Como (não) dou conta de todas as tarefas
Aos poucos, estou entendendo que o único jeito de não enlouquecer é aceitar que não damos conta de tudo

(Crédito: Shutterstock)
Dezembro sempre termina com esta ironia elegante: quanto menos tempo temos, mais achamos que vamos conseguir resolver tudo. É quando a agenda decide mostrar sua verdadeira natureza, um território no qual cabem desejos demais e as mesmas 24h. Queremos fechar pendências, reorganizar a vida, retomar hábitos, honrar promessas feitas a nós mesmas lá em janeiro… e, claro, ainda dar conta das demandas do dia a dia, que não tiram férias.
É nesse choque entre a ambição e o relógio que percebo: meu maior desafio não é fazer a lista, é entender por que ela parece crescer sozinha. E detectar o que exatamente é essencial e o que simplesmente não dou conta.
Para começar, o casamento. Porque, no fim das contas, quando a vida desacelera e o barulho do mundo baixa, o que sobra é essa construção que precisa ser cuidada. Não é checklist; é presença. Vai para a lista, sim, mas para aquela parte da lista onde só entram coisas importantes.
E os filhos? Mesmo adultos, eles ocupam um tipo de espaço que nunca some. E tem minha mãe. E tem os amigos, que, em cidade grande, precisam de cultivo constante, quase como planta que não gosta de vento. A amizade que construímos hoje é a companhia que teremos lá na frente.
E, claro, tem o trabalho. E tudo que vem junto: aprender sempre, acompanhar tendências, estudar, ler, ouvir, observar, entregar o melhor. Em marketing, olhar para fora é quase parte do contrato moral do cargo. Se você para, o mundo não para com você.
Não podemos esquecer a generosidade. Ajudar quem está mudando de carreira, conversar com quem precisa, orientar quem pede, abrir portas quando dá. Eu continuo tropeçando na palavra “sororidade”, mas entendo profundamente o que ela representa.
Tudo isso sem esquecer a gente mesma. Essa parte silenciosa da lista, que às vezes deixamos para depois: saúde, exames, descanso, algum tipo de sossego, vitaminas que esquecemos de tomar, caminhadas que não fizemos. E o cuidado com os próximos 50 anos, porque queremos viver muito, e viver bem exige planejamento.
Mas não posso deixar de fora as listas menores que se multiplicam. Ler mais livros (não li nem metade dos que eu queria este ano), ver mais filmes (de novo, não vi quase nada), acompanhar as notícias (muito importante, mas não dou conta de saber tudo que é relevante), ter vida cultural (quem sabe uma série no streaming?) e ouvir um podcast que todo mundo disse que é incrível.
Inclui ainda os convites, que acontecem sem pedir licença. Show no meio da semana, cinema de última hora, sua filha dizendo “vamos?”. Você vai, claro. E depois descobre que não está enxergando nada do palco porque ela é alta e você é baixa. Mas valeu. Porque algumas memórias sempre valem o esforço, mesmo quando aumentam a lista de coisas que cansam, mas preenchem.
Não dá para esquecer os sobrinhos, afilhados, aniversários, encontros, pequenos rituais com quem amamos. A lista cresce sem pudor, empilhando camadas de delicadeza e exaustão ao mesmo tempo.
Um ponto é essencial nessa história: gentileza conosco mesmas. A vida não é um concurso de produtividade. Se a lista é infinita, talvez seja porque estamos vivas, ativas, presentes. A verdade é que ainda bem que temos tantas demandas. significa que esperamos ter muitos anos pela frente para continuar ajustando, escolhendo, errando, recomeçando.
No meio disso tudo, há um fato que todo mundo que me conhece sabe: não passei na fila da paciência. Sempre tem o dia em que ela se esgota exatamente na hora errada. E aí vem a culpa, que também vai para a lista. Aos poucos, bem devagar mesmo, estou entendendo que o único jeito de não enlouquecer é aceitar que não damos conta de tudo. E não tem como dar, missão impossível mesmo. O objetivo é escolher bem e deixar de lado a culpa pelo que não coube.
Após anos trabalhando com perfumaria, tenho pensado na vida como um perfume. Primeiro, sentimos as notas de saída — urgentes, barulhentas, visíveis: prazos, reuniões, entregas. Depois, vêm as notas do meio, aquilo que acompanha o dia: amigos, mensagens, demandas dos filhos, imprevistos. Por fim, as de fundo, as que realmente ficam: saúde, casamento, família, aquilo que sustenta a vida de verdade. Se exageramos nas notas de saída, perdemos o equilíbrio. Se esquecemos as de fundo, perdemos o sentido.
Claro que não cheguei nem perto desse balanço. Mas sempre que a ansiedade grita, tento lembrar que o perfume da vida não exige perfeição, só que a gente tenha coragem de escolher as notas aromáticas que queremos que permaneçam.