Opinião

Criar autoridade sem propósito é falar apenas com algoritmos

A IA pode (e deve) orientar o branding, mas ainda é nossa responsabilidade garantir que ela amplifique, e não substitua, o que torna uma marca única

Helena Prado

Presidente executiva da Pine 5 de novembro de 2025 - 8h31

(Crédito: Shutterstock)

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A construção de marca sempre pendulou entre a intuição criativa e a validação quantitativa. Com a inteligência artificial, inauguramos as possibilidades de uma terceira via. Não que essas tecnologias, que se democratizaram nos últimos anos, venham substituir qualquer um dos dois polos anteriores, mas sim porque elas permitem revelar padrões que conectam dados, sentimento e comportamento em tempo real. Ou seja: promovem a união entre o que já foi visto como inconciliável.

O verdadeiro potencial da IA no branding vai muito além de gerar conteúdos ou otimizar campanhas. Essa é a ponta mais visível, mas está longe de ser a mais efetiva.

O poder real se concentra exatamente na capacidade de descoberta de novos caminhos para as definições estratégicas. Ferramentas de análise semântica e clustering de temas, por exemplo, permitem identificar quais atributos realmente ressoam com o público e quais apenas ocupam espaço, drenando recursos financeiros e humanos. Isso significa que as equipes de comunicação deixam de simplesmente “traduzir” uma identidade predefinida e passam a calibrá-la continuamente, usando a IA como radar de percepção pública.

Na prática, a personalização, que sempre foi tão recomendada, agora é uma possibilidade real. As IAs permitem cruzar comportamento, sentimento e intenção para adaptar narrativas. Claro que isso não vem sem um paradoxo, afinal o equilíbrio entre personalizar e fragilizar a identidade é tênue. Se consistência de marca é o que permite uma imagem permanecer relevante por gerações, não podemos correr o risco de personalizar a tal ponto que fique difícil decifrar quem emite a comunicação. 

O caminho, então, é reforçar uma espécie de “centro de gravidade” do posicionamento: aquilo que a marca representa fundamentalmente, ou seja: seu propósito, sua cultura e seus valores imutáveis. Esse núcleo deve permanecer inabalável, por mais que as narrativas se expandam e se moldem de acordo com o contexto.

Só a partir da identificação desse núcleo e como adaptá-lo aos perfis de cada fatia do público é que se entra na seara mais tática, das variações de linguagem, priorizações de canais e ajustes de tons de voz. É o que equipes de PR e branding mais avançadas já fazem, com o uso de IA para identificar temas emergentes, antecipar crises e fortalecer posicionamentos de marca. E mesmo nessas situações, a última palavra segue sendo humana. A tecnologia identifica padrões, mas o julgamento ético e sensível segue uma exclusividade do profissional e o elemento definidor do que é relevante, coerente e alinhado à essência da marca.

Esquecer disso é onde mora o risco real. Temos visto o resultado de marcas que delegam demais à IA. Por mais que haja algum ganho de eficiência e velocidade de produção, o que elas levam ao público são mensagens indistintas, sem autenticidade nem diferenciação, como o caso já clássico da campanha da Toys’R’Us, inteiramente criada por IA. E o impacto vai além da comunicação, gerando comprometimentos à reputação, à confiança e ao vínculo emocional com os clientes. Não porque o algoritmo seja ruim, mas porque dispensaram o pensamento crítico.

Autoridade digital não nasce de prompts isolados. Nasce de repertório, experiência acumulada e julgamento original sobre o que dizer e, crucialmente, sobre o que silenciar. Isso exige novas competências: dominar dashboards, interpretar sinais de autoridade digital, estruturar conteúdos que funcionem tanto para humanos quanto para sistemas de IA e, principalmente, desenvolver lideranças capazes de garantir que essas tecnologias amplifiquem valores e não apenas performance.

O ganho está em transformar dados em narrativas com propósito, não em produzir platitudes genéricas para alimentar algoritmos. O que verdadeiramente diferencia uma marca não é a sofisticação de suas ferramentas de IA, mas a clareza de seu propósito e a capacidade de transformar tecnologia em valor genuíno.

Marcas que conseguirem integrar tecnologia e intuição, eficiência e empatia, serão aquelas que construirão relevância duradoura, visível tanto nos indicadores quantitativos quanto nas lembranças de seus públicos. A inteligência artificial pode (e deve) orientar o branding. Mas continua sendo nossa responsabilidade garantir que ela amplifique, e não substitua, aquilo que torna uma marca única.