Tendências no SXSW e a evolução da cultura digital
O SXSW é esse lugar de conexões improváveis que segue apontando pro futuro ideal, sem se esquecer do presente possível
O SXSW é esse lugar de conexões improváveis que segue apontando pro futuro ideal, sem se esquecer do presente possível
5 de março de 2024 - 17h34
Gerações futuras nunca saberão a relação entre o SXSW e o Harlem Shake! Talvez ela nem exista, de fato, e eu só esteja querendo chamar sua atenção. Rápido flashback: o ano era 2013 e todo mundo em algum momento ouviu falar daquele vídeo esquisito com um monte de gente, nas situações mais aleatórias, quebrando o silêncio fazendo a dança mais constrangedora possível. Esse era o Harlem Shake. Conhecido por muitos como a primeira grande trend muito antes do fenômeno da difusão em larga escala de vídeos virais das plataformas. O que parecia apenas uma brincadeira virou artigo no MIT e tese de estudos de especialistas em comunicação e cultura. Ano passado, o viral fez 10 anos e uma reportagem da Vice cravou que o Harlem Shake “caminhou para que o Tiktok pudesse correr”.
E essa afirmação tem um quê de cômica, mas um tanto de trágica também. Porque ela fala sobre um movimento que tem pautado muito de quem trabalha nesse mercado digital com conteúdo, influência e cultura: a gente está trabalhando pra construir algo realmente sólido e perene ou vivendo pra “entrar nas conversas” – também conhecido, em muitos casos, como surfar na maior trend de todos os tempos da última semana? E é todo mundo, tá? Criadores, marcas, agências. Eu também aceito esse recibo. É aquilo: fuja das trends ou morra tentando. Mas o meu ponto aqui é outro: foi a tiktokização da cultura que fez com que as trends virarem sinônimos de tendências. E por mais essa seja a tradução absolutamente correta segundo qualquer tradutor, talvez ela só tenha envelhecido mal. A verdade é que esse me parece um caminho sem volta: as trends estão esvaziando o próprio conceito do que é uma tendência.
E quem está falando isso não sou eu. É o Head Global de Tendências e Previsões do Reddit: Matt Klein. Nas palavras dele, “antigamente as tendências significavam mudanças sociais significativas: um pensamento, comportamento, valor ou atitude coletivo emergente e definidor. Uma mudança na sociedade”. Mas hoje, as trends distorceram essa concepção. E ele defende que esse ciclo precisa ser quebrado. Ou criamos uma nova categorização pra que a tradução de trends não esvazie o conceito de tendências ou realmente os dois conceitos vão ficar cada vez mais, perigosamente, sobrepostos.
E assim chegamos ao que parecia improvável: a relação entre SXSW e Harlem Shake. Em um tweet: Harlem Shake é a pedra fundamental das trends como conhecemos hoje. E o SXSW segue caminhando na direção contrária: é onde, de fato, as tendências nascem ou são percebidas muito antes de virar assunto na mesa de bar ou na reunião das agências. É a tradução do zeitgeist, capturando e decodificando o que a gente já vem percebendo e sentindo, mas não necessariamente materializando. Claro que todo exercício de predição e estudo de futurologia pressupõe uma margem de erro. Mas a sensação que eu tenho é que o que passa pelo SouthBy (pros íntimos) já teve muita validação de muita gente relevante, mesmo que seja muito incipiente. Tá entendendo como não é uma apenas uma trend, ainda que dure menos do que se imaginava?
É um evento de inovação, cada vez pautado em tecnologia, mas sem desconsiderar jamais a cultura pra apontar movimentos culturais emergentes. É aquilo: a inteligência é artificial, mas a intuição segue sendo humana. A consultoria e laboratório de estudos e pesquisas Box1824 delimita as tendências em dois polos: o do Comportamento, onde as pessoas criam movimentos que estão à frente do que o mercado ou tecnologias disponíveis têm para entregar; e o Tecnológico, onde o mercado lança inovações de produtos, serviços e tecnologias: mesmo quando não encontravam demandas latentes. E o SXSW me parece a simbiose perfeita entre esses dois tipos de tendências.
E não é de hoje, viu? Muito antes de ouvirmos falar de OpenAI, Sora, Gemini ou Vision Pro, o evento já estava trazendo os primeiros olhares sobre inteligência artificial. Muito antes mesmo: mais de uma década. Você já deve ter ouvido falar da *cannabusinnes (*ou não), mas há 8 anos, quando tudo era só mato (verde), o SXSW já tinha uma track focada 100% em discussões relacionadas à cannabis. Em 2016, um dos highlights da edição foi a discussão sobre como as fronteiras entre empresas de territórios diferentes estão cada vez mais invisíveis, movimento esse capitaneado pelo grupo dos chamados “Frightful 5” – Google, Apple, Facebook (Meta), Amazon e Microsoft. É mais difícil dizer hoje o que essas big techs não fazem ao invés de tentar encaixá-las dentro de um conceito. Dois anos depois, 2018, o até então marketing de influência e de conteúdo estava em expansão e uma das discussões era sobre a relevância e o potencial dos micro- influenciadores. Dito e feito. Hoje, eles ascenderam e são protagonistas da Creator Economy, que de tão importante deixou de ter painéis que permeavam alguns temas pra virar uma trilha na edição desse ano.
Essa é minha primeira edição no SXSW e serei um dos mais de 2000 brasileiros aguardados no evento – a expectativa é que essa seja a maior delegação BR de todos os tempos. É um misto de FOMO eterno com um preparativo para aquelas férias tão aguardadas – você sabe o quão transformadora e especial será, o tanto de gente incrível que vai cruzar seu caminho, mas vai terminar reclamando que andou muito e não viu nem metade do que gostaria. Pretendo seguir à risca uma dica entreouvida entre um upload do evento e um dos muitos grupos de WhatsApp de brasileiros que estarão em Austin: vou tentar acompanhar 70% de painéis relacionados à Creator Economy e os outros 30% de assuntos sem nenhuma relação direta com os temas com os quais trabalho – digo direta porque, no fim das contas, tudo acaba se conectando de alguma forma em algum momento. Possivelmente, serão nesses momentos que eu ouvirei falar pela primeira vez sobre muitas coisas que já parecem óbvias pra muita gente. E isso não é incrível?
Mas ainda sobre aqueles assuntos sobre os quais eu já ouvi falar – ou até já conheço com um pouco mais de propriedade – indico muito o painel “How to Maintain Creative Integrity When Audiences Control Us”, do Matt Klein, sobre quem falei acima. Ele vai falar sobre quando os algoritmos ditam o comportamento dos criadores. Ainda nessa linha, para quem se interessa sobre o tema, recomendo “Insider Insights From 8 Years Working at Instagram & YouTube”, do Jon Youshaei” uma das principais vozes que tratam da creator economy nos EUA, que promete revelar no SXSW “como funcionam os algoritmos das plataformas”. Ao fim do texto, deixarei uma relação de 9 painéis que estão na minha lista de prioridades.
O SXSW é esse lugar de conexões improváveis que segue apontando pro futuro ideal, sem se esquecer do presente possível. Pra quem nunca ouviu falar sobre o SouthBy, tenho dito (entre tantas coisas) que não é um evento de tecnologia. Não é um evento de criatividade. Tampouco somente um festival de música ou educação. Ele é a mistura disso tudo, mas, na síntese, talvez seja mesmo um evento de Inovação – que, na definição stricto sensu fala exatamente sobre uma ideia, método ou objeto que é criado e que pouco se parece com padrões anteriores.
Estaremos lá pra ouvir inovadores que construíram ou participaram de algo que já faz parte da nossa realidade e “futuristas” tentando antecipar o que ainda parecem ideias distantes na nossa cabeça. E é nesse verdadeiro think tank em que as almas criativas e os curiosos incuráveis se encontram que saberemos o que talvez seja só uma trend e o que é uma tendência, de fato, da qual ouviremos falar por muito tempo.
Sugestões de Painéis:
1. How to Maintain Creative Integrity When Audiences Control Us (Matt Klein)
2. Insider Insights From 8 Years Working at Instagram & YouTube (Jon
Youshaei)
3. How I Built It: From @shitheadsteve to Doing Things (painel com o criador
da icônica página de memes Shitheadsteve)
4. Featured Session: Twitch Streaming and the Evolution of the Creator
Economy: (painel com o CEO da Twitch, Dan Clancy)
5. Death of the Follower & the Future of Creativity on the Web: (painel com
o CEO do Patreon, Jack Conte)
6. Featured Session: When Beer Goes Viral: The Role of Brands & Media in
Fighting Hate (painel com a influenciadora trans Dylan Mulvaney, que se
tornou pivô da crise global envolvendo a BudLight)
7. No Algorithm for Culture: How Humans See What AI Can’t
8. 4 Non-Obvious Ways That Futurist See What Other Miss (and you can too)
9. Making Curiosity Contagious
10. Visual (R)evolution: How AI is Impacting Creative Industries
Bônus track: os shows imperdíveis dos brasileiros Tagua Tagua, Glue Trip,
Bia Ferreira e Marcelo d2
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