Opinião

Ser gamer no Brasil é atravessar fronteiras

A descentralização, aliada à força cultural brasileira, criará um mercado cada vez mais robusto, competitivo e plural

Cynthya Rodrigues

Head Comercial Latam na GMD 24 de outubro de 2025 - 9h34

(Crédito: Shutterstock)

(Crédito: Shutterstock)

O universo dos games no Brasil nunca foi apenas sobre jogar. É sobre movimento, sobre pertencimento, sobre como milhões de pessoas, vindas de realidades e sotaques diferentes, encontram em torno dos jogos um espaço de conexão e expressão.

Hoje, com 123,3 milhões de jogadores e uma receita anual de US$ 2,7 bilhões, ocupamos a 9ª posição entre os maiores mercados do mundo e a liderança absoluta na América Latina. Esses números não são apenas estatísticas: eles revelam a potência cultural e econômica que os games representam no Brasil e como se tornaram um dos pilares mais estratégicos de uma indústria global em constante expansão.

Durante muito tempo, a maior parte dos encontros do setor se concentrou no eixo Rio-São Paulo. É onde nasceram e cresceram eventos como a Brasil Game Show, a Gamescom Latam (antigo BIG Festival), o Canal 3 Expo, dedicado aos colecionadores de clássicos, e até a CCXP, uma das maiores referências em cultura nerd/geek da América Latina.

Nesses espaços, vemos fãs de todas as idades atravessando o país, guardando dinheiro, tirando férias e se deslocando quilômetros para viver experiências que se tornaram marcos em suas trajetórias pessoais. O que poderia parecer apenas paixão se revela, na prática, como uma demonstração clara do poder de mobilização e da capacidade de engajamento que o ecossistema gamer tem.

Mas esse mapa está se redesenhando. O setor começa a ocupar cidades como Gramado, Salvador, Fortaleza, Campo Grande e Belém. Quando um grande torneio, como o CBLOL, decide realizar sua final em Recife, o impacto vai muito além do entretenimento. O público local se sente incluído, as marcas regionais descobrem um novo canal de visibilidade e as comunidades entendem que o mercado não se limita mais ao sudeste.

Isso é estratégico porque descentraliza a indústria, gera desenvolvimento econômico e fortalece a percepção dos games como vetor de negócios e inovação em todo o território nacional.

Diversidade como força de mercado

A diversidade regional brasileira não é um detalhe periférico: é um ativo central. O público gamer no país é múltiplo em perfis de consumo, plataformas de acesso e formas de engajamento. Da jovem que joga no smartphone no transporte público à profissional que dedica horas semanais em consoles de última geração, o Brasil abriga um mosaico de consumidores que desafia estereótipos e amplia as fronteiras de atuação das empresas.

Para marcas que enxergam esse potencial, os games oferecem algo raro: comunidades apaixonadas, que se engajam de maneira orgânica e que têm disposição em participar de experiências coletivas. Cada evento, cada campeonato, cada comunidade online é, ao mesmo tempo, um palco cultural e uma arena estratégica para construção de marca, para inovação em formatos de comunicação e para o fortalecimento de relacionamentos de longo prazo.

Estratégia e pertencimento

Sou gamer desde minha infância em Maceió, Alagoas. Esse contato precoce me ensinou muito mais do que mecânicas de jogo: mostrou a importância da colaboração, da resiliência e da conexão.

Hoje, como executiva na indústria de games, percebo como esses aprendizados dialogam diretamente com o papel que exerço. Pensar estrategicamente o setor significa compreender que os games não se limitam ao entretenimento, mas representam plataformas de convivência, aprendizado e, sobretudo, negócios.

Meu trabalho consiste em criar pontes entre marcas e comunidades, desenhar oportunidades que atendam tanto às expectativas de um público exigente quanto às necessidades estratégicas de empresas que buscam relevância. Liderar times e estar próxima do mercado me permite ver que os eventos de games são muito mais do que festivais: são hubs de tendências, espaços de networking e momentos decisivos na consolidação de uma indústria que ainda tem muito a crescer.

O futuro em construção

Ser gamer no Brasil hoje é viver uma experiência que une fronteiras culturais, conecta gerações e mostra, todos os dias, que a paixão por jogos pode se transformar em valor estratégico. É também entender que essa indústria será uma das mais determinantes na formação das próximas gerações, seja como mercado de trabalho, como plataforma de inovação ou como motor de inclusão.

Olhando para o futuro, enxergo os games como um ecossistema que continuará a se expandir para além das capitais tradicionais, levando oportunidades de negócio, inovação tecnológica e representatividade para diferentes regiões. A descentralização, aliada à força cultural do Brasil, criará um mercado cada vez mais robusto, competitivo e plural.

E, se no passado eu atravessava corredores de eventos apenas como espectadora, hoje faço parte das conversas estratégicas que ajudam a moldar esse cenário. Estar nesse lugar é uma conquista pessoal e profissional, mas também é uma responsabilidade: garantir que esse setor cresça de forma inclusiva, diversa e sustentável. Porque, no fim, ser gamer no Brasil é muito mais do que jogar: é participar de um movimento coletivo que conecta paixão, estratégia e futuro.