Polarização global testa limites da diversidade corporativa
Desembarque de empresas da DEI ajuda a separar quem trata a pauta como prioridade ou modismo; especialistas veem retração, mas também resistência
Por Dimalice Nunes
A combinação de polarização política, ameaças de boicote, pressões de acionistas conservadores e mudanças de gestão coloca à prova o quanto os compromissos assumidos pelas empresas com a agenda DEI eram estruturais ou apenas uma resposta pontual a tendências.
“Vivemos um momento de incertezas e muita volatilidade, impulsionado, em grande medida, pelo contexto político-institucional norte-americano”, avalia Marina Spínola, diretora de relações institucionais e sustentabilidade da Fundação Dom Cabral.

Disputas ideológicas causaram impactos negativos, diz Marina, da Fundação Dom Cabral (Crédito: Divulgação)
Ações do governo Donald Trump, segundo Marina, geraram efeito em cascata, que transcende as fronteiras norte-americanas. “Infelizmente, a pauta foi capturada por disputas ideológicas e isso trouxe impactos negativos nas políticas e programas de DEI no mundo corporativo”, afirma.
A reação, porém, acompanha a polarização e se traduz em respostas diversas das empresas. Enquanto nos EUA dezenas de companhias anunciaram cortes ou ajustes em seus programas e outras suavizaram a comunicação para evitar resistência, um grupo importante, embora menor, reforçou publicamente seus compromissos.
“O limite de cada empresa está no seu propósito, na sua identidade e promessa de marca. Os contextos político-institucionais são importantes e impactantes, mas não são o único vetor de pressão e influência”, completa.
Os efeitos são sentidos no País, mas de forma menos explícita. “Aqui, tudo acontece de maneira camuflada”, analisa Liliane Rocha, CEO da Gestão Kairós. “Enquanto nos EUA o retrocesso é escancarado, no Brasil, vemos cortes de orçamento, demissões em áreas de diversidade e redução de investimentos em consultorias, mas sem que isso seja declarado publicamente. As empresas dizendo que têm estratégia de diversidade, mas, em que condições?”, questiona.

Liliane, da Gestão Kairós, aponta que, no Braisl, tudo acontece de maneira camuflada (Crédito: Divulgação)
Liliane aponta sinais claros de recuo: menor representatividade de pessoas negras e LGBTQIA+ em eventos, menos diversidade em campanhas publicitárias e queda no patrocínio a iniciativas como a Parada do Orgulho LGBTEIA+ e a Feira Preta. “É um item riscado da lista de prioridades: diante da crise econômica e da polarização política, muitas empresas entendem que não precisam mais sustentar esses compromissos e simplesmente os abandonam”, afirma.
Para Jandaraci Araújo, cofundadora e presidente do Instituto Conselheira 101, a agenda DEI vive um paradoxo. Por um lado, nunca houve tanta visibilidade e comprovação do impacto positivo que equipes diversas geram em inovação, performance e sustentabilidade. “Por outro, temos tentativas de reduzir a pauta a uma questão ideológica”, afirma.
O momento é da verdade: as empresas e lideranças que não trataram DEI como modismo, mas como fundamento estratégico, precisarão demonstrar consistência, coragem e resultados para não retroceder.
“Algumas empresas, infelizmente, recuam diante da pressão e limitam suas iniciativas ao discurso. Outras, no entanto, têm entendido que DEI é inegociável”. São essas últimas, na opinião de Jandaraci, que mostram resiliência: em vez de se esconder, ajustam a narrativa, reforçam a conexão entre diversidade e geração de valor e mantêm o tema no centro de sua estratégia. “A disposição real se mede no orçamento, na manutenção de programas de longo prazo e na presença de lideranças diversas em conselhos e posições executivas”, avalia.

Jandaraci Araújo, cofundadora e presidente do Instituto Conselheira 101: “Algumas empresas, infelizmente, recuam diante da pressão e limitam suas iniciativas ao discurso” (Crédito: Divulgação)
Apesar do cenário, especialistas destacam que há empresas que seguem firmes. Liliane cita Vivo e Coca-Cola como exemplos de consistência, além de estatais como Petrobras e Banco do Brasil. “Essas organizações mantêm orçamento, equipes dedicadas e programas de impacto, mesmo em um ano de retração”, diz.
A resiliência, defendem as especialistas, depende de ver a política DEI como parte da estratégia de negócio, e não como projeto paralelo. “Quando a diversidade está vinculada a indicadores de resultado e enraizada nos valores e na cultura da organização, torna-se parte da identidade corporativa. Fica mais difícil desmontar essa agenda”, reforça Jandaraci.
Para Marina, há um papel fundamental da comunicação na travessia desse momento: “É preciso ter competência e sensibilidade para encontrar os melhores enquadramentos e o tom de voz que ajudem as empresas a navegarem em ambiente desafiador, garantindo coerência e minimizando riscos”.
Entre retrações e resistências, o retrato atual expõe uma disputa que vai além da retórica. “Sustentar a diversidade não é apenas um ato ético, é um investimento na perenidade dos negócios e no futuro da sociedade”, diz Liliane.