Cannes Lions retira Grand Prix de DM9 e Consul, e agência devolve 12 Leões
BuscarFestival conclui investigação e anula premiação do case “Economia Eficiente de Energia”; paralelamente, DM9 reconhece inconsistências e devolverá também os Leões de outros dois cases: “Plastic Blood”, campanha brasileira mais premiada do ano, e “Death Gold”
Bárbara Sacchitiello
27 de junho de 2025 - 16h27
Equipe da DM9 e Consul celebraram o Grand Prix por “Consumo Eficiente de Energia”, entregue no dia 18; após investigação, festival retirou os troféus do case (Crédito: Celina Filgueiras)
Colaborou Alexandre Zaghi Lemos
Nove dias depois de ter entregue à DM9 e Consul o Grand Prix da categoria Creative Data, o Cannes Lions comunicou que a premiação está cassada.
Após analisar as denúncias de informações inconsistentes e manipuladas presentes no videocase da peça “Economia Eficiente de Energia”, os organizadores concluiram nesta sexta-feira, 27, que “a única ação apropriada seria retirar a inscrição do Festival” e, portanto, “retirar o Grand Prix e os prêmios associados”. O comunicado diz que a decisão acontece “após uma investigação e revisão completas, conduzidas em consulta com as partes relevantes e os auditores independentes do Cannes Lions”.
Além do Grand Prix em Creative Data, o case também havia conquistado um Leão de Bronze na categoria Creative Commerce. As duas premiações estão anuladas pela organização, que desconsidera os pontos obtidos pela agência com os dois troféus.
Além disso, o Cannes Lions informou, que, como medida extra, após uma revisão interna, a DM9 decidiu também retirar as inscrições de outros dois cases: “Plastic Blood”, para a OKA Biotech, que havia sido a campanha brasileira mais premiada do ano, e “Death Gold”, para a Urihi Yanomami. “Todas as partes reconhecem que o nível de legitimidade não atende aos padrões necessários”, diz o festival. Os prêmios concedidos a esses dois cases também serão desconsiderados.
“Plastic Blood” havia somado 3 Ouros (Brand Experience & Activation, Design e Print & Publishing), 3 Pratas (Brand Experience & Activation, Design e Industry Craft) e 2 Bronzes (Direct e Outdoor). Já “Death Gold”conquistou 1 Prata em Print & Publishing e 1 Bronze em Outdoor.
O caso fez o Cannes Lions prometer uma série de mudanças para o ano que vem, incluindo um novo Código de Conduta, que deverá ser assinado por todas as organizações participantes. Além disso, será obrigatória a informação de uso de inteligência artificial em videocases e em todo o processo de inscrição, com a promessa de emprego de ferramentas de detecção, para ajudar a identificar filmes e materiais manipulados, e de um comitê de especialistas em IA, ética e integridade de conteúdo.
Veja, abaixo, a íntegra do comunicado do Cannes Lions:
“O Cannes Lions confirmou que, após consulta à empresa participante, a DM9, o vencedor do Grand Prix do Creative Data Lions, “Efficient Way to Pay” para Consul, foi retirado. Isso ocorreu após a descoberta de que conteúdo gerado e manipulado por IA foi utilizado no filme do caso para simular eventos reais e resultados da campanha, resultando na apresentação de informações imprecisas ao júri durante suas deliberações.
Isso viola as regras de inscrição do Cannes Lions sobre representação factual e mina a confiança depositada no trabalho por nossos jurados e pela comunidade em geral. O Cannes Lions existe para celebrar a criatividade real, representativa e responsável.
Após uma investigação e revisão completas, conduzidas em consulta com as partes relevantes e os auditores independentes do Cannes Lions, concluímos que a única ação apropriada seria retirar a inscrição do Festival, em comum acordo, e, portanto, retirar o Grand Prix e os prêmios associados.
Como medida adicional, e após uma revisão interna completa, a DM9 decidiu retirar as inscrições “Plastic Blood” para a OKA Biotech e “Gold = Death” para a Urihi Yanomami. Todas as partes reconhecem que o nível de legitimidade não atende aos padrões necessários. Consequentemente, todos os prêmios serão retirados.
Olhando para o futuro, o Cannes Lions introduzirá uma série de medidas aprimoradas para garantir que os prêmios permaneçam robustos na era do conteúdo sintético, da mídia e da IA generativa.
Estas incluem:
Compromisso
Um Código de Conduta aprimorado que deve ser assinado por todas as organizações participantes.
Transparência
Divulgação obrigatória da IA como parte do processo de inscrição, sendo a não divulgação motivo para desqualificação ou retirada.
Detecção
Ferramentas de detecção de conteúdo podem ser usadas para ajudar a identificar filmes e materiais de casos manipulados.
Adjudicação
Um comitê de revisão dedicado, composto por especialistas em IA, ética e integridade de conteúdo.
Essas medidas serão apoiadas por procedimentos formais de execução, incluindo potencial desqualificação, divulgação pública ou retirada do prêmio, quando necessário.
Essas novas e aprimoradas medidas reforçam o compromisso do Festival em homenagear trabalhos que mantenham os mais altos padrões de verdade, imparcialidade, transparência e excelência criativa.”
Enquanto o Cannes Lions investigava o case de Consul, a DM9 também diz ter feito um trabalho interno de investigação para levantar possíveis inconsistências em outros cases participantes do Festival neste ano. Em nota, a agência pontua que, por ter encontrado problemas em “Plastic Blood” em “Death Gold”, também decidiu retirar as inscrições dessas outras duas campanhas e, consequentemente, devolver os dez prêmios conquistados por elas.
Veja, abaixo, a íntegra do comunicado da DM9:
“Após uma investigação conduzida pelo board da agência, constatou-se que três dos cases inscritos pela DM9 no Festival de Criatividade Cannes Lions deste ano apresentavam inconsistências graves relacionadas à veracidade ou legitimidade dos trabalhos apresentados.
Os fatos culminaram no afastamento imediato de Icaro Doria, ex-copresidente e CCO e líder da produção desses cases, responsável direto pelas falhas.
A DM9 confirma a retirada dessas três inscrições de 2025:
* “Efficient Way to Pay”, para Consul, foi retirada após a descoberta de que inteligência artificial foi utilizada para criar duas cenas que não refletiam fielmente a execução real do projeto.
* “Gold = Death”, para Urihi Yanomami, e
* “Plastic Blood”, para OKA Biotech, também foram retirados devido à insatisfação com o nível de legitimidade de cada um dos trabalhos.
Os prêmios eventualmente conquistados por esses trabalhos serão devolvidos ao Festival.
A DM9 pede desculpas, sem reservas, ao Festival de Criatividade Cannes Lions, aos jurados que dedicaram seu tempo e cuidado para avaliar seus trabalhos, e à indústria como um todo.
A equipe de liderança executiva da DM9 permanece comprometida em agir com integridade e manter os mais altos padrões para seus clientes, pessoas e negócios.
Em espírito de transparência e responsabilidade, a DM9 se compromete com um processo que garantirá que todos os projetos atendam aos mais elevados padrões éticos. Além disso, a agência implementará um Comitê de Ética em Inteligência Artificial, para estabelecer diretrizes claras e melhores práticas para o uso responsável de IA e tecnologia em seus processos criativos. Em breve, serão anunciados os integrantes do comitê, bem como modelo de práticas implementadas para garantir a integridade de todas as ações e campanhas da agência.”
Ao todo, a DM9 perde 12 Leões conquistaods no Cannes Lions 2025: 1 GP e 1 Bronze de “Economia Eficiente de Energia”; 3 Ouros, 3 Pratas e 2 Bronzes de “Plastic Blood”; e 1 Prata e 1 Bronze de “Death Gold”.
A agência mantém 9 Leões, conquistados com os cases “Recipe for Growth”, para iFood (1 Ouro, 1 Prata e 2 Bronzes), “Prize on the Bone”, para KFC (1 Ouro, 2 Pratas e 1 Bronze) e “Building Futures”, para MRV (1 Bronze).
Crise do Grand Prix: DM9 desliga Icaro Doria
Nesta quinta-feira, 26, a DM9 comunicou o desligamento do até então chief creative officer (CCO), Icaro Doria, da agência.
Na terça-feira, 24, no primeiro comunicado divulgado sobre o case, a DM9 isentou a Consul de qualquer responsabilidade pela criação da peça publicitária. No mesmo texto, assinado pelo CEO, Pipo Calazans, a agência também declarou que Doria assumia “total responsabilidade” pelo o que a DM9 chamou de “uma série de falhas na produção e no envio do videocase” que acompanhava um dos cases então premiados pelo Cannes Lions.
Desde quando Doria assumiu o comando criativo da DM9, a agência voltou a se destacar em prêmios internacionais. No Cannes Lions 2025, a DM9 havia sido a segunda agência brasileira mais premiada, com 1 Grand Prix, 5 Ouros, 7 Pratas e 8 Bronzes. Após as perdas com a cassação e as devoluções, a agência mantém 9 Leões, sendo 2 Ouro, 3 Prata e 4 Bronzes.
Em 2024, a DM9 foi a brasileira mais premiada no festival, com 4 Ouros, 4 Pratas e 8 Bronzes. Somados aos três Leões de 2023, primeiro ano de participação após a volta da marca, a DM9 havia conquistado 40 Leões nas últimas três edições do Cannes Lions, mas agora perdeu 12. No ano passado, a agência conquistou também o Grand Clio de Print & OOH Craft, com uma campanha para Leica.
Antes de a DM9 fazer o comunicado em que pedia desculpas pelas falhas no case e isentava a Consul de responsabilidades pelo trabalho criativo, a marca de eletrodomésticos da Whirpool já havia divulgado dois comunicados sobre o assunto.
No primeiro, a empresa disse que a reponsabilidade da peça publicitária era da DM9, mas salientou que o trabalho premiado pelo júri do festival fazia parte de um ecossistema criativo mais amplo, elaborado para a marca.
Já na terça-feira, 24, a Consul enviou um comunicado com um tom diferente, em que afirmava não tolerar “manipulação, uso ou a disseminação de informações falsas” e prometia tomar medidas cabíveis. A empresa, no entanto, não respondeu aos questionamentos da reportagem a respeito de quais seriam tais medidas e de como ficará sua relação com a DM9.
“A Consul reitera que não tolera a manipulação, uso ou a disseminação de informações falsas. Respeitando os trâmites legais, a marca informa que está tomando as medidas cabíveis junto aos envolvidos. A marca reafirma seu compromisso com a ética, a transparência e a confiança de consumidores e parceiros”, disse a marca, no texto.
A crise do Grand Prix envolveu até a CNN Brasil. A emissora jornalística foi citada no videocase, que utilizou um vídeo de uma reportagem, publicada em 2021, a respeito de economia de energia nos aparelhos eletrodomésticos.
Houve, no entanto, manipulação na chamada da matéria e inclusão de uma narração da jornalista e apresentadora Gloria Vanique, que não consta na reportagem original, com a ideia de simular que a jornalista falava sobre o case da Consul, quando, na verdade, a reportagem abordava a evolução dos fabricantes de eletrodomésticos na produção de aparelhos que consomem menos energia.
“A CNN Brasil foi surpreendida pelo uso adulterado da reportagem. Ao tomar ciência do caso, notificou a agência envolvida e solicitou medidas, como a exclusão do material de todas as plataformas e esclarecimentos”, disse a assessoria de comunicação da CNN Brasil à reportagem de Meio & Mensagem.
No comunicado em que pedia desculpas pela falha na produção e elaboração do videocase, a DM9 também citou que instituirá um Comitê de Ética em Inteligência Artificial, “com a participação de membros externos e independentes de diferentes segmentos, para estabelecer diretrizes, promover debates e fomentar o uso responsável dessa tecnologia.”
“Para nós, este episódio reforça não apenas a importância de aprofundar a discussão sobre a aplicação de novas tecnologias, como o uso de IA na indústria publicitária, mas, sobretudo, reafirma nossa convicção de que o sucesso não é apenas resultado de talento e criatividade, mas também é reflexo da forma como trabalhamos e interagimos, com um sólido compromisso com a ética e a integridade. Valores inegociáveis para mim e para centenas de pessoas da DM9”, reforça o comunicado, assinado por Pipo Calazans.
Antes de concluir a investigação do case vencedor do Grand Prix, a organização do Cannes Liosn havia reiterado à reportagem de Meio & Mensagem, nesta semana, que o processo de análise do case estava em andamento.
A decisão é incômoda para o festival, pois a cassação afeta muitos interesses, como as pontuações de agências, redes e holdings do ano. Ajudada pelo desempenho da DM9, a DDB conquistou o título de Network of the Year no Cannes Lions 2025, foi também a Regional Network of the Year, justamente da América Latina.
A retirada dos prêmios e dos pontos atribuídos ao case da DM9 para Consul também afeta a imagem de triunfo do Brasil no Cannes Lions 2025, quando o País foi o segundo mercado mais premiado do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos.
As concorrentes brasileiras haviam encerrado o Cannes Lions deste ano com a conquista de 107 troféus, o que incluía o impressionante recorde de 6 Grand Prix, o terceiro Titanium do mercado nacional e, ainda, 18 Ouros, 35 Pratas e 47 Bronzes, somando a melhor performance da história da participação brasileira no evento.
Agora o resultado brasileiro perde 12 Leões da DM9, passando a somar 95 Leões: 5 Grand Prix, 1 Titanium Lion, 15 Ouros, 31 Pratas e 43 Bronzes
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