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Opinião

Viagem no tempo

Profissionais de comunicação têm poder nas mãos para ajudar o passado a se aproximar do futuro e questionar futuros gringos que talvez não caibam no que se quer para o País


26 de setembro de 2022 - 12h00

Crédito: Joa Souza/ Shutterstock e Arte M&M

Escrevo esse texto em 21 de setembro de 2022.

Também é dia 21 na maior parte do mundo. Mas, é como se, de certa forma, estivéssemos no passado.

No passado, se olharmos o atraso no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) brasileiro. Os índices de fome, de acesso à cultura, de investimento na educação.

Ou os atrasos na segurança da mulher, retrocessos das pautas LGBTQIAP+.

Sem contar todas as questões ambientais.

Nesse cenário, temos 29,6% dos brasileiros vivendo com uma renda familiar inferior a R$ 497,00 mensais, segundo o Mapa da Nova Pobreza, desenvolvido pelo FGV Social, o que é cerca de um terço do salário que deveria ser mínimo. Enquanto isso, a saúde mental vai indo para o ralo, com índices de ansiedade, depressão e suicídio que não param de subir.

Não temos mais energia e saúde para argumentar, estamos desaprendendo a dialogar e ficando quase sem esperança de futuro.

Eu sei, o tom do texto está pesado até aqui. Desculpe se você esperava uma crítica sobre Donnie Darko, Interestelar ou Exterminador do Futuro.

Mas esse é o Brasil para a maior parte do Brasil: para baixo, cansado e lutando pra sobreviver. Um país que tem viajado no tempo, pro passado.

Enquanto isso, nós, que trabalhamos com comunicação, discutimos quais os propósitos sociais das marcas, dos veículos e das agências. A discussão, apesar de não ter nascido hoje, também acontece em dias como esse 21 de setembro e no Brasil. Só que com uma diferença: para muitos, ela se baseia nos reports e tendências feitos por outros países, em outras realidades, mirando um futuro que ainda parece quase utópico para 99% da nossa população.

Indo desses estudos globais para realidades locais, é como se pudéssemos viajar no tempo, tamanho o abismo que há entre eles. E há um perigo: visualizar uma possibilidade de futuro, se apaixonar por ela e perder o senso de realidade e aplicabilidade local. Um exemplo: o nosso País talvez precise mais de marcas que ajudem a consertar as coisas do que criem uma realidade nova, virtual, como o metaverso. Outro exemplo: li um dia, em um livro gringo, que “houve uma mudança no relacionamento entre empresas e pessoas: hoje, é menos sobre comprar e mais sobre se tornar”, diz um dos trechos. Imagine só se falarmos isso para os mais de 33 milhões de pessoas que estão privadas do consumo e passando fome no País. No Brasil de 2022, ainda é sobre poder comprar, sim.

Mas será que a comunicação que produzimos tem coragem de assumir o Brasil real? Para entrar em assuntos que sejam, de fato, a origem dos problemas locais? Será que nós temos?

Na minha carreira, já entrei em muitas conversas sobre impacto social e construção de marca. Não foram poucas as vezes que ouvi que precisávamos deixar a comunicação mais leve, mais positiva. Que poderíamos até falar do problema, mas não de uma forma tão densa. Eu sei, parece mais confortável mesmo focar na parte positiva, nas tecnologias, nos avanços — por menores que sejam. Até porque, nós mesmos queremos acreditar em um futuro melhor e viver de uma forma mais leve. Mas, com isso, quanto se perde de relevância social? Os problemas continuarão existindo se não falarmos sobre eles. Podemos ser mais profundos do que somos hoje.

E, olha, que eu nem estou falando ainda sobre marcas se posicionarem ou não em momentos de eleição. Mas poderia, porque o não posicionamento, nestes casos, talvez seja escolher mais uma viagem no tempo: pro passado.

Nós, profissionais de comunicação, que temos tanto poder nas mãos, podemos ajudar a movimentar o tempo. Mas não pro passado. Podemos ajudar o passado a se aproximar do futuro e até a questionar futuros gringos que talvez não caibam no que queremos para o País. Mas, pra isso, precisamos assumir o Brasil real. Os problemas reais e os desafios profundos.

Há quem diga que viagem no tempo é uma ciência apenas possível no reino da ficção científica. Eu discordo. E você?

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