Women to Watch

Como empresas mantêm a agenda de diversidade no Brasil

Enquanto cresce a pressão do movimento anti-woke, companhias reafirmam compromisso com DEI nas operações

i 29 de setembro de 2025 - 11h27

Por Dimalice Nunes

A sigla ESG (de environmental, social and governance ou práticas que envolvem iniciativas ambiental, social e de governança) surgiu em 2004 no relatório Who Cares Wins, publicado pelo Pacto Global da ONU, em parceria com o Banco Mundial. Com o tempo, se popularizou e virou quase um mantra para empresas que aparentavam chamar para si a responsabilidade por transformações estruturais da sociedade.

No entanto, 20 anos depois, o que se vê é um retrocesso, em especial no “S” que compõe a sigla. Tudo começou com uma decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos que, em 2023, considerou inconstitucionais políticas de ação afirmativa em universidades. Depois, vieram as medidas do presidente Donald Trump para encerrar programas federais de diversidade e justiça climática, que levaram na esteira diversas corporações.

Google, Walmart, John Deer, Target, Meta, Amazon, Ford, Boeing, Disney, PepsiCo, Citigroup e Victoria’s Secret são apenas alguns exemplos de companhias que abandonaram, nos EUA, suas políticas de diversidade, equidade e inclusão (DEI).

Embora ainda tratado como questão externa, o movimento anti-woke (que discorda, sobretudo, das pautas sociais) reverbera no Brasil. A pesquisa DEI sob pressão: adaptar, resistir ou desistir?, da TeamHub, ouviu 120 lideranças empresariais nacionais e mostra que 42,5% das companhias ajustam suas práticas de DEI ante pressões sociais e políticas e 40,83% permanecem inertes.

Apesar de 85% dos consultados reconhecerem a agenda de DEI como estratégica para a inovação, há uma lacuna entre discurso e prática, já que 23% das empresas afirmam que não é prioridade e 16,6% dos líderes sequer sabem responder à questão.

Por outro lado, a Pesquisa Ethos/Época de Diversidade, Equidade e Inclusão 2024/2025, do Instituto Ethos, que envolveu 224 organizações, mostra que a política DEI deixou de ser tema apenas de responsabilidade social. Segundo o estudo, 83 das organizações incluem DEI em seus planejamentos estratégicos.

Os dados apontam avanços importantes em programas de contratação: a presença de mulheres subiu de 55,88% em 2024 para 59,38% em 2025; no caso de pessoas com deficiência, passou de 67,16% para 69,2%; e, entre profissionais acima de 45 anos, de 32,35% para 34,38%.

Os dados mostram avanços também na formulação de políticas voltadas a diferentes grupos. As referências a mulheres nos códigos de conduta, por exemplo, cresceram de 69,12% para 70,98% em 2025. Para pessoas negras, o índice subiu de 66,67% para 69,20%, e, para PCDs, de 70,59% para 73,21%. Entre os desafios, há indicadores que ainda exigem mais comprometimento, como atração e retenção de talentos.

O levantamento aponta que apenas 23,4% das empresas têm metas para reduzir diferenças salariais e 25,89% das empresas têm medidas para que 30% dos cargos nos conselhos sejam de mulheres. Já as ações para atrair profissionais negros aparecem em menos da metade das empresas.

Pés na DEI

No entanto, as mesmas forças que paralisam ações em andamento ou impedem que novas sejam criadas são as que motivam muitas empresas a manterem firmemente seus pés na DEI, expandirem ações e incluírem a sigla em seu DNA. O Women to Watch ouviu altas lideranças de algumas dessas companhias e há um consenso: sem diversidade, não há inovação. E, sem inovação, não há sucesso nos negócios.

O movimento externo de retrocesso é fato, mas, na opinião de Pablo Lorenzo, CEO do Grupo Carrefour Brasil, a reação pode ser lida como positiva para garantir a diversidade e a inclusão como valores. Ao lado da Natura, a rede varejista foi a primeira empresa a ratificar seu compromisso com DEI diante do recuo de parte do mercado.

“Manter a relevância e a consistência da agenda exige um compromisso contínuo, intencionalidade e transparência inabalável”, afirma o executivo. E tudo começa pela cultura: “É fundamental desenvolvêla e promovê-la continuamente”, garante.

Lorenzo, do Carrefour, diz que a varejista foi uma das primeiras a ratificar os compromissos de DEI ante o recuo de parte do mercado (Crédito: Divulgação)

Lorenzo, do Carrefour, diz que a varejista foi uma das primeiras a ratificar os compromissos de DEI ante o recuo de parte do mercado (Crédito: Divulgação)

Outro ponto fundamental para sustentar ações de DEI é a abertura ao diálogo, à escuta ativa e ao aprendizado constante, seja com colaboradores, clientes, sociedade ou especialistas. Isso porque a diversidade não apenas reforça valores sociais, mas impulsiona inovação e decisões mais assertivas.

Entre as ações, estão metas de 50% de mulheres e 50% de pessoas negras na liderança até 2030, treinamentos de letramento racial e o programa #EuPraticoRespeito, além de iniciativas de capacitação como Mulheridades e P.O.D.E.R., que impactaram 4,5 mil pessoas. O programa Fala Mais distribuiu 900 bolsas de inglês para colaboradores negros e pardos.

A empresa contratou 94 mil beneficiários do Bolsa Família, em parceria com o Ministério do Desenvolvimento Social. Os resultados chegaram: 32,6% de mulheres e 35,1% de pessoas negras na liderança em 2024. “Incluir é valor inegociável e pilar transversal à nossa cultura”, afirma Lorenzo. “Como o segundo maior empregador privado do País, temos a responsabilidade de sermos agentes transformadores”, conclui o executivo.

Para o CEO da Bayer, Márcio Santos, a diversidade é central na estratégia da companhia. “Somos uma empresa de inovação, e a inovação só nasce do olhar diverso”, afirma.

A empresa mantém governança dedicada ao tema, com grupos de afinidade e programas voltados à aceleração de carreira de grupos sub-representados. Entre os avanços, a Bayer passou de 7% de admissões de pessoas negras em 2022 para 28% em 2024 e já conta com 60% de mulheres na alta liderança, porcentagem acima da meta global de 50% até 2030. Outro destaque é o Programa Geração de Valor, que apoia profissionais com deficiência e elevou a representatividade em cargos de liderança de 2% para 14% desde 2020.

Ainda, 70% da liderança recebeu capacitação em inclusão e diversidade, em parceria com a consultoria Mais Diversidade. Para Santos, isso gera valor sustentável ao engajar colaboradores, atender investidores e refletir a sociedade atendida pela Bayer.

Ao olhar para o mercado, Santos vê amadurecimento no diálogo e um comprometimento crescente por parte das empresas, com iniciativas mais estruturadas e presença mais ativa dos temas nas lideranças. “O desafio, agora, é garantir que esse compromisso se traduza em ações concretas, com continuidade e coerência. O foco precisa ser atuar de forma intencional, acompanhar indicadores, mensurar os resultados e ajustar rotas sempre que necessário”, resume.

A Natura é pioneira em ações pela diversidade e, diante de movimentos de retrocesso, é uma das vozes que falam alto ao reafirmar seus compromissos com a agenda DEI. “Empresas como a nossa têm a capacidade e a responsabilidade de serem motores de transformação”, afirma Paula Benevides, vice-presidente de pessoas, cultura e organização da companhia.

O histórico é longo. Ainda nos anos 1980, a Natura iniciou a contratação de pessoas com deficiência antes de qualquer exigência legal. “Atuar em prol da DEI não é apenas um dever moral, mas uma oportunidade concreta de geração de valor para os negócios”, destaca Paula. A agenda está integrada à remuneração variável dos colaboradores e às metas públicas da empresa, diz a executiva.

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Empresas como a Natura têm a responsabilidade de ser motor de transformação, afirma Paula Benevides, vice-presidente da companhia  (Crédito: Divulgação)

Entre os avanços, a Natura alcançou paridade de gênero em cargos de liderança na América Latina, com 52% de mulheres em posições a partir da diretoria, e eliminou diferenças salariais inexplicáveis por gênero e raça. No campo racial, 38% do quadro é formado por profissionais pretos e pardos, com 13% em cargos gerenciais — e deve chegar a 30% até 2030.

Programas como Eleva e CorageN impulsionam carreiras de pessoas negras, enquanto o Mulher Raiz valoriza a trajetória de colaboradoras negras. A companhia garante a inclusão de pessoas LGBTQIAP+ e pessoas com deficiência (6,25% do quadro), além de adotar políticas afirmativas em estágios e contratações.

Os impactos chegam a produtos e cultura: linhas desenvolvidas a partir das necessidades de mulheres negras, cartela ampliada de maquiagem, protetores adaptados a todos os tons de pele e campanhas com artistas como Iza, Taís Araújo e Liniker. Em 2023, 74% dos projetos do Natura Musical tiveram liderança negra. Na avaliação de Paula, a DEI é transversal: “Diversidade é uma crença fundamental e parte intrínseca do ‘Bem estar bem’ (que é o slogan da Natura)”.

Muito mais do que moda

Diversidade, equidade e inclusão não podem ser vistas como pautas pontuais. Precisam estar no centro da estratégia de negócios. É assim que a diretora vice-presidente de gente, cultura e ASG da C&A, Carolina Borghesi, avalia o tema sob a perspectiva do mercado e da empresa que representa. As ações da varejista de moda estão alinhadas à crença de que uma empresa somente é relevante quando está verdadeiramente conectada às necessidades e características da sociedade. “Diversidade, inclusão e sustentabilidade não são apenas compromissos, mas alicerces que sustentam nossa visão de futuro”, define.

A C&A superou antes do prazo suas metas públicas: 66% dos cargos de liderança são ocupados por mulheres e 30% por pessoas pretas, pardas ou indígenas — metas previstas apenas para 2030. Além disso, 18,5% do quadro se autodeclara LGBTI+.

Carolina, da C&A: "Diversidade, inclusão e sustentabilidade são alicerces que sustentam nossa visão de futuro"

Carolina, da C&A: “Diversidade, inclusão e sustentabilidade são alicerces que sustentam nossa visão de futuro” (Crédito: Divulgação)

Entre as iniciativas, estão programas de estágio afirmativo, desenvolvimento de lideranças e metas acompanhadas pela alta gestão. Pelo Instituto C&A, foram investidos R$ 8,1 milhões em 2024 em projetos de inclusão produtiva, que beneficiaram mais de 26 mil pessoas, com destaque para o IC&A FashionLab e o Prêmio Fashion Futures. A companhia também integra o índice Idiversa da B3 e mantém o selo Woman on Board, que reconhece presença feminina em conselhos.

Segundo Carolina, a chave é transformar metas em prática cotidiana. E como manter a relevância e a consistência das ações? “A resposta está na coerência. Não basta anunciar compromissos, é preciso transformá-los em práticas que moldam a cultura da empresa”, afirma Carolina, que ressalta que a consistência também se constrói pelo exemplo. “Quando a diversidade está presente no conselho, na liderança e em toda a rede de valor, deixa de ser discurso e passa a ser parte da identidade da companhia. Isso garante autenticidade porque investidores, colaboradores e consumidores percebem rapidamente quando existe verdade por trás de cada iniciativa”, conclui.

“Licença para operar.” É assim que Eduardo Paiva, diretor de diversidade, equidade e inclusão do Grupo L’Oréal no Brasil define a importância da agenda DEI na companhia. E, num país com 56% de pessoas que se autodeclaram negras, “a brasilidade é fonte de inspiração”, destaca o executivo.

Paiva diz que, por meio de um modelo de negócio que valoriza inovação, diversidade e biodiversidade local, a empresa pode quebrar as barreiras da inclusão para representar a pluralidade brasileira. “Isso somente é possível com estratégia que começa dentro da empresa, com times diversos, e extrapola para fora com ações que geram transformação na sociedade”, ressalta.

A estratégia de DEI da L’Oréal atua em cinco causas — étnico-racial, PC Ds, LGBTQIAPN+, gênero e gerações — e cinco frentes —pessoas, inovação, comunicação, ecossistema e impacto social. No Brasil, 45% dos colaboradores são pretos ou pardos, mais da metade é de mulheres e 16,4% LGBTQIAPN+. Redes de afinidade como AfroSou, Gaia, Prismas e Potencialidades fortalecem representatividade e pertencimento.

A L’oréal investe em “inovação inclusiva” e o Brasil é hub de pesquisa, que lança produtos adaptados aos tons de pele e tipos de cabelo. Entre as iniciativas, estão o Afroluxo, contra o racismo no mercado de luxo; o Beleza Mais Diversa, que capacita jovens negros criadores de conteúdo; e o prêmio Dermatologia+Inclusiva, que financia pesquisas sobre pele e cabelo de pessoas negras, indígenas e transgêneras.

Paiva reforça que a chave para uma estratégia DEI de sucesso é consistência: “A coerência entre discurso e prática garante autenticidade”. Dados da última pesquisa de clima da companhia mostram que mais de 90% dos trabalhadores têm orgulho de trabalhar no Grupo L’Oréal e 94% se sentem tratados de forma justa e inclusiva, independente de raça, gênero, orientação sexual ou deficiências.

Agenda repensada

No momento que algumas companhias repensam seus compromissos com a agenda DEI, na Diageo o tema segue vivo e essencial, afirma a diretora de RH da empresa, Viviane Besani. “Faz parte da nossa cultura e do jeito como fazemos negócios”, reforça. A executiva vê amadurecimento, mas ainda há o desafio de iniciativas em cultura corporativa. “O que diferencia as organizações que avançam é a consistência, sair da promessa e entregar ações tangíveis que impactem talentos, consumidores e a sociedade”, explica.

Vivane, da Diageo: "O que diferencia as organizações que avançam é a consistência, sair da promessa e entregar ações tangíveis que impactem talentos" (Crédito: Divulgação)

Vivane, da Diageo: “O que diferencia as organizações que avançam é a consistência, sair da promessa e entregar ações tangíveis que impactem talentos” (Crédito: Divulgação)

Na Diageo, a agenda de diversidade e inclusão faz parte do Espírito do Progresso, o plano global de ESG. “No Brasil, por exemplo, já alcançamos 55% de mulheres em cargos de liderança”, comemora. Entre as iniciativas, estão o programa de estágio afirmativo para pessoas negras, a aceleração de carreiras de mulheres negras e o Journey, voltado à inclusão de pessoas trans na fábrica da Ypióca, no Ceará, que elevou de 29% para 45% a taxa de efetivação de participantes. A empresa integra o movimento Mover, que reúne companhias contra o racismo estrutural e promove impacto social pelo Learning for Life, com mais de 34 mil formados no Brasil.

Viviane destaca que autenticidade vem da prática: “Não se trata de atender pressões externas, mas de um compromisso estratégico e ético”, ressalta. “Diversidade é um motor de inovação que nos aproxima de consumidores, amplia ideias e cria ambientes em que todos possam se sentir parte. Um negócio que inclui todos é, necessariamente, um negócio melhor”, conclui.