Cresce a participação feminina atrás das câmeras no esporte
Três cinegrafistas mulheres que estarão na final da Libertadores comentam sobre os desafios e prazeres de serem as pioneiras no esporte

Rebeca Morais, Franciane Dahm e Tatiana Bueno, repórteres cinematográficas da Globo (Crédito: Arthur Nobre/Globo/Beatriz Damy)
No silêncio antes do apito inicial, a cinegrafista ajusta a câmera no ombro. O estádio inteiro pulsa, mas são seus olhos, firmes e treinados, que vão transformar o que acontece ali em história. É com ansiedade e alegria que Rebeca Morais embarca para Lima, no Peru, pela primeira vez como cinegrafista para cobrir um grande evento esportivo: a final da Libertadores com dois times brasileiros disputando o título, Palmeiras e Flamengo, no sábado, 29 de novembro.
“Estou muito animada. Nunca peguei nada dessa magnitude, e acho que com dois times brasileiros vai ser uma festa enorme”, celebra Rebeca, que acompanhará a repórter esportiva Gabriela Ribeiro. “Ela [Gabriela] me contou que também vai ser a primeira final de Libertadores dela. Então vai ser bem legal porque nós duas vamos descobrir coisas novas”, adiciona a cinegrafista.
Rebeca Morais entrou na Globo em 2022, mas não foi a primeira mulher na posição. A primeira contratação feminina de uma cinegrafista de esporte na emissora foi Tatiana Bueno. Depois dela, vieram mais cinco para completar o time na área, que ainda é predominantemente masculina.
Nos últimos cinco anos, houve um aumento de 500% de cinegrafistas femininas na empresa. Até então, elas quase não existiam no ramo. Alguns ainda estranham mulheres carregando equipamentos tão grandes e pesados quanto as câmeras e tripés, mas, aos poucos, elas estão mostrando que conseguem não apenas carregar o peso, como entregar bons resultados.
Tatiana Bueno começou como cinegrafista em 2008, filmando partos num hospital de São Paulo. Ser a primeira e única mulher não a assustou, afinal, já estava acostumada com a situação, pois fora a única da classe no curso do Senac de operador de câmera. Entrou na Globo em 2021 e foi a primeira mulher da emissora a cobrir um grande evento: as Olimpíadas de Inverno na China, em 2022. Desde então, ela coleciona coberturas: Olimpíadas de Paris, em 2024; Libertadores Feminina, 2025; Copa Mundial de Clubes; e a Seleção Brasileira, como a primeira mulher a filmar o time nacional. Assim como Rebeca, Tatiana estará na cobertura da final da Libertadores em Lima para o SporTV.

Tatiana Bueno, repórter cinematográfica da Globo (Crédito: Arthur Nobre)
Para completar o time de mulheres que embarca para o Peru está Franciane Dahm, outra cinegrafista da leva de seis na equipe de esportes. Desde que entrou na emissora, em 2021, também participou de grandes eventos como as Olimpíadas de Paris, a Copa do Mundo Feminina, na Austrália e na Nova Zelândia, e a Copa Mundial de Clubes. Para ela, as Olimpíadas foi a cobertura mais especial que já fez até agora.
“Era meu sonho de criança conhecer Paris. Apesar de ser cansativo, por ser um evento de muitos dias, estive com uma equipe que fez todo aquele trabalho ser prazeroso. A gente trabalhava das cinco, seis da tarde até às três, quatro da manhã, por conta do fuso horário. Tinha tudo para ser extremamente cansativo, mas eu coloco esse evento como um dos mais importantes para mim”, conta Franciane.
As mulheres atrás das câmeras
O maior desafio de ser uma mulher cinegrafista é ainda o estranhamento. “Às vezes sinto aquele olhar estranho dos outros: ‘Nossa, como você está carregando tudo isso de equipamento?’, ou quando alguém oferece uma ajuda que talvez não ofereceria para um homem”, relata Dahm. “As pessoas ainda não estão acostumadas a ver uma mulher com 10, 12 quilos no ombro”, adiciona.
Tatiana lembra de uma situação quando estava cobrindo os jogos de vôlei nas Olimpíadas de Paris, em que um estrangeiro parou o repórter homem que a acompanhava e o repreendeu por não ajudá-la a carregar o equipamento.
Para Morais, o começou foi um pouco desafiador. “Você chega para fazer uma coletiva com muita, muita gente. Lá na frente está cheio de repórteres, produtores e produtoras, e no fundo tem vários tripés e câmeras enormes, e só homens como cinegrafistas e auxiliares. Então, no começo, pode ser intimidador quando você chega sozinha com seu tripé, sua câmera e precisa achar seu espaço”, relata.

Rebeca Morais, repórter cinematográfica da Globo (Crédito: Arthur Nobre)
A falta de mulheres na posição parece ser uma questão cultural. Tanto empresas quanto as próprias mulheres ainda não se enxergam na posição. “Tem que confiar que dá para as meninas fazerem esse trampo também. As empresas precisam dar esse passo e promover inclusão quando elas entram. Não adianta só contratar”, pontua Rebeca.
Até então, um dos únicos cargos que ainda não tinham mulheres na área de esportes na Globo era de auxiliar de câmera, mas, recentemente, houve a primeira contratação. “Cada vez que entra mais uma mulher, a gente se fortalece. Vivemos de trocas, de apoiar uma à outra, não de competir”, afirma Bueno.
Na experiência das entrevistadas, a Globo é uma das pioneiras em ter um time de mulheres na função. “Outras emissoras já tiveram uma ou outra cinegrafista, mas elas não ficam, não investem nisso. Espero que as outras empresas possam seguir o exemplo da Globo e promover mais diversidade”, continua Tatiana.
No entanto, não basta apenas contratar: a cultura também influencia na permanência e progressão de carreira, principalmente em espaços predominantemente masculinos. “Minha chefia preza muito pela escuta ativa, por cuidar mesmo. Sinto que é uma contratação com suporte, resguardo e cuidado”, complementa Morais.
“Nos ambientes que frequento, seja em estádio de futebol ou coletiva de técnico, percebo que são pouquíssimas mulheres na minha função de repórter cinematográfica. Na frente das câmeras isso já nem é questionado: temos apresentadoras, repórteres, produtoras”, afirma Franciane.
Para ilustrar, Rebeca lembra quando Leila Pereira, presidente do Palmeiras, fez uma coletiva só com mulheres. “Realmente, só tinham mulheres repórteres e produtoras. Mas no fundo da sala, para a parte dos tripés e das câmeras grandes, todos os cinegrafistas eram homens. Então fica esse negócio meio simbólico: na frente da câmera, ok, só mulheres; atrás da câmera, só homens”, relata.
O olhar feminino
Por muito tempo, o esporte foi contado sob a ótica masculina. Agora, as mulheres assumem o comando da câmera para trazer uma nova perspectiva. “A gente tem mais sensibilidade de perceber uma reação, uma atmosfera, um ambiente, ou de notar uma emoção a mais quando estamos gravando a história, por exemplo”, destaca Bueno.
“Acho que pode existir uma diferença porque temos uma sensibilidade maior com o entrevistado em si, com quem você está trocando”, adiciona Morais. “A gente busca trazer um olhar que traga um pouco da emoção, da sensação do momento. Não só fazer uma imagem bonita, mas causar alguma coisa em quem está vendo, trazer um sentimento para a imagem”, complementa Dahm.
Filmando o esporte
Para Franciane, ser cinegrafista no esporte dá a ela a possibilidade de conciliar a prática de sua técnica e colocar sua impressão pessoal no resultado. Diferentemente do jornalismo diário, que preza pela velocidade, o esporte permite que ela seja uma repórter cinegrafista, e não apenas uma operadora de câmera.
“Quando chego para gravar em um lugar, já penso no enquadramento, fecho um pouco a janela, tiro uma planta daqui, coloco ali. Trabalhar no esporte é fazer cinema. É colocar em prática o nosso olhar, aquilo que a gente realmente gosta de fazer”, explica.
Saber a parte técnica é essencial, além de ter o preparo físico para a função. Mas o diferencial mesmo está na atenção aos detalhes, ao ambiente e na sensibilidade para transmitir as emoções da situação, seja um jogo ao vivo, uma coletiva ou uma matéria biográfica.
“Dependendo do tipo de conteúdo que vamos produzir, é muito legal ter uma sensibilidade diferente para contar a história. Às vezes a gente vai falar sobre a vida de algum personagem, e aí é importante entender a história dessa pessoa antes. Saber o que você quer passar com aquela reportagem”, complementa Rebeca.
No campo, o que conta é a precisão. “Qualquer detalhe no esporte importa. É preciso estar atenta às nuances, ao que está acontecendo no campo, ou mesmo fora dele, no torcedor, no técnico, no jogador”, afirma Tatiana.
A partir do momento em que se domina a técnica, está na hora de pensar no toque que fará o material se diferenciar. “Uma vez, uma pessoa me falou que assistiu um VT e percebeu que tinha algo diferente. Ele disse que tinha um olhar sensível, um jeito diferente de mostrar o detalhe da roupa no varal, do jeito que eu mostrei”, conta Dahm.
“Quando vou filmar, gosto de colocar algo no primeiro plano, alguma coisa na frente e filmar por trás, como se eu estivesse espiando, curiosa. Gosto de entregar para quem está assistindo um olhar fora do padrão, sob um ângulo inesperado”, conta Franciane. Já para Tatiana, o foco é na emoção da história. “O mais especial é quando consigo traduzir visualmente o clima, a situação, a energia do momento”, diz.

Franciane Dahm, repórter cinematográfica da Globo (Crédito: Globo/ Beatriz Damy)
Já Rebeca busca trazer o ambiente para complementar o plano principal. “Gosto de ter meu tempo para criar. Ficar um tempo sozinha, só eu e o entrevistado, ou, se for uma matéria em outro lugar, sair e ver o que está acontecendo na cidade, o que tem ao redor. Fico me policiando para não contar a história da pessoa só pela imagem dela. Existem muitas outras coisas que compõem a história dela”, pontua.
“Quando se trata de TV, qualquer segundo importa para uma entrada ao vivo. Então a maior pressão está nessas entregas de horário, quando alguém fala ‘três minutos pro vivo’”, conta Franciane. Na hora da transmissão, é importante pegar a bola rolando, mas o cinegrafista precisa ficar atento a tudo o que acontece ao redor. “É legal você pegar um gol, um detalhe de alguma reação do técnico, um jogador que perdeu um gol ou um pênalti. Isso é bem importante”, complementa Bueno.
“O negócio é estar atenta o tempo inteiro, com o olho na nuca, porque no jogo tudo está acontecendo. Uma imagem que você pegar pode transformar o VT e trazer aquela emoção que eu busco passar, e não só uma imagem bonita de um chute”, complementa Morais.
Mulheres na Libertadores
Nesta Libertadores, Franciane estará com a equipe do Globo Esporte. “Vou fazer todo o pré: entrevistas com o povo, movimento de câmera, corre para cá, corre para lá. Gosto desse agito todo. Depois, na hora que começar o jogo, fico posicionada para as entradas ao vivo”, conta. “Acho que o maior desafio vai ser deixar tudo pronto a tempo, porque vou estar com três apresentadores”, continua.
Já Tatiana estará na cobertura do SporTV. “Vou estar com a apresentadora Mariana Fontes e o comentarista André Loffredo fazendo todo o pré, o durante e o pós”, diz. Ao lado da jornalista Gabriela Ribeiro, Rebeca fará matérias para o Globo Esporte, Esporte Espetacular e para os jornais. “Vai ter muita coletiva, muita entrevista com jogador, com técnico”, conta.
Para este evento, as cinegrafistas já se sentem mais à vontade e acreditam que sua presença está mais naturalizada. “Tanto no jornalismo quanto no esporte, o número de mulheres está crescendo, então acho que todo mundo já está mais habituado”, afirma Bueno.
“Sinto que também posso estar aqui, e não mais aquela estranheza de me sentir intrusa. Antes eu tinha um pouco disso, agora, eu chego e vamos de mãos dadas. Não estou mais pedindo licença. Esse é o meu ambiente também”, reforça Franciane.
Para Tatiana, ser uma das cinegrafistas a abrir as portas para as outras é motivo de orgulho. “Fui a primeira no esporte, praticamente. Agora já somos seis, e estamos indo três pra lá”, conta. “Com a câmera na mão, nossa capacidade não tem gênero. A gente não está aqui para disputar vaga de homem algum, de ninguém. Estamos aqui para ter nosso espaço e poder agregar”, conclui.