizou um encontro muito poderoso com Denise Fraga, que falou de gentileza, humanidade e presença. Os temas podem soar clichês, mas talvez o centro da conversa toda seja justamente a nossa incapacidade de encarar de frente e de verdade essas questões existenciais. Não foi uma palestra (ela mesma diz que tem alergia a ser chamada de palestrante) e sim um papo-espelho que preencheu meu caderninho de frases que simplesmente alugaram um triplex na minha cabeça.

Denise contou do dia em que ficou sem bateria no celular quando pousou em São Paulo, precisava ligar para o marido e, ao perguntar a um homem sentado no aeroporto se podia pedir um favor, ele disse sem medo: “não”. Mas ela não sossegou com a negativa e, de forma sensível, disparou uma conversa que recuperou a humanidade do homem. “Vivemos um tempo em que temos mais medo de ser gentis do que de ser cruéis”, disse a atriz.

E a partir dessa história, sem slides ou textos decorados, Denise foi abrindo uma série de gavetas preciosas na gente: “Virou normal falar com alguém que responde uma palavra a cada dez segundos enquanto olha o celular — e achar que isso é conversa… Se a gente não fizer um movimento contrário às telas, vamos viver com perda de presença em tudo.”

Eis que me lembro de um almoço com meus filhos na semana passada, com a minha agenda completamente ocupada, o coração batendo acelerado, pensando nos e-mails a responder e tentando prestar atenção e me perdendo a cada dois minutos para um pensamento mais tenso (quem nunca?). Até que veio o teste:

— Mãe, o frango comeu pipoca?

— “Ahã” — respondi.

E eles caíram na gargalhada, me repetiram a pergunta e eu morri por dentro. Quando foi que a gente se perdeu da gente?

Quando foi que nos permitimos participar de reuniões com 30% da cabeça, escutar amigos com 40% da atenção, viver o dia devendo presença para quem está perto e oferecendo atenção total para o que está na tela?

Quando foi que a gentileza passou a exigir mais coragem que a grosseria ou a apatia?

Quando foi que deixamos a dureza virar primeira reação e a ternura virar exceção?

A boa notícia é que a Denise insiste que “é possível se reinaugurar.” E é urgente!

E eu acordei fazendo dessa reinauguração uma celebração à altura do incômodo.

À minha maneira, no meu ritmo, comecei o dia segurando o elevador para o vizinho atrasado, desligando o celular para perguntar do dia do motorista do taxi e dando um oi caloroso ao time na agência.

Resolvi também traçar metas novas para 2026, como: quero dirigir dirigindo, escrever escrevendo, conversar conversando e estar inteira nos momentos que importam, especialmente com quem eu amo.

Precisamos recuperar a coragem de olhar mais nos olhos, perguntar com interesse genuíno, escutar com intenção, cuidar mais uns dos outros. Como disse a Denise: “precisamos de uma dose cavalar de afeto e verdade, senão viramos gente funcional, não gente viva.” E eu não quero ser mulher funcional. “A vida da eficácia transformou a gente numa versão pior da gente mesma e achamos que tá tudo bem”, disse ela.

Talvez a pergunta mais valiosa não seja “quando foi que a gente se perdeu?” e sim “quando é que vamos começar a nos reencontrar?”

Eu começo agora. Com intenção. Com presença. Com coragem de ser mais gentil num mundo endurecido. E com esse lembrete da Denise: “estamos endurecidos, mas o mundo está rachando nesse endurecimento. Nossa maleabilidade é a água no meio das pedras.”

Que 2026 seja o ano de amaciar — a agenda, o olhar, a escuta e a vida.