Opinião
Um pouco de tudo às vezes é quase nada
O SXSW te exige uma capacidade de curadoria que nem sempre estamos acos-tumados, e por mais que você tente se pla-nejar de antemão, é na hora que a coisa faz sentido
O SXSW te exige uma capacidade de curadoria que nem sempre estamos acos-tumados, e por mais que você tente se pla-nejar de antemão, é na hora que a coisa faz sentido
Imagino que a essa altura você já leu muita coisa sobre o que rolou no SXSW. Não faltam reports, vídeos, transcrições (Otter, o melhor amigo de todos por lá). Naturalmente saio cheia de novas referências e, acima de tudo, reflexões, como deve ser. A ansiedade de saber tudo o que está rolando é a pior inimiga num lugar como esse, porque ela te afasta da profundidade. Um pouco de tudo às vezes é quase nada.
O SXSW te exige uma capacidade de curadoria que nem sempre estamos acostumados, e por mais que você tente se planejar de antemão, é na hora que a coisa faz sentido. Curadoria não só do tema, mas de quem vai falar e sobre o que, porque não faltam “clickbaits”, palestras com títulos muito chamativos, mas que não entregam muita coisa.
Muita gente vai até lá esperando entrar em salas, sentar, ouvir grandes revelações e sair com um passo a passo de como ser um profissional mais inovador, ter ideias disruptivas, desafiar o status quo e o que mais você quiser jogar de termos aqui. Sinto dizer, mas isso não vai acontecer. Seja um keynote para 2,5 mil pessoas ou um papo em uma sala que cabem 50, o ouvinte tem um papel ativo nessa dinâmica. Entrar com seu reportório e senso crítico, ouvir a perspectiva de quem está falando, e gastar neurônio para aprofundar o que você ouviu, conversar com outras pessoas e entender como trazer para sua realidade.
Em sua sessão, há anos um marco do SXSW, a futurista Amy Webb falou durante uma hora sobre os sinais e tendências que ela e sua empresa acreditam estar influenciando o futuro. Logo de cara ela nos provoca: líderes têm um foco muito limitado em relação ao futuro. E, então, nos convida a treinar o nosso olhar para encontrar novos padrões. Ao invés de olhar para tendências de formas individuais, precisamos focar na convergência, na intersecção entre elas. É ali que começaremos a entender o que potencialmente nos aguarda. Ainda mais agora, onde os sinais pós-Covid estão se misturando de um jeito que, ela nos conta, nunca viu antes.
Amy declara que é o fim da internet como a conhecíamos até aqui, e que daqui em diante tudo é informação. E por tudo imagine assim: TUDO. Ela nos cutuca — e se agora você não pesquisar mais coisas na internet por que é a internet que está pesquisando você? E se eu te disser que você nunca mais vai pensar por conta própria? Só essas duas perguntas já alugam um belo espaço na nossa cabeça — e ela não vai nos dar a resposta de tudo, para nosso contexto, a gente vai ter que ir atrás. E eu recomendo você ir.
Outro keynote que o mundo corporativo estava esperando muito: Ryan Gellert, CEO da Patagonia. Foi muito interessante ouvir a perspectiva do líder de uma empresa que tem, como ele disse, “uma missão destemida e que não se compromete”. A mentalidade do dono da empresa e, portanto, do CEO e da empresa em si, é um ingrediente crucial para possibilitar uma verdadeira transformação. Em sua conversa com a jornalista Katie Couric, ficou claro o nível de comprometimento e responsabilidade pelo impacto que causam. E muito da admiração e curiosidade da audiência vem dessa postura.
Para causar um impacto real, a mudança precisa estar no centro do que move uma empresa. Não como um pilar, não como uma campanha, não como uma iniciativa, mas o centro da operação, do modelo de negócio. Divido com vocês quatro pontos que me chamaram atenção nessa conversa:
1) Ele descreve a Patagonia como um “negócio assumidamente pró-lucro”, e reforça que a crise climática e ecológica foi criada pelos serem humanos, com uma grande ênfase em “criada”, e não como algo impingido a nós pela natureza. É um problema complicado o suficiente para exigir todos os recursos necessários que temos para resolvê-lo. E aponta o papel do governo, dos cidadãos e das empresas, sendo que essa última precisa parar de se esconder atrás do conceito de externalidades.
2) Há uma necessidade urgente de superar a narrativa de que os negócios existem para maximizar o valor dos acionistas. Parece ser uma tarefa de Sísifo mudar a mentalidade das empresas cujo mantra é lucro, lucro, lucro. Ele apontou para uma narrativa bem solidificada, mas que as pessoas, hoje, sabem que é besteira, de que quanto mais dinheiro você tem, mais valor você tem. Há um desejo de manter os negócios em uma linha bem definida — parar de tentar resolver os problemas do mundo e se concentrar em ganhar dinheiro. Mas nós criamos os problemas do mundo e eles não são solucionáveis sem que as empresas assumam a responsabilidade. A confiança no governo, na mídia e nas instituições financeiras diminuiu, e as empresas estão entrando para preencher esse vazio de liderança.
3) Ele espera que nunca ninguém da Patagonia diga “há um limite para o que podemos fazer”, e dividiu qual é a sua abordagem: entender o contexto da melhor maneira possível; resolver todos os problemas que eles sabem como resolver; colocar-se em movimento em relação às novas soluções; abrir o código dessas soluções à medida que as desenvolvem.
4) A Patagonia não vai fazer parceria com grupos que não acreditam nos climatologistas. Como empresa, eles refletem onde são realmente bons e como podem ter um impacto desproporcional. “Temos autenticidade porque estamos nisso há algum tempo, então, espero que as pessoas apreciem isso. Estamos profundamente, profundamente comprometidos. Somos um negócio com fins lucrativos que nos permite dividir erros do passado, que eu acredito que nos beneficiamos a partir disso. Somos ótimos contadores de histórias.”
Portanto, eu saio assim, com a certeza de que o futuro nos exige profundidade, comprometimento, e que criatividade será mais do que nunca a nossa capacidade de treinar o olhar para perceber novos padrões e encontrar soluções efetivas para problemas que nós mesmos criamos.
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