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De 7 a 15 de março de 2025 I Austin - EUA
SXSW

Douglas Rushkoff: “Tech bros veem Trump como a melhor opção”

Teórico da mídia, Douglas Rushkoff, vê eleição de Trump e ascenção de Elon Musk ao poder como o início do fim do capitalismo


6 de março de 2025 - 6h37

Trazer de volta o espírito do South by Southwest (SXSW) original. Esse é o objetivo do painel que Douglas Rushkoff apresentará no sábado, 8. O autor e teórico da mídia e tecnologia quer convidar os presentes para uma experiência que evocará os aspectos contraculturais, estranhos, artísticos e inovadores do início do festival, nos anos 1990, para que todos possam pensar em formas de tornar a internet e a cultura melhores.

Douglas Rushkoff

Douglas Rushkoff, teórico da mídia e da tecnologia, promoverá experiência que evocará aspectos da contracultura que marcou início do SXSW (Crédito: Arthur Nobre)

Rushkoff lembra com carinho os primeiros anos da conferência do SXSW. “Era a conferência alternativa à Macworld ou PC World, em San Francisco, com todos aqueles estandes, vendas e coisas da indústria. Era o irmão caçula do South by Southwest de cinema e do South by Southwest de música. Existiam esses grandes festivais, e então havia as pessoas pequenininhas, nerds, da parte interativa. Era mais parecido com a Defcon, mas cresceu. Era só um pequeno corredor no Austin Convention Center. Eram tipo seis salas com painéis, e o Bruce Sterling estava em metade deles”, conta. Sua primeira vez no evento foi em 1996. Depois disso, voltou em intervalos de cinco a seis anos.

Hoje, ele acredita que a conferência se tornou comercial e não mais um lugar para encontrar a contracultura. A dimensão do festival ficou clara em 2015, quando ele estava em um espaço da conferência atendendo ao público interessado em suas ideias e cruzou olhares com o empreendedor Jason Calacanis, o futurista Mark Pesce e o escritor Bruce Sterling, seus colegas do início do SXSW. Essa troca de olhares foi a única interação que eles tiveram naquele ano.

Ainda assim, é nas interações – curtas ou longas – que o autor encontra valor no evento. Ao invés de ir às palestras, ele opta obter seu conteúdo nas trocas pelo festival. “Eu fico no corredor. Para mim, o South by acontece no corredor. E aí eu esbarro com alguém, tipo Cory Doctorow, depois Chelsea Manning passa, e então Philip Rosedale, e nós, ali nos corredores, misturamos nossos grupos. Assisto a pouquíssimas apresentações de fato. É parte do motivo pelo qual estou transformando a minha em um encontro, porque, caso contrário, nenhum dos meus amigos viria se fosse só uma palestra”, diz.

Ao Meio & Mensagem, Douglas Rushkoff compartilha suas opiniões sobre a transformação do ambiente tecnológico.

Meio & Mensagem — Você argumenta que a internet começou como um espaço para a contracultura, mas rapidamente se rendeu às forças do mercado. Houve um momento específico em que essa mudança se tornou irreversível? Existe uma maneira de recuperar o espírito original?

Douglas Rushkoff — Enquanto houver vida humana, há a possibilidade de reverter isso. É o mesmo avanço do capitalismo, que já dura 500 anos, desde as companhias britânica e holandesa das Índias Orientais. De certa forma, você pode olhar para a eleição de Donald Trump e para Elon Musk no poder como o colapso do capitalismo. Não sei, talvez eles estejam tentando empurrar um hiper ou supercapitalismo. Mas, se você observar de longe, verá que eles estão destruindo esse sistema. Iria quebrar de qualquer maneira. Mas parece que, entre eles e o advento da inteligência artificial, parece que a dialética marxista já não funciona mais. Se a economia não se baseia mais na extração do trabalho humano, qual é a função dos seres humanos? Para muitos dos “tech bros”, a resposta seria: nenhuma. O que significa que podem descartá-los. Talvez o sistema esteja desmoronando, mas não do jeito divertido que eu gostaria. Eu imaginava que poderíamos fazer isso com amor, festas e raves, mas essa próxima fase da história exigirá que as pessoas aprendam sobre ajuda mútua, comunidade e todas essas coisas que defendemos desde o início da internet. Se não houver rede de proteção social, se não houver instituições governamentais, teremos que recorrer uns aos outros.

M&M — Como Trump e Musk estão acelerando o colapso do capitalismo?

Rushkoff — Os libertários da tecnologia acreditam que o mercado resolve tudo. Mas o que eles ainda não perceberam é que o mercado depende de regras e leis. Se eles destruírem as instituições que criam, monitoram e aplicam essas regras, o capitalismo deixa de funcionar. O que surge no lugar é mais parecido com um sistema global de crime ou com uma lógica de “o mais forte vence”, que não é capitalismo. Então, a questão é como o capitalismo será substituído. Acho que o modelo que eles têm em mente é o feudalismo. Nesse sistema, haveria uma espécie de monarquia, composta por um grupo de senhores muito ricos que controlam plataformas digitais, negócios e até territórios físicos. Quem quiser participar desse sistema precisa seguir as regras deles. Se você quiser ter um negócio nos EUA, precisa seguir o que Trump diz. Se quiser que sua voz seja ouvida, precisa seguir o que Musk diz, porque ele controla a plataforma onde suas palavras circulam. Ele possui os algoritmos que podem promover ou silenciar suas ideias. Eles nem precisam agir diretamente—seu crédito pode ser cortado, sua hipoteca cancelada. É parecido com os métodos usados na China. E mesmo que esses magnatas não estejam diretamente no poder, suas IAs farão esse trabalho. Não será necessário que Elon Musk decida prejudicar alguém diretamente—o próprio sistema se encarregará disso. Mas talvez isso também crie oportunidades para as pessoas se organizarem de forma diferente. Veremos.

M&M – O que você pensa sobre o alinhamento das big techs com o novo presidente?

Rushkoff — Não acho que todas elas queiram a mesma coisa. Os “tech bros” veem Trump como a melhor opção para seus planos. Eles querem desenvolver IA o mais rápido possível, seja para salvar o mundo ou para fugir dele. E Trump lhes oferece um ambiente mais desregulado, com mais energia nuclear e menos regulamentações. Mas o que Trump talvez não perceba—ou talvez perceba e não se importe—é que esses “tech bros” não estão trabalhando pelos interesses dos eleitores do MAGA (sigla para “make america great again”). Os “tech bros” não estão preocupados com a sobrevivência da maioria da população. O que lhes interessa é escapar da Terra ou carregar suas consciências para o digital. Querem atingir o “próximo nível”, e nós não estaremos lá com eles. Eles veem o planeta como um recurso a ser explorado até o último momento, antes que o combustível acabe.

M&M — X e Meta decidiram reduzir a moderação de conteúdo. Qual é a sua opinião sobre isso e como isso afetará a internet?

Rushkoff — O problema original remonta à Seção 230A da legislação dos EUA. No início, corretamente, decidimos não regulamentar provedores de e-mail e servidores como se fossem publicações. Se alguém manda um e-mail, o provedor não pode ser responsabilizado pelo conteúdo. Mas então aplicamos essa mesma lógica ao Facebook, Twitter e outras plataformas que usam algoritmos para selecionar o que as pessoas veem. Quando você escolhe ativamente o conteúdo a ser exibido, você não é mais um provedor passivo—você é um editor. E não só isso, você tem mais poder do que qualquer editor tradicional, porque pode controlar tudo o que as pessoas veem. Mesmo assim, algumas empresas fizeram moderação de conteúdo para evitar problemas, especialmente porque governos estavam preocupados com a influência de campanhas de desinformação estrangeiras. Havia um grande esforço para tornar os americanos mais desconfiados do governo, uns dos outros, de pessoas LGBTQ+ e de minorias. Tudo isso faz parte de um processo de programação social. Mas agora, com Musk no comando, essas empresas sabem que não precisam mais se preocupar. E se fizerem alguma moderação, parecerão inimigas do sistema. Porque qualquer coisa que desacelere o fluxo da informação e incentive o pensamento crítico agora é vista como um problema.

M&M — Você menciona que a IA favorece o provável em detrimento do possível. O que isso significa e quais são as implicações?

Rushkoff — A IA sempre retorna ao que é mais provável. Modelos de linguagem funcionam assim: encontram a resposta mais provável e geram a próxima frase. Se uma sociedade inteira se baseia na IA, então está sempre sendo puxada para a média. E qual é a média da civilização ocidental? Feudalismo e autoritarismo. Democracia? Um experimento recente, com apenas 200 anos. União Europeia? Um acordo que mal dura 50 anos. Se voltarmos à média, voltaremos ao modelo de impérios e reis, como sempre foi ao longo da história. Além disso, as pessoas também se tornam mais previsíveis. O objetivo dessas tecnologias não é criar indivíduos criativos e únicos, mas consumidores previsíveis.

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