Women to Watch

Qual o impacto dos grupos de afinidade racial nas empresas?

Redes de diversidade ampliam a consciência de raça, engajamento, pertencimento e influenciam decisões de negócios e políticas internas

i 28 de novembro de 2025 - 10h47

De acordo com a pesquisa “Panorama da Diversidade nas Organizações”, realizada pela to.gather em parceria com o MIT Sloan Management Review Brasil, 70% das organizações consultadas têm uma estratégia para diversidade, equidade e inclusão (DEI), e 13% iniciaram a construção desse plano de ação em 2024. No pilar de raça, as principais ações de aculturamento promovidas foram comunicação e conteúdos (82%), letramento (75%) e a criação de grupos de afinidade (50%), que têm o objetivo de desenvolver espaços de acolhimento e integração.

“Os grupos de afinidade foram criados para potencializar conexões, despertar senso de pertencimento, oferecer acolhimento, escuta, trocas e, a partir das muitas vivências, construir caminhos que possam tornar o ambiente corporativo mais diverso e inclusivo, além de promover ações ao longo do ano”, afirma Regina Silvestre, gerente sênior de transformação cultural, D&I e comunicação de pessoas da Vivo. O grupo do pilar de raça da empresa, Vivo Afro, responde ao programa Vivo Diversidade, criado em 2018. “Sabemos que em um ambiente diverso e inclusivo as pessoas se sentem seguras para se expressar de maneira genuína e é um espaço de maior criatividade e colaboração”, completa.

Para além de promover o “aquilombamento” entre pessoas negras, que remete à união e ao empoderamento coletivo em busca de força na comunidade e na ancestralidade no ambiente de trabalho, os grupos de afinidade (GA) também são importantes ferramentas para networking, criação de capital social e fortalecimento de laços.

“Muitas pessoas negras, mulheres e pessoas indígenas que entram no mercado de trabalho se sentem muito sozinhas. Esse capital social envolve não só contatos e networking, mas repertório sobre ferramentas e linguagens que você talvez ainda não domine, mas que são essenciais para navegar naquele ambiente”, explica Luana Génot, diretora executiva e fundadora do Instituto Identidades do Brasil.

Luana Genot, diretora executiva e fundadora do Instituto Identidades do Brasil (Crédito: Torquatto)

Luana Génot, diretora executiva e fundadora do Instituto Identidades do Brasil (Crédito: Torquatto)

Outro papel importante dos grupos de afinidade é serem os guardiões da pauta dentro das empresas e conectá-la à estratégia das companhias, para que isso não seja apenas lembrado em datas celebrativas. Dessa forma, a partir das vivências compartilhadas em um ambiente seguro, é possível criar ações afirmativas que respondam às demandas identificadas por essas pessoas.

“No Grupo L’Oréal no Brasil, DEI é um pilar estratégico e central em nossa cultura e em nosso modelo de negócio. Nossas redes de afinidade são catalisadores essenciais dessa estratégia, funcionando como espaços vivos de diálogo, escuta ativa, inclusão e cocriação de ações concretas”, destaca Eduardo Paiva, diretor de diversidade, equidade e inclusão do grupo L’Oréal no Brasil.

“A Rede Afrosou [racial] permite que colaboradores negros compartilhem experiências, desafios e vivências, fortalecendo autoestima, autonomia e desenvolvimento. Em um ambiente corporativo muitas vezes marcado por desigualdades estruturais, esses grupos funcionam como espaços de reconstrução, escuta ativa e apoio coletivo”, continua Eduardo. O grupo nasceu em 2018 junto com a estratégia interseccional de diversidade, equidade e inclusão da organização.

Muito além da identidade

Os grupos de afinidade racial também são importantes espaços de discussões sobre temas que permeiam a presença, retenção e desenvolvimento dos talentos negros. Ali, são abordados assuntos como representatividade na liderança, letramento e capacitação.

“A existência de um grupo de afinidade racial não é sobre criar um espaço para falar de diversidade. É sobre corrigir assimetrias históricas, dar voz a quem foi silenciado e transformar a cultura organizacional em um ambiente onde pessoas negras não precisem negociar sua identidade para pertencer”, reforça Dani Jesus, head de RH da Wieden+Kennedy São Paulo.

“Falar de raça e etnia não é só discutir identidade. É criar condições para que trajetórias sejam observadas, desenvolvidas e promovidas. Esses espaços funcionam como uma lente que revela barreiras, apontam novas perspectivas e transformam experiências solitárias em aprendizado coletivo”, complementa Amanda Santos, líder do grupo W+Black, grupo de afinidade racial da Wieden+Kennedy São Paulo.

Dani Jesus, head de RH da Wieden+Kennedy SP (Crédito: Divulgação)

Dani Jesus, head de RH da Wieden+Kennedy São Paulo (Crédito: Divulgação)

No Itaú, o principal objetivo do grupo Blacks at Itaú é promover reflexão e aprendizado sobre equidade racial. “Buscamos fomentar o letramento racial, reduzir vieses, ampliar a compreensão sobre equidade e identificar aprendizados e oportunidades de evolução para o tema”, diz Tatyana Montenegro, diretora de recursos humanos do Itaú Unibanco. A rede foi criada em 2017 com a assinatura da Carta de Compromisso com a Diversidade do banco.

Em geral, esses coletivos são formados por voluntários, como num voluntariado corporativo, que se associam com as pautas de maneira identitária. São estruturados por uma liderança, um co-líder, membros e, em alguns casos, um patrocinador da alta liderança.

Raquel Silva, gerente regional de merchandising da Danone Brasil, explica como funciona a rede na empresa: “O grupo Além da Pele é formado por nove integrantes, entre líder, co-líder e participantes. Além disso, contamos com a participação de um importante aliado, nosso patrocinador, membro da alta liderança, o vice-presidente de marketing, Marcelo Bronze”.

Raquel Silva, gerente regional de merchandising da Danone Brasil (Crédito: Divulgação)

Raquel Silva, gerente regional de merchandising da Danone Brasil (Crédito: Divulgação)

No caso da Vivo, também existe uma divisão regional. Na empresa, os GAs são formados por quatro líderes voluntários (três colaboradores eleitos pelos membros do grupo em votação livre e um indicado pela área de diversidade). “Para ampliar ainda mais a atuação desses grupos, fizemos uma expansão para as regionais, que passa a contar com um líder e vice-líder em cada uma das nossas 7 regionais. Desta maneira, além dos 4 líderes de GA, há ainda mais 14 líderes de células regionais. A ideia das células locais é garantir capilaridade para a frente de diversidade”, conta Regina Silvestre.

Já na W+K, existe uma divisão dentro do grupo que divide os membros entre as pessoas negras que definem prioridades, ações e direcionamentos; os aliados, que são os colaboradores não negros que apoiam a rede, se educam, operacionalizam ações e ampliam as discussões; e um patrocínio executivo, ou seja, lideranças seniores que garantem respaldo, recursos, visibilidade e integração com estratégia de negócio.

Agenda, ações e atividades

Uma das principais ações promovidas por essas redes é o letramento em raça. “Serve para ampliar o repertório das pessoas sobre seus direitos, a história do país e contextos históricos pelo mundo, além de mostrar como as empresas se inserem nesse cenário e como podemos nos articular para desbloquear oportunidades, inclusive para as próprias companhias”, explica Luana Génot.

Na WMcCann, Denise Vieira, HR business partner de pessoas, cultura e D&I, destaca alguns dos assuntos desses letramentos: “Os principais temas tratam de racismo, discriminação e dos caminhos para ampliar a inclusão e o desenvolvimento de colaboradores negros na agência”.

Na Vivo, a rede se reúne regularmente para diferentes atividades: “Além dos encontros mensais, o grupo realiza oficinas de clube de leitura, workshops de desenvolvimento de habilidades, divulgação das ações internas de diversidade e do time de desenvolvimento, parcerias com áreas internas como saúde e bem-estar para a promoção de palestras e ações internacionais com outros GAs”, conta Regina.

Regina Silvestre, gerente sr. de transformação cultural, D&I e comunicação de pessoas da Vivo (Crédito: Divulgação)

Regina Silvestre, gerente senior de transformação cultural, D&I e comunicação de pessoas da Vivo (Crédito: Divulgação)

Já na L’Oréal, o Afrosou realiza outras ações como rodas de conversa, mentorias, campanhas educativas e participação ativa em datas simbólicas. Neste Novembro Negro, por exemplo, ao apoiar o festival Batekoo, o grupo no Brasil levou a equipe. Além disso, a rede também tem um papel consultivo nos negócios da empresa. “O grupo atua como um conselho consultivo plural, que já apoiou mais de 10 desenvolvimentos de campanha, produtos e desenhou decisões estratégicas para a companhia”, destaca Eduardo.

Na Publicis, o GA de raça, Power, reúne apenas membros negros, e cada um tem uma responsabilidade. A rede também promove rodas de conversas, “O Café com Power”, que são encontros periódicos para discutir temas profissionais, financeiros e pessoais. “Também realizamos atividades em datas simbólicas, como Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha e Dia da Consciência Negra, incluindo rodas de conversa e participação em eventos externos, como a Caminhada da Consciência”, diz Rejane Romano, diretora de ESG do Publicis Groupe Brasil.

ejane Romano, diretora de ESG do Publicis Groupe Brasil (Crédito: Divulgação)

Rejane Romano, diretora de ESG do Publicis Groupe Brasil (Crédito: Divulgação)

Outra atividade importante e comum entre os grupos de afinidades são as capacitações. A Danone tem uma parceria com a ONG Mover (Movimento pela Equidade Racial), que, desde 2022, promove programas de aceleração de carreira, mentorias e curso de idiomas. “Também temos o Raízes, criado em 2023 para acelerar a carreira de pessoas negras. É voltado para talentos em cargos de analista sênior e especialista, com formação em temas sobre negócio, soft e hard skills, além de letramento racial e desenvolvimento de autoconsciência”, explica Raquel.

Desafios

Na análise de Luana Génot, um dos principais desafios desses grupos é a falta de investimentos e recursos. “Os grupos de afinidades são uma iniciativa muito válida, mas não podem ser os únicos responsáveis por tracionar essa pauta na empresa. E, para tudo isso, precisamos de dinheiro. É necessário entender quanto esse grupo tem e quanto a empresa está disposta a investir nessa pauta, porque não dá para mudar estrutura sem estrutura”, avalia a especialista.

Outro grande desafio é a própria formação desses grupos, que se apoia no voluntariado. Para Génot, uma estratégia que as empresas podem aplicar é a bonificação. “Ou seja, se você participa desse grupo, você pode receber bonificação, participação nos lucros, folgas, brindes, elementos que ajudam a estimular o grupo e evitar que ele desanime ao lidar com causas estruturais que são pesadas, além do trabalho que cada um já tem de entregar.”

“Costumo dizer que o grupo de afinidades, apesar de ser uma ação que em geral nasce no RH, não pode ser apenas uma pauta da área”, continua a executiva. “Muitas vezes essa iniciativa não é vista pelos C-levels como estratégica. É tratada como um grupo de pessoas que se voluntariam, quase como um coletivo de corrida. Isso não é estratégico para a empresa.” Segundo Génot, quando o GA é entendido como algo estrutural e estruturante, há muitos benefícios para a organização, porque é justamente desses grupos que podem surgir muitas formas de inovação para o negócio.

Por isso, a especialista defende o patrocínio da alta liderança como uma forma de engajamento dos líderes, a fim de que o tema seja priorizado e receba recursos. “A alta liderança apoia, valida e participa das ações propostas pelo grupo, reforçando seu compromisso com a pauta racial. Esse engajamento é fundamental, pois amplia a legitimidade das iniciativas e incentiva a participação ativa das equipes”, complementa Denise, da WMcCann.

Denise Vieira, HR business partner de pessoas, cultura e D&I da WMcCANN (Crédito: Divulgação)

Denise Vieira, HR business partner de pessoas, cultura e D&I da WMcCann (Crédito: Divulgação)

“O apoio da liderança é essencial e se materializa na destinação de orçamento para iniciativas do grupo e em reuniões quinzenais com o Chief Talent Officer, garantindo alinhamento estratégico e visibilidade das ações”, adiciona Rejane, da Publicis.

Na AlmapBBDO, os líderes do comitê realizam reuniões quinzenais para levar as pautas, demandas e percepções para a alta liderança. “Quando os líderes estão junto, a agenda não fica só no discurso, ela ganha espaço, prioridade e vira movimento real na agência. Esse engajamento dá força, visibilidade e continuidade para o que estamos construindo”, pontua Luana Castro, analista de pessoas & cultura, co-líder do comitê de DE&I e representante do grupo de afinidade racial na AlmapBBDO.

Conforme destaca a líder do GA de raça da agência, é preciso afastar a ideia de que esses grupos servem para separar. “Ele existe para fortalecer nossa voz, orientar nosso desenvolvimento e garantir que a pauta racial seja tratada com responsabilidade, cuidado e respeito na agência”, reforça Castro. “Os principais desafios que a gente discute no grupo são representatividade em cargos de liderança e como fortalecer uma cultura mais inclusiva”, continua.

Luana Castro, analista de pessoas & cultura, co-líder do comitê de DE&I e representante do grupo de afinidade racial na AlmapBBDO (Crédito: Divulgação)

Luana Castro, analista de pessoas & cultura, co-líder do comitê de DE&I e representante do grupo de afinidade racial na AlmapBBDO (Crédito: Divulgação)

Impactos e indicadores de sucesso

“O Vivo Afro é um espaço de aquilombamento corporativo onde os colaboradores se conectam com pessoas que têm histórias parecidas com as que vivenciam. Isto combate a solidão corporativa, amplia o networking e as referências profissionais”, destaca Regina Silvestre.

No Itaú, o impacto dos GA é medido de forma qualitativa pela transformação cultural na empresa. “Na ampliação do letramento racial, no fortalecimento do senso de pertencimento e na promoção de um ambiente de respeito mútuo. Esses avanços se refletem em percepções mais positivas nas pesquisas internas e na consolidação de práticas inclusivas ao longo do tempo”, diz Tatyana.

Tatyana Montenegro, diretora de recursos humanos do Itaú Unibanco (Crédito: Divulgação)

Tatyana Montenegro, diretora de recursos humanos do Itaú Unibanco (Crédito: Divulgação)

De acordo com a pesquisa “Panorama da Diversidade nas Organizações 2025”, as métricas mais usadas pelas organizações para medir a efetividade das estratégias de diversidade são dados de representatividade, taxa de contratação de grupos diversos, participação em letramentos, índice de promoção de talentos diversos, equidade salarial, retenção de talentos e desligamentos.

Na WMcCann, o sucesso do grupo de afinidade é avaliado da seguinte forma: aumento do engajamento interno, ampliação da participação de colaboradores negros em iniciativas estratégicas e fortalecimento da cultura de inclusão. “A equipe já contribuiu para maior visibilidade das pautas raciais, aprimoramento de práticas internas, sensibilização das lideranças e consolidação de espaços seguros de diálogo”, destaca Denise.

Além destas, empresas como a Danone também destacam como a autoidentificação entre pessoas negras dentro da organização aumentou com as ações de diversidade. Conforme ressalta Raquel Silva, da Danone, como “só se muda o que se conhece”, é importante ampliar a representatividade de pessoas negros em espaços de decisão. Por isso, as métricas quantitativas também são importantes.

Eduardo Paiva, diretor de diversidade, equidade e inclusão do grupo L´Oréal no Brasil (Crédito: Divulgação)

Eduardo Paiva, diretor de diversidade, equidade e inclusão do grupo L’Oréal no Brasil (Crédito: Divulgação)

“Hoje, cerca de 43% dos colaboradores e 25% da liderança do Grupo L’Oréal no Brasil se autodeclaram negros. Em cinco anos, saímos de 13% (2020) para 25% (2025), uma grande mudança. Também crescemos em mais de 60% o número de pessoas negras impactadas por programas de desenvolvimento para lideranças em 2025, e 58% desse público é composto por mulheres”, aponta Eduardo.

“O sucesso e o desempenho do grupo de afinidade racial podem ser observados pelo impacto direto que suas contribuições têm gerado nas estratégias, produtos e comunicações do Grupo L’Oréal no Brasil. Um exemplo concreto é a mudança nas embalagens dos protetores solares em 2022, que passaram a adotar uma escala numérica de cores, do tom 1 ao 6, substituindo termos como ‘clara’, ‘morena’ e ‘morena mais’. Esse tipo de colaboração demonstra como o grupo influencia decisões relevantes do negócio, garantindo que as entregas da companhia estejam alinhadas com expectativas sociais, culturais e éticas”, continua Paiva.