Opinião

Na era da automação, a conexão genuína é nossa maior skill 

Diante do paradoxo da IA, que, ao mesmo tempo, conecta e ameaça, as comunidades se firmam como pilar insubstituível de confiança, resiliência e inclusão  

Isabela Castilho

CEO da Rocketseat 25 de novembro de 2025 - 8h52

(Crédito: Shutterstock)

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Em um mundo cada vez mais moldado pela inteligência artificial, onde as incertezas sobre o futuro do trabalho avançam na mesma medida que a tecnologia, o poder das comunidades emerge como um pilar de resiliência, crescimento humano e, crucialmente, de inclusão. Minha jornada na Rocketseat começou com essa crença, e hoje, ela se torna ainda mais urgente. 

O contexto atual revela um comportamento preocupante: muita gente tem recorrido à IA como amigo, psicólogo ou confidente, buscando conselhos e conforto em um algoritmo. Embora a tecnologia facilite a conexão, ela também pode nos isolar em uma bolha de feedback programado. É por isso que é mais importante do que nunca encontrar espaços onde você se reconheça, veja pessoas que passaram pelo mesmo que você, que podem te ajudar ou receber a sua ajuda, que têm um mesmo propósito.

Nesses espaços, você vai ter trocas reais, não vai ouvir apenas o que quer (o que a IA é programada para fazer). As comunidades oferecem a fricção necessária para o crescimento, o confronto saudável e a diversidade de perspectivas que nos tiram da zona de conforto. 

Lembro-me de assumir meu primeiro posto de liderança como head de comunidades. Desenvolvi essa área do zero, impulsionada pela convicção de que o aprendizado e o crescimento profissional na tecnologia jamais poderiam ser um caminho solitário. É essa filosofia que nos levou a construir a maior comunidade de desenvolvedores da América Latina, com mais de 250 mil profissionais. 

O valor insubstituível da conexão humana

A inteligência artificial está transformando indústrias e impulsionando ondas de mudança no mercado de trabalho. Por um lado, vemos uma conexão mais orgânica e acessível das pessoas com a tecnologia, facilitada pela IA. Mas, por outro, testemunhamos a crescente ansiedade daqueles que temem perder seus empregos para a automação, e a solidão daqueles que se contentam com a interação algorítmica. 

É neste paradoxo que a comunidade brilha. A IA pode otimizar e personalizar em escala, mas a comunidade entrega algo insubstituível: a confiança e a realidade da troca humana. Estudos mostram que o fortalecimento das comunidades e a ascensão de narrativas criadas por um coletivo de pessoas podem superar o marketing de influência tradicional. 

Porque, na minha visão, uma comunidade forte é construída sobre três alicerces claros: 

– Aumento da confiabilidade: Em um ambiente de informações em excesso (e muitas vezes falsas), a confiança mútua entre seus integrantes e a curadoria coletiva de conteúdo se tornam vitais. Saber que a dica, o feedback ou o conhecimento vêm de um par, que está passando pelas mesmas dores e desafios, é o que gera engajamento autêntico. 

– Senso de pertencimento: A comunidade oferece um porto seguro, reduzindo as sensações de solidão e insegurança que as rápidas mudanças tecnológicas podem trazer. É o espaço onde as pessoas não se sentem apenas usuários ou números, mas sim membros valiosos de uma “tribo” com um propósito comum. 

– Desenvolvimento colaborativo: O aprendizado não é linear. O modelo de comunidade permite a troca constante de conhecimento, a resolução de problemas em conjunto e o desenvolvimento de novas skills (inclusive as necessárias para trabalhar com a IA) de forma mais ágil e adaptável do que qualquer currículo formal. 

Comunidade é inclusão

Ao conseguirmos construir e manter uma comunidade em pé, um quarto pilar se fortalece. E dele emerge mais um superpoder da comunidade: a inclusão. 

O setor de TI enfrenta o desafio histórico de ser pouco diverso. Um estudo recente do Google Cloud aponta que 29% dos profissionais acreditam que TI é a área menos diversa de suas empresas, e a falta de representatividade afeta grupos como mulheres, pessoas negras e LGBTQIA+. 

É aqui que o papel das comunidades se torna ainda mais vital, estimulando derrubada de barreiras de acesso, aumentando a representatividade e o acolhimento e combatendo vieses:

– Comunidades atuam como pontes e niveladoras de oportunidades. Elas democratizam o acesso ao conhecimento, oferecendo recursos, mentorias e suporte prático, muitas vezes de forma gratuita, para quem não tem condições de investir naquele momento. 

– Ao promover e dar voz grupos sub-representados, como ainda são as mulheres na tecnologia, elas constroem modelos positivos e mostram que “é possível”. Fazer parte de um grupo onde você não é a única, onde as dores são compartilhadas e o acolhimento é regra, é fundamental para o desenvolvimento e projeção desses talentos. 

E, além de todos esses ganhos, equipes diversas criam produtos melhores, porque compreendem uma base de usuários diversa. O ambiente comunitário, por sua natureza plural, confronta vieses inconscientes e fomenta uma cultura de respeito e diálogo aberto, ensinando na prática a importância de diferentes perspectivas para a inovação. Isso vai além de qualquer prompt.