Quando a paternidade cabe na cultura, todo mundo respira
Que nós, mulheres em posições de liderança, usemos nossa influência para mostrar que cuidar dos filhos não é responsabilidade exclusiva da mãe

(Crédito: Shutterstock)
Dias atrás, uma amiga me contou que, ao comunicar sua gravidez no trabalho, a primeira reação da liderança foi de silêncio constrangido, seguida por perguntas sobre prazos, substituições e entregas.
Meses depois, na mesma equipe, um colega anunciou que seria pai. Ganhou parabéns calorosos, elogios pela nova fase da vida e um porta-retrato na mesa do trabalho com a foto do bebê assim que nasceu.
Ela me disse: “Parece que eu trouxe um problema, e ele, um troféu”.
Fiquei com essa frase entalada. Porque ela expõe, com precisão cruel, o peso desigual que ainda carregamos quando o assunto é parentalidade no trabalho. A mesma notícia sobre a chegada de uma criança é recebida de formas completamente diferentes, dependendo de quem a comunica.
Essa assimetria não é coincidência. Ela é fruto de uma cultura que ainda associa o trabalho do cuidado às mulheres — e a estabilidade profissional, aos homens. A própria legislação reflete isso: 120 dias de licença para mães, apenas 5 para pais (ou 20 para as empresas que aderiram ao Programa Empresa Cidadã). Na prática, essa diferença comunica algo: quem cuida mais se afasta mais; e quem se afasta mais, “custa” mais caro para as organizações.
O resultado? A conta fica desequilibrada desde o primeiro dia. E muitas empresas, sem perceber, seguem reforçando essa lógica, seja nos benefícios, nos fluxos de comunicação ou na forma como acolhem a experiência da parentalidade para os homens.
Aqui na Filhos no Currículo, acompanhamos empresas que estão justamente nesse ponto de virada, e que já entenderam que promover uma cultura de valorização da paternidade não é um “benefício extra”, e sim uma estratégia de reforço positivo da cultura organizacional.
Quando os homens cuidam, as mulheres respiram.
O homem que estabelece limites claros no trabalho para exercer seu papel paterno abre espaço para que a licença-maternidade deixe de ser um “problema” exclusivamente feminino, passando a ser percebida como uma experiência humana, compartilhada e possível para todas as figuras parentais.
Quando o cuidado é dividido, os impactos também são. E, nesse novo cenário, as decisões de carreira das mulheres passam a ser avaliadas com mais justiça, sem o filtro enviesado de que maternidade é sinônimo de instabilidade ou interrupção.
Só que, para isso acontecer, é preciso mais do que boas intenções no papel. É necessário preparar o ambiente para que a paternidade possa ser vivida sem culpa, sem receio e sem piadas que desautorizam o afeto. É preciso, também, que os homens em posições de liderança façam uso visível dos seus próprios direitos, porque a cultura muda pelo exemplo.
Com o Dia dos Pais se aproximando, vale o convite: que nós, mulheres em posições de liderança, usemos nossa influência para mostrar que cuidar dos filhos não é responsabilidade exclusiva da mãe, mas um compromisso de uma aldeia envolvendo as empresas.
Procure uma pessoa aliada no seu trabalho. Um pai, um colega, um gestor disposto a assumir essa pauta e advogar pela causa. Comece abrindo espaço para conversas reais entre pais nos corredores corporativos. Sugira que a área de comunicação interna dê visibilidade às histórias de figuras paternas que já cuidam com presença e comprometimento. Convide o time de recursos humanos a refletir se os processos da organização enquadram os homens como coadjuvantes ou corresponsáveis no exercício do cuidado parental. E, acima de tudo, lembre-se: exemplos arrastam.
A transformação cultural começa quando o cuidado deixa de ser um território exclusivamente feminino e passa a ser um pacto compartilhado.