As deusas da Copa do Mundo do Catar
O Mundial está ainda na metade, mas já mostrou que há muito mais a ser visto e assistido nele do que meramente o futebol, e as mulheres têm parte importante nessa outra competição
O Mundial está ainda na metade, mas já mostrou que há muito mais a ser visto e assistido nele do que meramente o futebol, e as mulheres têm parte importante nessa outra competição
2 de dezembro de 2022 - 10h32
Quiseram as deusas que o trio de arbitragem de uma das partidas mais interessantes (até agora) da Copa do Mundo do Catar fosse formado apenas por mulheres pela primeira vez na história dos Mundiais. A qualidade da atuação da árbitra francesa Stéphanie Frappart e suas assistentes, Neuza Back, do Brasil, e a mexicana Karen Díaz, é a prova maior de que as mulheres e os assuntos relacionados aos direitos humanos e de gêneros são as grandes pautas das entrelinhas dessa controversa Copa do Mundo.
Ao assumir o comando do confronto da Alemanha com a Costa Rica na última rodada do Grupo E, Frappart se tornou a primeira mulher a arbitrar uma Copa do Mundo masculina e parecia decididamente confortável com a tarefa. Afinal, está acostumada a fazer história: foi a primeira mulher a arbitrar na Ligue 2 masculina, depois na Ligue 1 da França, e a primeira mulher a apitar uma partida na Liga dos Campeões e na Supercopa da Uefa.
Segundo o jornal inglês The Guardian, em muitos aspectos, a presença de Frappart importava muito mais do que seu desempenho. Houve muitas críticas, todas muito justificadas, à decisão de sediar a Copa do Mundo em um país que criminaliza as relações entre pessoas do mesmo sexo, e onde as pessoas LGBTQIAP+ têm menos direitos, onde os direitos das mulheres são extremamente restritos, e em estádios construídos sobre corpos de migrantes trabalhadores.
Uma narrativa-chave deste torneio tem sido a supressão do apoio até mesmo aos direitos humanos mais básicos e qualquer demonstração de solidariedade com os afetados. Desde o desastre da braçadeira OneLove até a remoção inicial de todas as roupas relacionadas à bandeira do arco-íris pela segurança do estádio (inclusive o episódio envolvendo um torcedor brasileiro com a bandeira do estado dos meus ancestrais, Pernambuco!), a tentativa de despolitizar o torneio tem sido feroz.
A decisão da Fifa, portanto, de nomear uma equipe de árbitras composta apenas por mulheres para comandar o jogo Alemanha x Costa Rica contrariou a tendência de um torneio ceder à pressão de seus anfitriões.
Em um país onde as mulheres são obrigadas a obter permissão de um responsável masculino para casar-se, trabalhar, viajar para o exterior, estudar e muito mais, três mulheres se aqueceram no Al Bayt Stadium prontas para fazer história em meio à ação em uma nação que provavelmente não permitiria que eles fizessem o que fazem se fossem locais. A repercussão vai muito além do futebol.
Há jornalistas, comentaristas e radialistas do sexo feminino nas cabines de imprensa e estúdios durante o torneio, mas elas só serão vistas nas telas dos países dessas emissoras, os quais contar com uma mulher na tela é cada vez mais normal.
Ter Frappart no meio do campo do maior torneio esportivo do mundo coloca uma mulher inevitavelmente no centro do palco. Colocou uma mulher em cada quarto ou sala de cada pessoa assistindo. Essa decisão fez ecoar aos telespectadores do planeta que as mulheres têm um lugar no futebol, têm autoridade e podem ser atléticas. Claro, haverá tentativas de não mostrar a árbitra e seus assistentes com suas camisas de manga curta e shorts, como a emissora estatal do Irã tem feito há vários anos. Mas é muito mais difícil cortar das transmissões o trio de arbitragem feminino do que as inúmeras mulheres fãs da audiência que quase nunca são mostradas nas transmissões.
A Copa do Mundo está ainda na metade, mas já mostrou que há muito mais a ser visto e assistido nela do que meramente o futebol, e as mulheres têm parte importante nessa outra competição.
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