Women to Watch

Polarização global testa limites da diversidade corporativa

Desembarque de empresas da DEI ajuda a separar quem trata a pauta como prioridade ou modismo; especialistas veem retração, mas também resistência

i 1 de outubro de 2025 - 9h28

Por Dimalice Nunes

A combinação de polarização política, ameaças de boicote, pressões de acionistas conservadores e mudanças de gestão coloca à prova o quanto os compromissos assumidos pelas empresas com a agenda DEI eram estruturais ou apenas uma resposta pontual a tendências.

“Vivemos um momento de incertezas e muita volatilidade, impulsionado, em grande medida, pelo contexto político-institucional norte-americano”, avalia Marina Spínola, diretora de relações institucionais e sustentabilidade da Fundação Dom Cabral.

(Crédito: Divulgação)

Disputas ideológicas causaram impactos negativos, diz Marina, da Fundação Dom Cabral (Crédito: Divulgação)

Ações do governo Donald Trump, segundo Marina, geraram efeito em cascata, que transcende as fronteiras norte-americanas. “Infelizmente, a pauta foi capturada por disputas ideológicas e isso trouxe impactos negativos nas políticas e programas de DEI no mundo corporativo”, afirma.

A reação, porém, acompanha a polarização e se traduz em respostas diversas das empresas. Enquanto nos EUA dezenas de companhias anunciaram cortes ou ajustes em seus programas e outras suavizaram a comunicação para evitar resistência, um grupo importante, embora menor, reforçou publicamente seus compromissos.

“O limite de cada empresa está no seu propósito, na sua identidade e promessa de marca. Os contextos político-institucionais são importantes e impactantes, mas não são o único vetor de pressão e influência”, completa.

Os efeitos são sentidos no País, mas de forma menos explícita. “Aqui, tudo acontece de maneira camuflada”, analisa Liliane Rocha, CEO da Gestão Kairós. “Enquanto nos EUA o retrocesso é escancarado, no Brasil, vemos cortes de orçamento, demissões em áreas de diversidade e redução de investimentos em consultorias, mas sem que isso seja declarado publicamente. As empresas dizendo que têm estratégia de diversidade, mas, em que condições?”, questiona.

(Crédito: Divulgação)

Liliane, da Gestão Kairós, aponta que, no Braisl, tudo acontece de maneira camuflada (Crédito: Divulgação)

Liliane aponta sinais claros de recuo: menor representatividade de pessoas negras e LGBTQIA+ em eventos, menos diversidade em campanhas publicitárias e queda no patrocínio a iniciativas como a Parada do Orgulho LGBTEIA+ e a Feira Preta. “É um item riscado da lista de prioridades: diante da crise econômica e da polarização política, muitas empresas entendem que não precisam mais sustentar esses compromissos e simplesmente os abandonam”, afirma.

Para Jandaraci Araújo, cofundadora e presidente do Instituto Conselheira 101, a agenda DEI vive um paradoxo. Por um lado, nunca houve tanta visibilidade e comprovação do impacto positivo que equipes diversas geram em inovação, performance e sustentabilidade. “Por outro, temos tentativas de reduzir a pauta a uma questão ideológica”, afirma.

O momento é da verdade: as empresas e lideranças que não trataram DEI como modismo, mas como fundamento estratégico, precisarão demonstrar consistência, coragem e resultados para não retroceder.

“Algumas empresas, infelizmente, recuam diante da pressão e limitam suas iniciativas ao discurso. Outras, no entanto, têm entendido que DEI é inegociável”. São essas últimas, na opinião de Jandaraci, que mostram resiliência: em vez de se esconder, ajustam a narrativa, reforçam a conexão entre diversidade e geração de valor e mantêm o tema no centro de sua estratégia. “A disposição real se mede no orçamento, na manutenção de programas de longo prazo e na presença de lideranças diversas em conselhos e posições executivas”, avalia.

(Crédito: Divulgação)

Jandaraci Araújo, cofundadora e presidente do Instituto Conselheira 101: “Algumas empresas, infelizmente, recuam diante da pressão e limitam suas iniciativas ao discurso” (Crédito: Divulgação)

Apesar do cenário, especialistas destacam que há empresas que seguem firmes. Liliane cita Vivo e Coca-Cola como exemplos de consistência, além de estatais como Petrobras e Banco do Brasil. “Essas organizações mantêm orçamento, equipes dedicadas e programas de impacto, mesmo em um ano de retração”, diz.

A resiliência, defendem as especialistas, depende de ver a política DEI como parte da estratégia de negócio, e não como projeto paralelo. “Quando a diversidade está vinculada a indicadores de resultado e enraizada nos valores e na cultura da organização, torna-se parte da identidade corporativa. Fica mais difícil desmontar essa agenda”, reforça Jandaraci.

Para Marina, há um papel fundamental da comunicação na travessia desse momento: “É preciso ter competência e sensibilidade para encontrar os melhores enquadramentos e o tom de voz que ajudem as empresas a navegarem em ambiente desafiador, garantindo coerência e minimizando riscos”.

Entre retrações e resistências, o retrato atual expõe uma disputa que vai além da retórica. “Sustentar a diversidade não é apenas um ato ético, é um investimento na perenidade dos negócios e no futuro da sociedade”, diz Liliane.