Capacitismo não é opinião, é gestão
Inclusão não é sobre abrir portas, mas sobre deixar que as pessoas entrem e se sintam em casa exatamente como são

(Crédito: Shutterstock)
Muitas vezes, o comportamento das pessoas com deficiência no ambiente de trabalho é interpretado de forma equivocada. Há quem veja timidez, retraimento, agressividade ou até falta de iniciativa. Poucos percebem que, por trás desse comportamento, existe uma herança emocional opressora, herdada do capacitismo estrutural, que molda a forma como nós, pessoas com deficiência, fomos e ainda somos tratadas desde muito antes de chegarmos ao mercado de trabalho.
De acordo com a pesquisa “Radar da Inclusão: mapeando a empregabilidade de Pessoas com Deficiência e/ou Neurodivergentes”, realizada em 2024, 84% dos profissionais com deficiência afirmaram ter sua saúde mental afetada por ações capacitistas no ambiente corporativo. Entre os relatos mais frequentes estão comentários ofensivos (75%), discriminação por superiores (64%), desqualificação (51%) e falta de promoção (49%). Dessas pessoas, apenas 35% relataram os episódios à empresa. Dentre os que não denunciaram, os principais motivos foram medo de retaliação ou demissão (38%) e descrença de que algo mudaria (29%).
Além disso, outras ações impactam diariamente a saúde mental das pessoas com deficiência, como a estagnação na carreira, nos salários, na falta de acesso a treinamentos e eventos da empresa promovidos para as demais pessoas colaboradoras.
A pesquisa é um verdadeiro chá revelação sobre os impactos do capacitismo estrutural na saúde das pessoas com deficiência. Como se manter produtivo, motivado, engajado, saudável, diante de achados trazidos pela pesquisa, como esses a seguir: 9 em cada 10 pessoas com deficiência e/ou neurodivergentes entrevistadas que estão ativamente na força de trabalho já enfrentaram situações de capacitismo no ambiente profissional; 63% nunca receberam uma promoção, embora metade das pessoas respondentes empregadas tivessem mais de três anos de empresa; 33% dos respondentes que estavam na força de trabalho afirmam que seu ambiente de trabalho na ocasião não era adequado às suas necessidades.
Por gerações, aprendemos, mesmo sem perceber, que a deficiência era algo a ser corrigido, escondido ou superado. Esse pensamento se infiltrou nas relações de trabalho, nas políticas das empresas, nas entrelinhas dos discursos e até nos olhares que medem o que é “produtivo”, “eficiente” ou “adequado”.
A verdade é que as pessoas com deficiência carregam uma herança emocional construída na exclusão. Quando chegamos ao mundo corporativo, chegam também as marcas de uma sociedade que duvida da gente o tempo todo. O medo de errar é maior, o desejo de provar competência é constante e, muitas vezes, a insegurança ganha dos nossos talentos, da nossa expectativa.
É injusto esperar que as pessoas com deficiência transformem sozinhas uma estrutura que nos invisibiliza há tanto tempo. É preciso fazer isso junto. Empresas inclusivas se constroem com intencionalidade e com relações verdadeiras. Reconhecem que há falhas profundas no relacionamento entre as empresas e as pessoas com deficiência e agem para corrigi-las antes de criticar, excluir, demitir ou pior: esperar que a pessoa com deficiência desista e peça a demissão.
As organizações ainda confundem inclusão com cumprimento de cota, e contratam sem entender as necessidades de cada pessoa com deficiência para que possam cumprir suas tarefas com excelência. Criam políticas sem convivência. Falam sobre diversidade, mas não se perguntam se as pessoas com deficiência se sentem realmente pertencentes.
A inclusão de verdade é acolhedora. Combater o capacitismo exige coragem para rever crenças. Exige que líderes admitam que, por mais bem intencionados que sejam, foram educados em uma lógica excludente. Reconhecer que diversidade, equidade e inclusão não são uma meta numérica, mas um processo de transformação humana.
O ambiente de trabalho deveria ser um lugar de desenvolvimento e pertencimento, mas para muitas pessoas com deficiência ainda é um território de resistência. Elas resistem à falta de acessibilidade, resistem à dúvida constante sobre sua competência, resistem ao olhar que reduz a deficiência a uma limitação.
Proponho uma nova reflexão: pessoas com deficiência e empresas têm papéis complementares: enquanto as pessoas com deficiência se preparam profissionalmente, reinventando-se e buscando seus espaços, as empresas precisam estar prontas para acolher, desenvolver, valorizar e conviver com todas as formas de ser e de existir.
Inclusão não é apontar culpados. É assumir responsabilidades. As empresas precisam se perguntar: estamos prontos para ouvir as dores que ajudamos a causar? Temos coragem de admitir que a inclusão que pregamos ainda não é plena? Exige também que as pessoas com deficiência sejam percebidas como agentes de mudança, não como beneficiários de um favor corporativo.
Os bons frutos a colher dessa mudança de atitude é que, aos poucos, as pessoas com deficiência possam participar mais, não para se defender, mas para pertencer ao mundo do trabalho. Porque inclusão não é sobre somente abrir portas, mas sobre deixar que as pessoas entrem e se sintam em casa, exatamente como são.