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O que está por trás da liderança corajosa?

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Opinião

O que está por trás da liderança corajosa?

Não dá para guiar ninguém por um caminho de transformação se você mesmo não estiver disposto a se transformar


2 de julho de 2025 - 8h49

(Crédito: Shutterstock)

Você já se viu resistindo a uma mudança no trabalho, mesmo sabendo que ela poderia ser positiva?

Eu já. Lembro de ocasiões em que uma nova estratégia, uma reestruturação de equipe ou a adoção de um sistema novo me deixaram com aquele frio na barriga. A zona de conforto parecia tão acolhedora que quase me prendi a ela. É irônico: falamos tanto em inovação e agilidade, mas, na hora H, mudar dá medo. E está tudo bem sentir isso.

Com o tempo, porém, aprendemos que é preciso ter a visão da floresta em vez de apenas a visão das árvores. Em outras palavras: aumentar a perspectiva. Quando nos tornamos líderes, compreender este processo humano é fundamental para o exercício da liderança. Este artigo é um convite à reflexão sobre o papel da liderança, junto às pessoas, ao implementar uma mudança, seja de estrutura, processos ou outras. 

As reações de medo e resistência não são sinal de fraqueza pessoal, mas sim reflexos de como nosso cérebro funciona diante do novo. Estudos em neurociência, como os do australiano David Rock, mostraram que o cérebro social humano reage a mudanças como se fossem ameaças às necessidades psicológicas básicas. Rock resumiu essas necessidades no modelo SCARF, um acrônimo em inglês para Status, Certeza, Autonomia, Relacionamento e Justiça (Fair).

Quando algo ameaça nosso senso de importância (Status), de previsibilidade (Certeza), de controle sobre as próprias escolhas (Autonomia), de pertencimento ao grupo (Relacionamento) ou de justiça (Fair), entramos em estado de alerta. Ficamos na defensiva, menos abertos ao diálogo e à criatividade, pois instintivamente tentamos proteger aquilo que nos dá segurança. 

Agora pense no ambiente corporativo: uma mudança organizacional brusca, por exemplo. Uma fusão de departamentos ou uma nova liderança podem acionar todos esses gatilhos SCARF de uma vez. Eu mesma e algumas colegas já passamos por uma reestruturação em que tememos perder o espaço e o reconhecimento das pessoas (Status). Não sabíamos o que esperar do futuro (falta de Certeza), não tínhamos voz na decisão (Autonomia em xeque) e ainda sofremos com boatos de que os processos não seriam justos (ameaça à Justiça). O resultado? O impulso foi resistir e questionar a mudança.

É humano reagir assim. Líderes contemporâneos, portanto, precisam ter essa sensibilidade: entender que por trás de uma equipe resistente muitas vezes há pessoas com medo de perder seu lugar, inseguras sobre o futuro, sentindo-se excluídas ou injustiçadas. Reconhecer esses sentimentos é o primeiro passo para lidar com a resistência de forma empática e eficaz. 

Se por um lado a natureza humana explica a resistência, por outro, cabe à liderança conduzir as pessoas por meio da mudança. E isso exige evoluir o estilo de liderar. É necessário comunicar com clareza, exercer a tão difícil escuta ativa e reforçar o senso de que os processos estão transparentes e justos, dando autonomia às pessoas.

A pesquisa “Panorama de Lideranças 2025”, realizada pela Amcham Brasil em parceria com a Humanizadas, com 763 líderes brasileiros, concluiu que o líder do futuro exige menos operação e mais visão, dados e desenvolvimento de pessoas. Pergunto: como desenvolver pessoas sem conhecê-las ou sem entender sua motivação e resistência?

A pesquisa segue. Quando o tema é alta performance das empresas, os líderes afirmam que o gargalo não está na formulação da estratégia, mas na sua compreensão pelas pessoas e na tradução em ação coletiva. Ou seja, o líder precisa desenvolver a habilidade de mobilizar a equipe para a mudança. Esta é uma habilidade-chave.

O panorama ainda conclui que os talentos permanecem e crescem quando há oportunidades reais, apoio da liderança e autonomia com direção clara. Ou seja, as dimensões que influenciam o comportamento precisam ser compreendidas e verdadeiramente elaboradas pela liderança. 

Esse perfil não é só um ideal distante, ele já é demandado hoje. As empresas estão desejando líderes que combinem inteligência emocional, comunicação eficaz e adaptabilidade, sem abrir mão da visão estratégica e de uma postura humana. O problema é que existe um descompasso entre o estilo atual e o desejado. Ainda vemos muitos líderes presos a modelos antigos: microgestão, autoritarismo velado, aversão ao erro, enquanto o contexto pede quase o oposto: macrovisão, colaboração, aprendizado contínuo.

Quantas vezes não ouvimos falar de gestores excelentes tecnicamente, mas que pecam na comunicação e na empatia? Ou de equipes desmotivadas por falta de clareza e reconhecimento? O modelo SCARF pode servir de bússola nessa transição. Se o líder passar a olhar para cada decisão pelo prisma desses cinco fatores, ele conseguirá reduzir os riscos de insucesso e aumentar a motivação do seu time.

Isso significa, por exemplo, compartilhar informações e contexto (trazendo Certeza em momentos de incerteza), envolver as pessoas nas decisões e dar autonomia em vez de centralizar tudo (satisfazendo a necessidade de Autonomia) e valorizando o papel (Status) de cada um, incentivar laços de equipe e cultura de apoio (fortalecendo verdadeiramente o Relacionamento), e agir com Justiça nos reconhecimentos, promoções e atribuição de responsabilidades. Pequenas ações consistentes nesses domínios criam um ambiente de confiança, antídoto natural contra o medo da mudança. 

Olho para minha própria trajetória e vejo como a vida profissional é um campo real de desenvolvimento pessoal. Cada desafio de mudança que enfrentei — seja trocar de empresa, de líder ou liderar um time em crise — veio acompanhado de frio na barriga, sim, mas também de muito aprendizado. No papel de líder, passei a compartilhar com o time também minhas vulnerabilidades: admitir que eu também tenho minhas inseguranças em momentos de mudança abriu espaço para diálogos sinceros.

Isso cria conexão e mostra que estamos juntos naquela jornada incerta, lado a lado. Quando o líder tem a humildade de aprender junto com a equipe, algo poderoso acontece: as pessoas se sentem mais seguras para sair da inércia, pois sabem que não serão julgadas por cada passo em falso, e sim apoiadas a encontrar soluções. E, acreditem, elas arriscam e se desenvolvem. É lindo ver o desenvolvimento da equipe! 

Encerro com a lição mais valiosa que a experiência me trouxe: não dá para guiar ninguém por um caminho de transformação se você mesmo não estiver disposto a se transformar. A liderança corajosa e contemporânea é aquela que, mesmo diante da resistência (dos outros e de si mesma), consegue enxergar a floresta inteira e cada árvore também, percebendo as oportunidades e o crescimento que a mudança traz e seguir adiante.

E você, já percebeu resistência à sua volta? Já refletiu sobre a sua origem? Conseguiu superar? 

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