A estratégia por trás da licença para cuidadores da Merck
Franciele Ropelato, diretora de RH da Merck Brasil, discute novo programa Momentos que Importam

Franciele Ropelato, diretora de RH da Merck (Crédito: Divulgação)
A economia do cuidado equivale a um esforço que representa 11% do PIB, segundo estudo do Think Olga. No mundo, os números seguem impressionantes. Mulheres e meninas globalmente dedicam 12,5 bilhões de horas, todos os dias, ao trabalho de cuidado não remunerado, uma contribuição de pelo menos US$10,8 trilhões por ano à economia global, de acordo com o estudo “Tempo de Cuidar”, da Oxfam. Ainda segundo a mesma pesquisa, no Brasil, 90% do trabalho de cuidado é realizado pelas famílias e, destes, 85% são feitos por mulheres.
Ainda vivemos numa realidade que não reconhece o trabalho de cuidado, que muitas vezes recai sobre as mulheres e adiciona desafios para a carreira profissional já repleta de obstáculos. Com o avançar do debate sobre a economia do cuidado, já é possível identificar algumas iniciativas que buscam equilibrar esta balança. Uma delas é o programa “Momentos que Importam”, da Merck no Brasil.
Trata-se de um benefício global da empresa que acabou de chegar no País. A política corporativa assegura aos colaboradores licenças remuneradas para momentos que podem exigir dedicação integral, como cuidar de familiares com doenças graves ou terminais, períodos de luto, ou durante projetos de ampliação familiar e situações marcantes como casamento e aniversário. A licença oferece 10 dias anualmente que podem ser aproveitados de forma integral ou fracionada.
Para falar sobre este benefício, conversamos com a Franciele Ropelato, diretora de recursos humanos da Merck Brasil, para entender como a política se conecta com a estratégia de negócio da empresa e quais os impactos que ela traz para a cultura organizacional.
M&M — Como surgiu o programa “Momentos que Importam”?
Franciele Ropelato — Na verdade, isso começou na Merck global, com um movimento chamado “Embracing Carers”. Ele foi lançado pela nossa presidente, a Belén Garijo, e desde então a empresa vem trabalhando para implementar essa iniciativa e trazer para a linha de frente os cuidadores, que são pessoas muito importantes, mas que muitas vezes ficam nos bastidores. Isso tem tudo a ver com a nossa visão de “helper”, que visa cuidar dos pacientes no dia a dia.
Segundo nossas pesquisas, entre 5 a 20% dos colaboradores de uma empresa são cuidadores. Então, se essa porcentagem dos nossos colaboradores são cuidadores, o que estamos fazendo por eles? Que estrutura e suporte estamos oferecendo? A motivação desse movimento surge exatamente daí. Não adianta ter uma visão bonita, falar sobre isso para fora e não viver dentro de casa. Então, a ideia foi realmente viver esse princípio, que é um dos nossos pilares, e cuidar do bem-estar dos colaboradores, oferecendo um suporte diferenciado no momento em que eles mais precisam.
M&M — Do ponto de vista da liderança, como este programa se conecta ao propósito e à estratégia de negócios de longo prazo da Merck?
Franciele — Dentro dessa mesma visão que já comentei, de primeiro viver e cuidar dentro de casa, mas também olharmos para a construção de uma cultura de cuidado no longo prazo. Isso significa pensar em como queremos que os nossos colaboradores se sintam: que tenham equilíbrio, que se sintam cuidados e que também tenham um olhar de carreira e bem-estar a longo prazo.
O bem-estar das pessoas, para nós, faz parte da estratégia de longo prazo. A gente sabe que, se as pessoas estão bem, se elas se sentem cuidadas, engajadas e motivadas, elas ficam mais predispostas a cuidar também, cuidando dos pacientes e de tudo aquilo que está ligado à nossa visão e ao nosso propósito.
M&M — Como a Merck enxerga o retorno desse investimento? A empresa acredita que iniciativas como esta serão um diferencial crucial para atrair e reter talentos no futuro?
Franciele — Existem várias formas de perceber o retorno dos investimentos. Todos os nossos benefícios e o olhar sobre o cuidado está conectado ao engajamento dos colaboradores. Temos, por exemplo, o benefício de fertilidade, que é uma diferenciação nossa em comparação com outras empresas do país, já que poucas oferecem. A empresa cobre tratamentos de inseminação, congelamento de óvulos, tanto para infertilidade feminina quanto masculina, e está disponível para os funcionários desde o primeiro dia de empresa, incluindo cônjuges e casais homoafetivos. Falo disso com bastante emoção porque estou grávida, fruto desse benefício. Eu e meu esposo já tínhamos desistido, como a maioria desiste no terceiro ciclo, de tão cansativo que era. Quando a Merck lançou o programa, pensei: “Não vou conseguir colocar a cabeça no travesseiro sem tentar”. Na segunda tentativa deu certo, e o Pedro já está aqui comigo há quase oito meses.
Outro benefício incrível é a licença-paternidade estendida. Pela CLT são cinco dias, e pelas empresas cidadãs, 20. Nós concedemos 60 dias. Isso significa que a Merck investe 40 dias do próprio bolso, independentemente do cargo ou tempo de casa. Fazemos isso porque entendemos a importância de o pai estar presente nesse momento, construindo vínculo com o recém-nascido. Esses exemplos mostram como tudo está interligado. No fim, o que construímos é uma cultura de cuidado de dentro para fora. Como somos uma empresa de saúde, precisamos primeiro ser cuidados para, depois, cuidar.
M&M — Como a Merck vai medir o sucesso deste programa? Os indicadores serão baseados apenas na adesão ou também em pesquisas de clima, redução de turnover ou outros dados qualitativos?
Franciele — A gente mede de várias formas. Olhamos retenção de talentos, engajamento, atratividade e também a própria adesão aos benefícios. Além disso, queremos que isso também influencie o mercado, mostrando que cuidar bem das pessoas a longo prazo gera frutos: colaboradores engajados, motivados e que estão constantemente aprendendo e transformando a organização. Isso reduz a rotatividade e facilita a busca por talentos, permitindo que a empresa caminhe de forma mais alinhada.
M&M — Um dos grandes desafios para a equidade de gênero é a baixa taxa de participação dos homens no trabalho de cuidado. Como a Merck comunica e incentiva ativamente que os colaboradores homens se sintam legitimados e encorajados a utilizar esse benefício sem estigma?
Franciele — O exemplo da licença-paternidade é muito forte nesse sentido. Na companhia, vem de cima para baixo: não adianta oferecer o benefício se quem está em cargos mais altos não o utilizar. Tivemos um caso clássico de um diretor que estava na empresa há pouco tempo. Quando contou que ia ter um filho, nós o encorajamos, e ele aproveitou os 60 dias de licença. Ele trouxe uma experiência incrível, mostrando como foi importante apoiar a esposa durante a cesariana e cuidar do filho. Isso demonstra que a política é para todos e que ninguém é insubstituível, é possível delegar e a empresa continua funcionando.
Outro exemplo é o Bruno, gerente de produto. Na primeira licença-paternidade, estava prestes a lançar uma nova formulação de medicamento, um momento crítico. Ele veio falar comigo preocupado sobre sair nesse período. Eu disse: “Bruno, organize tudo que puder, deixe as informações, fique disponível se precisarem de algo, mas a companhia vai continuar. Agora, teu filho terá apenas uma vez esse momento inicial, é uma oportunidade única de criar vínculo”. Quando voltou, agradeceu e disse que minhas palavras realmente ecoaram nele. Esses exemplos reais mostram como a licença-paternidade estendida é vivida e difundida dentro da companhia, garantindo segurança psicológica para que todos aproveitem o que oferecemos.
M&M — Como a empresa garante que um colaborador, sobretudo as mulheres, que precise usar esse benefício múltiplas vezes não será penalizado implicitamente em avaliações de desempenho, promoções ou em projetos de alta visibilidade?
Franciele — Acho que tudo parte da conscientização. Temos seis grupos de diversidade que trabalham em diversas frentes, mas o foco é conscientizar e reforçar que todos nós somos membros de uma família, com responsabilidades compartilhadas e contribuição coletiva. Por que sempre a mulher precisa levar os filhos ao médico ou à escola? Isso é responsabilidade da família, e deve ser distribuída. Para apoiar isso, temos práticas como horário flexível e trabalho híbrido, que beneficiam tanto mulheres quanto homens, independentemente da composição familiar.
M&M — Além de oferecer o benefício internamente, como a Merck pretende usar sua voz e influência para levantar o debate e incentivar outras empresas, inclusive de outros setores, a seguir o mesmo caminho?
Franciele — Precisamos nos posicionar como referência e pioneirismo nesse tema. Somos uma empresa com mais de 350 anos, e ao longo desse tempo aprendemos muito. Por isso, queremos influenciar o mercado sobre a importância do cuidado e de construir uma cultura que reconheça aqueles que muitas vezes ficam nos bastidores: os cuidadores. Aqui, por exemplo, com a política “Momentos que Importam”, se um colaborador tiver um familiar que sofreu um AVC, está com uma doença grave ou terminal, ele sabe que tem 10 dias para dar suporte. Esses dias podem ser usados de forma fracionada, se necessário. O mesmo vale para momentos especiais, como casamento, adoção ou processos de luto. A ideia é mostrar que todos nós temos diversos papéis: profissional, pessoal, de filho, pai, mãe, sogro, cunhado, e que vivenciamos diferentes situações, de saúde, alegria ou desafios. Com esse olhar integral, oferecendo benefícios e oportunidades de cuidado, as pessoas se sentem mais tranquilas para também cuidar dos outros.