O que a idade diz sobre nós? Nada
A sabedoria não está em um número, mas nas escolhas que fazemos para navegar em nossa própria jornada

(Crédito: Shutterstock)
Escrevo este artigo no dia do meu aniversário, uma data que naturalmente me leva a uma reflexão importante. O que realmente define nossa jornada? É a simples contagem dos anos que passam ou a intensidade com que escolhemos moldar nosso próprio tempo?
Essa questão se tornou ainda mais clara para mim durante uma roda de conversa recente com o grupo Aladas e a Dra. Ana Claudia Quintana Arantes, médica de cuidados paliativos e autora de livros como “A Morte é Um Dia que Vale a Pena Viver”. Ana Claudia tem uma maneira especial de abordar assuntos que frequentemente evitamos, como o envelhecimento e a finitude, e sua perspectiva é verdadeiramente incrível.
O deserto do tempo
Em um de seus livros, a Ana Claudia usa uma metáfora poderosa: “Imagine que, aos 40 anos, você tem três décadas para se preparar para uma grande aventura no deserto do Norte da África. O clima é árido, o calor escaldante e as noites, geladas. Sem protetor solar, óculos escuros e roupas adequadas, a jornada pode se tornar um caos”.
Isso não é um chamado literal para arrumar uma mala. É uma lente através da qual podemos ver nossa existência. Seu livro nos lembra que abraçar nossa finitude — nosso tempo limitado — não diminui a vida; pelo contrário, a enriquece. É um lembrete de que as escolhas que fazemos hoje são as preparações mais importantes para o nosso futuro.
Ana Claudia nos leva a uma pergunta crucial: temos a coragem de ser felizes agora e no futuro? Nas minhas aulas em Direitos Humanos, Viktor Frankl aparecia frequentemente. Ele argumenta que nossa maior liberdade é a capacidade de escolher nossa atitude em qualquer circunstância. Ele acreditava que o que realmente nos sustenta não é o prazer, mas o propósito, que pode ser encontrado de três maneiras: por meio do nosso trabalho, do amor, e até pela postura que adotamos diante do sofrimento inevitável. Essa ideia de “otimismo trágico” — manter a esperança e o significado, apesar dos desafios inevitáveis da vida — é um poderoso lembrete de que nossa jornada pessoal não é sobre evitar dificuldades, mas sobre encontrar sentido nelas.
Ressignificando a idade por meio da ação
Tenho a sorte de estar cercada por pessoas que provam que a idade é apenas um número. Uma amiga minha, uma verdadeira inspiração, correu a Maratona de Boston aos 60 anos. Essa maratona é o sonho dos corredores de longa distância. Só se consegue esse feito se você for qualificado por tempo. Isso não foi um feito da noite para o dia. Lembro-me dela chegando à pista para correr de manhã cedo, antes de ir para o consultório ou para uma cirurgia, saindo apressada com seu jaleco branco. Mesmo no desconforto, ela treinava com dedicação e um sorriso, encontrando realização e autoconhecimento em cada quilômetro.
Minha avó, que viveu até os 95 anos, era cheia de energia, autonomia e independência. Ela era forte, gentil, humilde e generosa ao mesmo tempo. Era uma grande fonte de inspiração para coisas práticas, como cozinhar com memórias, educar com consciência, brincar com alegria e criar experiências.
Em um mundo cheio de distrações, uma consciência de nossa finitude pode ser nosso guia para escolhas melhores. É uma preparação para o futuro, enraizada em ações simples e cotidianas. Porque, quando finalmente chegarmos ao nosso próprio “deserto do Saara” — o futuro para o qual estamos nos encaminhando — não seremos capazes de mudar quem somos.
Abraçando nossa finitude
Uma consciência saudável de nossa finitude pode desencadear uma poderosa mudança de perspectiva, ajudando-nos a abandonar o que não nos serve mais e a escolher nossas batalhas com mais sabedoria. Ela nos dá a coragem de mudar o que podemos, ao mesmo tempo que aceitamos o que não podemos, e nos permite sair da solidão para um senso de conexão genuína com os outros.
Quando abraçamos essa mentalidade, começamos a nos fazer perguntas diferentes: o que realmente importa para mim? O que quero deixar para trás?
Essas são as perguntas no cerne do documentário “Quantos dias, Quantas noites“, disponível no canal do YouTube do Dr. Drauzio Varella. O filme é um espelho poderoso que reflete nossa relação com o tempo e o envelhecimento. Enquanto especialistas sugerem que a pessoa que viverá até os 150 anos já nasceu, o documentário nos desafia a considerar uma pergunta mais urgente: o que estamos fazendo com essa oportunidade?
Convido a todos a assistir a esse documentário que toca a alma. Ele mergulha em camadas profundas de solidão e desigualdade, mostrando que envelhecer não é o mesmo para todos. O filme deixa claro que, embora alguns possam ter o privilégio de uma longevidade ativa e saudável, muitos enfrentam a dura realidade de barreiras sociais e econômicas. Não se trata apenas de viver mais; trata-se de garantir que nós e nossas comunidades estejamos preparados para viver com qualidade e dignidade.
Como diz Antonio Galdério, renomado fotógrafo brasileiro que teve a carreira interrompida após um grave acidente que o fez perder a memória: “A foto principal está nas sutilezas do entorno”. A vida não é definida pelo tempo que se passa, mas pela riqueza dos detalhes que a preenchem. No fim das contas, devemos ressignificar o conceito de idade, porque ela é apenas um número. A sabedoria está nas escolhas que fazemos para navegar em nossa própria jornada.