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Lily Zheng: “Os programas de DEI têm sido ineficazes”

Consultura e estrategista em diversidade e inclusão apresenta o conceito FAIR, nova abordagem que pode ampliar e redefinir a agenda

i 2 de outubro de 2025 - 8h32

Por Dimalice Nunes

(Crédito: Divulgação)

Lily Zheng, consultora e estrategista em DEI (Crédito: Divulgação)

Mesmo diante do retrocesso visto em alguns contextos, especialmente nos Estados Unidos, diversidade, equidade e inclusão entraram, definitivamente, para o vocabulário corporativo. Há, no entanto, um desafio concreto: como avançar para além de cartilhas, cotas e ações de marketing?

O segundo capítulo desta agenda pode estar em uma nova sigla, FAIR — fairness, access, inclusion, and representation ou justiça, acesso, inclusão e representação, em português. O termo foi anunciado recentemente por Lily Zheng, consultora e estrategista em DEI, no artigo “O que vem depois do DEI”, publicado pelo periódico Harvard Business Review. Para Lily, uma nova estrutura construída em torno da FAIR pode ter o sucesso onde a DEI falhou.

Meio & Mensagem — Por que você defende que a atual agenda de DEI não conseguiu gerar mudanças concretas?

Lily Zheng — O compromisso de muitos empregadores com a agenda DEI levou a programas superficiais em vez de, realmente, mudar os negócios em sua essência. Ao invés de corrigir a discriminação na contratação, garantir promoções justas ou reprimir comportamentos abusivos, os líderes optaram por sinalizar seu compromisso por meio de palestras motivacionais e treinamentos pontuais que não alteraram o status quo. No processo, muitos empregadores perderam a confiança dos trabalhadores, que esperavam melhora nas condições de trabalho, e se expuseram a reações contrárias à DEI.

M&M — Em artigo na Harvard Business Review, você propõe o modelo FAIR como alternativa à DEI. O que a motivou a criá-lo?

Lily — Os objetivos de diversidade, equidade e inclusão são amplamente populares, com 82% dos norte-americanos acreditando no valor de uma sociedade mais diversa. No entanto, a sigla DEI tem sido manchada por ataques implacáveis de extremistas de direita e os programas de DEI nos locais de trabalho têm sido ineficazes em gerar mudanças concretas. Criei o modelo FAIR porque os trabalhadores, em todos os lugares, merecem uma terceira opção que não seja redobrar a ineficiência ou jogar fora o bebê com a água do banho

M&M — Em termos práticos, o que significa promover o FAIR dentro de uma empresa? Quais são os exemplos de aplicação dessa ideia?

Lily — A novidade do FAIR é que não se trata de uma ideologia a ser promovida, mas de resultados a serem alcançados. Um exemplo de como alcançar a Justiça seria realizar análise de equidade salarial, identificando disparidades e pagando retroativamente os indivíduos afetados. Do Acesso de FAIR, seria criar uma etapa no início de cada ciclo de design de produto na qual os usuários — especialmente mulheres, pessoas com deficiência e outros grupos sub-representados —, pudessem oferecer feedbacks como parte do processo. Para chegar à Inclusão, poderíamos implementar e manter normas que desencorajem interrupções e mantenham linguagem respeitosa nas reuniões profissionais. Em Representatividade, um exemplo seria um líder se comunicar regularmente com os trabalhadores de diferentes origens para manter a confiança e agir prontamente às suas preocupações.

M&M — Quais são os erros mais comuns que as empresas cometem ao tentar implementar práticas de DEI?

Lily — Os dois erros mais comuns estão relacionados. O primeiro é que as empresas não conseguem entender quais problemas querem resolver antes de tentar implementar uma solução. O segundo é que as empresas não conseguem mensurar o impacto da solução escolhida. Ambos os erros aumentam o risco de as empresas investirem tempo, energia e confiança na busca e manutenção de iniciativas que não funcionam, além de correrem o risco de reações ou consequências negativas, ainda que não intencionais.

M&M — O modelo FAIR parece sugerir uma mudança de mentalidade: menos intenção e mais resultados. Como as empresas podem mensurar o progresso sem cair na armadilha do marketing de diversidade?

Lily — As empresas têm sofrido com a falta de imaginação ao considerar os resultados que estão buscando. A maioria enxerga o sucesso como verificação de critérios demográficos: se há X mulheres, Y negros ou Z pessoas com deficiência, o esforço de diversidade foi bem-sucedido. Isso as leva diretamente para a armadilha do que chamamos de “marketing de diversidade”, um exercício de verificação de critérios que não resolve, de fato, os problemas, ou reflete as necessidades das comunidades. As empresas deveriam pensar de forma mais criativa sobre outros indicadores de sucesso. Por exemplo, em relação ao recrutamento e seleção: qual a porcentagem de homens, em comparação com a de mulheres, passam por cada etapa e por quê? Qual a qualidade da experiência de contratação dos candidatos se eles têm ou não alguma deficiência? Como a raça afeta a probabilidade de as pessoas se candidatarem a uma vaga? Identificar esse tipo de métrica permite que as empresas avaliem melhor seu progresso na agenda de inclusão.

M&M — O modelo FAIR defende que as mudanças estruturais devem beneficiar toda a organização, e não apenas grupos sub-representados. Por quê?

Lily — Quando as pessoas não se veem refletidas em uma iniciativa, podem ficar preocupadas com a possibilidade de serem excluídas. Mesmo que isso seja factualmente incorreto, essa percepção é um dos pontos comuns de fracasso nos esforços de DEI. As mudanças organizacionais sugeridas pelo FAIR são quase sempre impulsionadas por insights de grupos historicamente marginalizados, mas, ao focar em como as mudanças beneficiam a todos, podem neutralizar reações negativa antes que aconteçam. Por exemplo: focar em como o trabalho flexível melhora a experiência das mulheres é tecnicamente verdadeiro, mas pode levar ao desengajamento, ou até mesmo ao ressentimento, dos homens. Em vez disso, é possível focar em como essa mesma política de flexibilidade salvaguardará a justiça, empoderando todos os trabalhadores e impulsionando o sucesso empresarial. Assim, todos sentem os benefícios, o que gera adesão ampla desde o início.

M&M — O que você diria aos líderes que acreditam estar fazendo sua parte ao oferecer treinamentos, criar grupos de afinidade ou campanhas sazonais?

Lily — Não há nada de errado em oferecer qualquer ação pontual. Por outro lado, não há garantia de resultados se não for possível medi-lo claramente. Quais problemas quer resolver? Quais resultados quer alcançar? Se não é possível traçar com segurança uma linha entre o que está oferecendo e as respostas a essas perguntas, existe um alto risco de que, apesar das boas intenções, o trabalho não gere o impacto esperado.