Uma bebê e um BBB
Embora o binômio “maternidade e carreira” seja o grande assunto de março, as empresas, como agentes sociais, precisam falar de maternidade em todos os 364 dias do ano
Embora o binômio “maternidade e carreira” seja o grande assunto de março, as empresas, como agentes sociais, precisam falar de maternidade em todos os 364 dias do ano
Já reparou que o binômio “maternidade e carreira” é o grande assunto de março? E ele carrega o viés de gênero a partir de um pensamento binário, mas que só reforça uma via unilateral de compromisso social da criação de filhos, como se somente as mulheres necessitem equilibrar a coexistência destes dois universos. E vem ainda recortado por um privilégio de classe e cor: white people problems. Na verdade, esse é o perigo de uma história única, como diz a escritora feminista nigeriana Chimamanda Ngozi, que ainda vemos ser reforçada no Mês das Mulheres: o estereótipo profissão em detrimento do exercício da maternidade como o centro das discussões.
Olha, não que seja fácil. Querer equilíbrio é até impossível. Podemos falar de balanço então? Porque longe de buscar que tudo esteja sempre plenamente alinhado, prefiro a ideia de revezamento entre os pratos da balança. E dela é que vem a pergunta: onde se pensa a paternidade nesta conversa sobre parentalidade e carreira? Enquanto for esse o grande debate que ganha as pautas no Dia da Mulher, só se reforça a desigualdade na divisão dos cuidados. Quando na verdade, essa responsabilidade é de todos – não somente das mulheres, não das figuras parentais. De todos, inclusive das organizações.
Metade do mundo é composto por mulheres. A outra metade, são os filhos delas, como nos lembra a terapeuta e professora Efu Nyaki. Pensando nisso, deveríamos discutir a criação de filhos como geração de valor social, tirando a maternidade do lugar de obstáculo e amplificando o debate para as interseccionalidades. Pouco se reflete sobre as mulheres negras, que em sua grande maioria nem podem se dar ao luxo de começar a conversa a partir desta dicotomia “trabalho x filhos”, dado que normalmente precisam trabalhar para que sua prole possa simplesmente existir para além do racismo. Ou entender que as mulheres trans não estão contempladas nessa discussão, pelo fato de simplesmente buscarem sobreviver e mininamente ocupar espaço no mercado de trabalho, para que suas maternidades possam ser viáveis.
Na empresa onde trabalho, é impossível falar de mulheres e de autonomia feminina sem abordar a situação das muitas representantes que enxergam na venda dos produtos de beleza a oportunidade de renda para colocar comida na mesa dos filhos ou a conquista de independência financeira para saírem de relacionamentos abusivos. Muitas dessas mulheres, são mães solo, que não têm nem como dividir a responsabilidade e precisam contar com outras mulheres, formando uma grande rede de sororidade. Um retrato do Brasil.
É evidente que as empresas, agentes sociais que são, precisam falar de maternidade em todos os outros 364 dias do ano e não só no Dia da Mulher ou no Dia das Mães. Assim como é notável que o papel das empresas na vida das pessoas mudou e, especialmente nos dois últimos anos em que vivenciamos a pandemia, todos nós sentimos na pele o fim da crença de limites entre vida pessoal e profissional. O trabalho remoto trouxe desafios radicalmente distintos para homens, mulheres e figuras parentais. Nesse sentido, organizações que se comprometem a abrir caminhos, flexibilizar soluções e a fazer da equidade de gênero um valor inegociável e alavanca para mulheres e mães, mas também negócios e culturas, são as que melhor estarão preparadas para um mundo em que os planejamentos mudam o tempo todo.
Sei que não posso falar por todas, mas trago minha vivência. Sem dúvida, me deparo com muitos dilemas, mas também posso dizer que vivi dois dos maiores momentos da minha carreira justamente após o nascimento de cada um dos meus filhos. Na Avon, onde passei pela minha segunda gestação, ouvi de uma mulher líder que meu crescimento seria trilhado independentemente da licença. Um dos maiores efeitos tranquilizadores que poderia ter tido naquele momento. E sob a liderança de um homem aliado, fui promovida enquanto estava em licença-maternidade.
Acolhimento move resultados: na volta ao trabalho, atuei no grande reposicionamento de marca com #OlhaDeNovo e diversas iniciativas como primeira marca de maquiagem patrocinadora do Big Brother Brasil. Medimos altos índices de recomendação de marca, triplicamos vendas no e-commerce e no número de lojas online das Representantes. Nada simples – longe disso, foi com muito apoio e rebalanceamento de tarefas em casa, trabalho de time dentro e fora das paredes do escritório – no caso, da casa transformada em home-office – para seguir durante uma pandemia nos cuidados de uma bebê e a operação de um BBB com toda a qualidade que Avon mostrou.
Cuidados. A economia invisível das mulheres. É dela que precisamos falar. Acho importante usar exemplos muito tangíveis de que o binômio “maternidade e carreira” precisa ser extrapolado, com intencionalidade, como política, compromisso e, até mesmo, como sinais que se materializam na cultura mostrando o que a empresa pode fazer fora da pauta “mês da mulher”. Estou falando de senso de pertencimento, combate constante a microagressões e vieses inconscientes. Cada sinal importa, de uma atitude encorajadora a uma fala acolhedora. Nesse sentido, ao invés de concluir que toda as mulheres preferem se afastar e desacelerar desde a gravidez, quando na prática o maior desafio é como elas serão mantidas em atividade até os 2 anos dos filhos, que é a estatística de afastamento que elas enfrentam no regresso ao trabalho, antes de tudo, vamos fazer as questões. Pergunte para elas ao invés de tentar adivinhar. Ouça verdadeiramente o que querem, como podem traçar o caminho. Ofereça apoio e se provoque a entender como você pode apoiar e gerir as individualidades, sabendo que não existe um padrão e, que as respostas não serão iguais. É sobre o poder de escolhas para todas as mulheres, em suas diferenças.
Organizações sustentáveis e competitivas serão aquelas geradoras de inovação justamente por estarem centradas no valor humano, por meio de ambientes acolhedores, realmente focados em colaboração autêntica e respeitosa, com líderes mais empáticos. E agora que 8 de março já passou, vamos convidar toda a indústria a refletir sobre como ir além do tradicional, evoluindo sobre o “ter que escolher entre carreira ou filhos”. Essa deveria ser mais uma das escolhas, mas não a única pauta do dia. O erro está em ainda achar que um existe em detrimento do outro e limitar a discussão ao mês das mulheres. Com olhar vigilante e perguntas certas, podemos e vamos além.
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