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Opinião

Inteligência demasiadamente humana

Em meio à polêmica da DM9 em Cannes, será que focamos tanto na IA para nos eximir de pensar sobre a ética da indústria para além da tecnologia?


30 de junho de 2025 - 6h23

(Crédito: Shutterstock)

O ser humano é criativo por essência. O brasileiro, então, nem se fala. Viver, e sobreviver, exige isso. Contamos histórias nas ruas, nas praias, nos centros urbanos e religiosos, nos rios e no trabalho.

Vendedores, pescadores, camelôs, moradores de rua. Temos a arte da história viva na nossa cultura desde sempre, seja para vender, conquistar pessoas ou para mero divertimento.

Nos movimentos artísticos, não seria diferente. Temos literatura inspiradora, música de referência mundial, criadores de conteúdo que engajam multidões e um audiovisual cada vez mais pulsante.

Na corrida criativa dos diferentes mercados de criatividade, estamos bem, obrigado, e muito bem servidos. Sobretudo na indústria publicitária.

Nosso storytelling é, sim, matador. Não à toa, o Brasil acaba de ser homenageado no Cannes Lions 2025.

Mas nem só de storytelling vivemos. Precisamos, mais do que nunca, criar conexões reais e promover transformações em um mundo que pede ajuda. E aqui não dá mais para ser só pela história. Devemos mostrar que estamos ali de verdade, impactar, fazer a diferença.

Por décadas, a criatividade foi a mola propulsora da indústria. Encantar, tocar o coração e convencer era suficiente. E aí, vamos combinar? Alucinávamos como uma inteligência artificial, porém com a nossa inteligência, humana, que entende melhor sobre a arte do convencimento que qualquer máquina.

Não tínhamos IA, mas tínhamos nossas mentes, relacionamentos, pesquisa e as ferramentas para convencer. Atores, gravações, amigos em veículos de comunicação, resultados não de negócios, mas de história.

O caso da DM9 em Cannes não é novidade no mercado, muito pelo contrário. A prática existe há muito tempo e diz respeito a esse modelo onde contar a melhor história é mais do que suficiente. A estética predominava.

Muito se tem falado sobre o diferencial da criatividade humana em tempos de IA, mas o ponto não parece ser esse. Temos história e fantasia de sobra.

Em meio a policrises, guerras e conflitos humanitários, precisamos de impacto real. A história e a criatividade por trás dela deixam de ser relevantes se elas não entregarem solução e resultados concretos no mundo.

A conversa não é nova, mas a indústria ainda precisa caminhar muito para chegar lá. E aí a ética, que diz respeito aos costumes, hábitos e práticas humanas que consideram o bem-estar coletivo, é que vai fazer a diferença nessa equação.

Se por muito tempo a indústria publicitária se moveu pela estética, agora é a ética que precisa imperar. Só assim os negócios continuarão sustentáveis e a reputação desse mercado se manterá positiva, ou ao menos neutra. Podemos falar de ESG, DEI e de novas siglas, mas, no fundo, é sobre ética de negócios e de comunicação no fim do dia.

Os brasileiros sempre tiveram criatividade, carisma, storytelling e poder de convencimento. Isso nunca nos faltou e nos levou longe. Até aqui. Mas, no contexto em que estamos, isso não é mais suficiente e pode, sim, ser engolido pela inteligência artificial.

Se pudesse apostar no futuro, seria na inteligência essencialmente humana. Aquela que pensa em soluções, gambiarras que mudam realidades, mesmo que pequenas. Que executa de verdade, com ética e humanidade. Que olha para o próximo e contribui para sua existência e, dependendo do contexto, para sua sobrevivência e transformação.

O resto é ficção, entretenimento e uma delícia de se consumir. Mas não pode mais ser a tônica de uma indústria que tem o poder de mudar vidas.

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