2 de junho de 2022 - 8h16
Nosso ministro também não é o único a achar que é atribuição exclusiva da mulher cuidar dos filhos (Crédito: LightField Studios/Shutterstock)
Há cerca de um mês, o economista Adolfo Sachsida foi nomeado ministro das Minas e Energia. Como sempre acontece em ocasiões assim, o perfil de Sachsida foi dissecado pela imprensa. Na apuração, surgiu um intrigante vídeo gravado pelo agora ministro em dezembro de 2015. Era uma espécie de aula na qual Sachsida tentava provar a racionalidade de certas decisões tomadas pelos empresários e porque elas não eram fruto de preconceito.
Sachsida se debruçou especialmente sobre o tratamento dado às mulheres no mercado de trabalho. Afinal, por que mulheres ganham, em média, 20% menos que homens, mesmo apresentando o mesmo perfil de formação e desempenhando as mesmas funções?
Preste atenção na declaração dada à época:
“Se o casal tiver um filho, provavelmente é a mulher que vai cuidar do filho. Aí, você vira para mim e fala: ‘Mas, Adolfo, o homem fica bêbado mais que a mulher’. Fica, fica. Então, menos para o homem nesse ponto. Mas, também, quem vai mais ao médico? A mulher. Então, ela vai faltar mais para ir ao médico. O empresário está fazendo essas contas.”
E ele não parou por aí.
“Homem não fica grávido, mulher fica. Qual é a idade que mulher costuma ficar grávida? Entre 20 e 30 anos. O que acontece é o seguinte: se você pegar, vai ver que entre os 20 e os 40 anos de idade é que o seu salário dá grandes pulos. […] Só que essa faixa coincide também com a época em que a mulher sai do mercado porque teve filho. Então, parte da experiência que ela deveria acumular no período não acumula porque, basicamente, ela está cuidando do filho. Não estou dizendo que isso está errado, estou dizendo apenas como funciona.”
Adolfo Sachsida não é o único a defender que a maternidade é uma vulnerabilidade no sistema capitalista. Tive meu único filho aos 34 anos. Na época, era a segunda na cadeia de comando de uma das maiores e mais exigentes redações do país. Trabalhei os nove meses da gravidez. Meu último fechamento, antes de dar à luz e entrar em licença, adentrou a madrugada de sexta para sábado. No domingo, eu era mãe. Fui a todas as consultas médicas necessárias. Fiz todos os exames indicados. Nada disso afetou meu desempenho profissional. Aliás, mesmo no fim da gravidez, eu certamente produzia mais do que alguns dos meus colegas homens. Aconteceu comigo e com todas as grandes profissionais com quem eu tive a sorte de trabalhar e que, em algum momento da vida, resolveram ter filhos.
Meu filho devia ter dois anos quando fui convidada para almoçar com um dos mais respeitados líderes da empresa onde trabalhava. Minha carreira estava em ascensão. Havia muitas oportunidades na mesa. Em meio à discussão sobre os próximos passos que eu poderia dar – com uma das pessoas mais influentes da companhia – veio a pergunta: “Você não pretende ter mais filhos, certo?” Foi uma das situações mais desconcertantes da minha vida profissional.
Não era uma pergunta. Era uma sugestão. Resultado do mesmo preconceito externalizado anos atrás pelo nosso ministro. Com base em quê? Em absolutamente nada. O que o fato de eu ter engravidado e de ser mãe tinha afetado a qualidade do meu trabalho? Nada. O que as horas passadas nas consultas ou exames ou os cinco meses em que fiquei em licença representaram na minha história como profissional? Absolutamente nada. Não havia nenhuma racionalidade na pergunta. A empresa e o sistema capitalista não perderam nada quando eu me tornei mãe. Pelo contrário. Eu queria ser mãe – e me tornei melhor, em todos os sentidos, quando esse desejo foi realizado. E teria mais filhos se questões biológicas não tivessem impedido que isso acontecesse.
Nosso ministro também não é o único a achar que é atribuição exclusiva da mulher cuidar dos filhos. Homens não podem cuidar de crianças? Não podem levá-las ao médico? Estão liberados, por direito divino, de comparecer às reuniões da escola? Ou de preparar a mamadeira? Ou de ajudar na lição de casa? Quem determinou isso senão a convenção social? Por que ela não pode ser quebrada? Quem disse que o padrão da grávida vulnerável, da mulher profissionalmente anulada quando se torna mãe e do homem desobrigado do cuidado dos filhos é o melhor para a sociedade, para as empresas e para o capitalismo?
Países como Suécia, Alemanha e Finlândia – todos eles exemplos de capitalismo bem-sucedido – adotaram nas últimas décadas sistemas de licença, nas quais mães e pais têm oportunidade de se revezarem nos cuidados com seus bebês. É a chamada equidade parental. Lá, os empresários não precisam fazer contas cada vez que olham para uma mulher em período fértil simplesmente porque a tarefa de cuidar bem dos filhos – e transformá-los em cidadãos corretos, responsáveis, produtivos e criativos – independe de gênero.
Nascer mulher não significa fazer a escolha entre a carreira e a maternidade. Mães não são expulsas do mercado ou sub-remuneradas por um suposto risco que representam. Existe solução. Ninguém aqui disse que ela é simples. Mas o primeiro passo é entender que ela é justa, necessária e absolutamente racional.