Assinar
Publicidade

Opinião

A reinvenção da solidão 

O Bluesky nos faz refletir sobre como a gente gostaria que uma rede social fosse, se pudesse começar tudo de novo


24 de setembro de 2024 - 9h15

Perigo tecnológico

(Crédito: Shutterstock)

Virei adulta junto com as redes sociais. Aos dezenove anos, estagiária e integrante da recém-chegada geração Y, lembro de ensinar às minhas colegas mais velhas o conceito do Orkut e de ajudá-las a configurar um perfil na rede social.  

Depois dele, vieram tantas plataformas, que me foge a lembrança do momento do sign-up, escolha da imagem de avatar e descrição da bio de cada uma delas. O movimento de selecionar interesses e seguir contatos se tornou tão automático quanto pedir para ligar a conta de luz ou de internet em uma casa nova. 

Lembrei desse momento ao integrar o Bluesky, depois do bloqueio ao Twitter no Brasil. Considerei fechar essa porta e me manter alheia à rede. Para que mais um @? Quase vinte anos depois, o clima de ingenuidade da internet evoluiu para uma toxicidade que extrapolou o online e tem consequências reais na vida das pessoas. Já se foram os dias em que as redes eram um lugar para “ajudar o povo de humanas a fazer miçanga” ou para falar sobre o que comeu no almoço.  

“Foi o melhor dos tempos. Foi o pior dos tempos.” A era da conexão. A era da solidão. Analisando com o distanciamento de anos, dá para dizer que as plataformas cumpriram seu propósito de conectar o mundo, para o bem ou para o mal, mas uma conexão que não se traduziu em intimidade ou união. 

No mundo, um em cada quatro adultos se sente isolado socialmente (dado da OMS). Por isso, a Organização Mundial da Saúde tomou a decisão de tornar a solidão um problema de saúde pública global e criou uma Comissão de Conexão Social para criar uma agenda sobre o tema.  

Como o artigo do New York Times “Why Is the Loneliness Epidemic So Hard to Cure?” nos lembra, a sensação de se sentir só não é algo recente na história, mas a maneira negativa como a gente a experimenta hoje talvez seja. E ainda que tecnologia não seja a única vilã para o que a OMS chamou de epidemia da solidão, certamente é um de seus alicerces, já que é por meio dela que muitas das relações e comunicações são mediadas.   

Vimos uma erosão das comunidades de carne e osso em prol das online. Clubes, associações e os mais diferentes grupos de instituições religiosas, educativas, culturais e sociais migraram para as plataformas sociais. Não apenas perdemos o contato físico, mas, em muitos casos, o senso de pertencimento. Um processo gradual, cujos efeitos sentimos com força nas novas gerações. 

A despeito disso, o artigo do NYT termina com tom otimista. Ainda que a cura para a solidão pareça desafiante, Matthew Shaer, o autor do texto, acredita que a crise que vivemos hoje é um período de aclimatação. “Uma ponte, um passo evolucionário, em que a gente se pacifica com certos compromissos e realidades — como a que, em 2024, não vamos todos correr para nos reintegrar à comunidade local.” Mas que “ainda vamos nos encontrar de novo”.  

Pois a jovem cuja personalidade foi influenciada pelo humor do Twitter, pelas amizades no MSN Messenger e pelas reações do Facebook sentiu certa nostalgia nos primeiros dias do Bluesky, lembrando daquela internet moleque dos anos 2000. Nesses primeiros dias, vejo posts elogiando a rede do céu azul por ter enviado um e-mail a um usuário que fez uma publicação com pensamentos suicidas, querendo saber se ele estava bem.  

Vejo uma plataforma crescendo conforme mais brasileiros vão descobrindo – na semana após o bloqueio, 2.6 milhões de usuários tinham se registrado na plataforma, sendo que 85% deles eram brasileiros – e como ela vem acolhendo as denúncias de ataques a pessoas negras, trans e LGBTQIA+ (+270 mil, em sua maioria, em português) e rapidamente banindo infratores. E novos comunicados são feitos para mostrar como a rede pretende ser um lugar seguro e saudável para todas as pessoas, e por sinal, sem publicidade à vista. 

Se a rede vai ser capaz de se sustentar apenas com audiência majoritariamente brasileira, ou se os brasileiros vão retornar em peso caso o Twitter volte, não dá pra saber. Pode ser que tudo isso caduque a hora que esse texto for publicado. Mas o Bluesky nos faz refletir sobre como a gente gostaria que uma rede social fosse, se pudesse começar tudo de novo. E se sabendo da sua inevitabilidade e de tudo o que ela traria, ainda faria sentido fazer parte disso. 

Publicidade

Compartilhe

Veja também

  • Gabriele Carlos: de executiva de RH a CEO 

    Gabriele Carlos: de executiva de RH a CEO 

    A primeira mulher no comando da Zeiss Vision Brasil representa uma tendência corporativa de altas lideranças que vêm da área de recursos humanos 

  • Mariana Becker: a voz feminina da Fórmula 1 na TV brasileira

    Mariana Becker: a voz feminina da Fórmula 1 na TV brasileira

    A jornalista, que viaja pelo mundo há mais de 15 anos para cobrir o automobilismo na televisão, fala sobre a ascensão feminina na categoria