A comunicação na era da polarização
Há um Brasil cansado da polarização e disposto a cooperar. E a publicidade e o jornalismo podem participar dessa conversa
Navegar em mar aberto o mundo da comunicação tem sido cada vez mais difícil e a polarização hoje é um dos principais inimigos da criatividade. O medo da polêmica restringe as possibilidades, desmotiva os criativos e deixa as campanhas com menor impacto do que poderiam. Fica tudo com a mesma cara. Durante os últimos anos, o humor assumiu o palco e trouxe um alívio cômico para essa sensação de fim de mundo que acometeu a todos no pós-pandemia. Só que é sabido: quando se estica a piada, ela perde a graça.
Nas últimas semanas, surgiram alguns sinais de que a construção de consensos pode ser um caminho rico para marcas e para a criatividade.
O primeiro deles foi a campanha do Burger King, criada pela AlmappBBDO e estrelada por Wanderlei Silva e Popó, anunciando a promo King em Dobro. Os dois lutadores haviam recém protagonizado uma grande briga na Spaten Fight Night, com repercussão dentro e fora do mundo do boxe. O que foi uma crise da Spaten virou uma oportunidade criativa para o BK, que se pautou na conciliação como ferramenta criativa, não sem incluir um tanto de deboche. A rivalidade dá lugar para a conciliação.
Outro momento que ganhou notoriedade nas conversas mais amplas foi a entrevista conduzida por Julia Duailibi, da Globonews, em 21 de outubro. O programa busca trazer perfis de pessoas entendidos como antagônicos para dialogar e dessa vez o resultado foi muito além do consenso esperado. A ex-deputada federal (RS) Manuela d’Ávila e a influenciadora e professora de português Cíntia Chagas protagonizaram um dos momentos mais interessantes dos últimos tempos: uma mulher progressista e outra conservadora se acolhendo e se reconhecendo como iguais. Ainda que a conexão tenha sido feita a partir da dor diante da violência doméstica, o que vimos foi a construção de uma ponte entre mulheres de esquerda e de direita que emocionou e sensibilizou a audiência.
“Ah, mas as reações foram muito negativas para ambos os lados!” É verdade que comentários de ofensa a uma ou à outra existiram. Mas eles não representam a opinião da maioria, como comprovam os resultados da recém-lançada pesquisa “Os invisíveis”, realizada no Brasil pela ONG inglesa More in Common, em parceria com a Quest.
Entre os principais achados está a constatação de que os grupos mais radicais e militantes, tanto da esquerda quanto da direita, representam cerca de 5% de cada lado. E são eles os que mais fazem barulho na Internet. A pesquisa identificou que há uma quantidade enorme de brasileiros que não se identificam com nenhuma das ideologias políticas: 27% são desengajados e distantes da polarização, 27% são cautelosos e desconfiam da política como um todo e não “escolhem lados”. Ou seja, temos mais da metade da população não polarizada e cansada de discursos extremos.
Mas o mais interessante dessa pesquisa é que ela identifica uma lista enorme de pautas em comum entre os Conservadores Tradicionais (21%) e a Esquerda Tradicional (14%). Emergência climática e redução das desigualdades, ainda que identificadas como pautas progressistas, são praticamente consenso entre todo o espectro. Família, ainda que seja um tema associado aos conservadores, também é muito presente entre os progressistas. Ou seja, para além da gritaria da minoria das pontas, há um Brasil cansado e disposto a cooperar e se encontrar no caminho. Dá pra saber mais sobre essa pesquisa nesse episódio do podcast Mamilos, que entrevista os realizadores.
Além da More in Common, o Instituto Update também tem abordado a construção de diálogos e de consensos, especialmente entre mulheres. O projeto Mulheres em Diálogo aponta que 85% das mulheres de todo o espectro político apoiam o aumento da presença feminina na política brasileira. Mais de 94% das mulheres concordam que homens e mulheres devem receber os mesmos salários para cargos equivalentes. E 77% das mulheres apontam a segurança pública e a violência como os principais problemas do Brasil.
Para além do teor, o instituto também aponta caminhos narrativos para a abordagem das pautas de mulheres, para que seja possível receber a mensagem sem matar o mensageiro. Um exemplo recente na Câmara dos Deputados que agregou a bancada feminista da esquerda à direita, superando ideologias, foi a licença paternidade estendida. Uma vitória para toda a sociedade construída a partir do que talvez se possa de des-polarização.
Em tempos de tamanha complexidade, em que as pautas importantes foram sequestradas pela polarização ideológica, chegar ao coração dos consumidores se tornou um grande desafio. Mas em vez de pisar sobre ovos e evitar os assuntos difíceis, a criatividade – e os diferentes meios de comunicação – têm a chance de reconectar as pessoas entre si e acessar seus verdadeiros anseios e necessidades.