Opinião WW

A agenda climática não termina na COP — ela recomeça agora

Se agirmos com ambição e compromisso coletivo, Belém pode ser menos um ponto final do que o ponto de partida

Helen Pedroso

Diretora de Responsabilidade Corporativa e Direitos Humanos do Grupo L’Oréal no Brasil 1 de dezembro de 2025 - 10h56

(Crédito: Sergio Moraes/COP30)

(Crédito: Sergio Moraes/COP30)

A COP30, em Belém, foi, como todas as grandes conferências climáticas, um ponto de convergência — de ciência, política, negócios e vozes locais. Mas a agenda climática não termina na cúpula. Ela recomeça no dia seguinte, nas decisões corporativas, nas escolhas dos governos subnacionais e nas rotinas de cada pessoa. Se não houver um salto de implementação após Belém, todas as promessas correm o risco de ficar apenas no papel. 

Na prática, a COP30 trouxe propostas relevantes para transformar discurso em ação. O “Roteiro Baku–Belém” aponta caminhos para mobilizar até US$ 1,3 trilhão anuais para a transição climática até 2035, uma sinalização política importante de que há fontes de recursos possíveis, mas que dependem de estruturas e vontade política para se concretizarem.

Paralelamente, o início e capitalização do Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF), que já superou US$ 6 bilhões, representa um mecanismo inovador para pagar pela preservação das florestas tropicais, reconhecendo o serviço climático que esses biomas prestam ao planeta. Ambos são avanços essenciais, mas ainda insuficientes sem critérios claros de fiscalização, prazo e articulação com políticas públicas nacionais.  

Para além das decisões governamentais, o papel das empresas é central, e dois aspectos merecem atenção. Primeiro, a redução de emissões nas cadeias produtivas: metas corporativas sem plano de transição com prazos, métricas e revisão independente são declarações de intenção, não resultados. 

Segundo, mobilização de capital privado para projetos de adaptação e mitigação: instrumentos financeiros vistos em Belém apontam caminhos, mas exigem padronização de risco, garantias e regulação para não se tornarem instrumentos de “greenwashing” ou de exclusão de comunidades locais. E esse avanço empresarial depende cada vez mais da integração dos compromissos climáticos na gestão, um “seguro” de resiliência que protege operações, cadeias e territórios. 

A transição climática só se materializa quando discutimos como transformar cadeias produtivas, territórios, modelos de negócio e relações com comunidades, e não apenas quanto precisamos reduzir. 

Em um dos painéis, ao responder questões sobre o trabalho do grupo L’Oréal no Brasil em rastreabilidade, bioeconomia e inovação, destaquei que a biodiversidade brasileira não é apenas uma fonte de ingredientes, mas um ativo estratégico que exige governança, inclusão, ciência e justiça socioambiental. Por isso, no nosso trabalho, temos como pilares: 

– rastreabilidade rigorosa e combate ao greenwashing;

– contratos estruturados com princípios de comércio justo;

– fortalecimento de comunidades amazônicas por meio de capacitação, previsibilidade e repartição justa de benefícios;

– apoio à bioeconomia que respeita o conhecimento tradicional e evita qualquer forma de “colonialismo verde”. 

Essa estratégia está alinhada aos desafios discutidos na COP, especialmente no que diz respeito à necessidade de escalar soluções de bioeconomia, de reduzir emissões operacionais (como no caso do nosso avanço em biometano) e de construir uma transição justa, suportada por fundos globais e parcerias que fortaleçam toda a cadeia. 

O papel individual não é menor. Políticas públicas e privadas moldam o campo de escolhas, mas consumidores, trabalhadores, investidores e eleitores influenciam rotas de mercado e prioridades públicas. Pressão por produtos de baixo carbono, decisões de consumo e cobrança por transparência nas empresas ajudam a criar demanda por escala nas soluções que já existem. 

Saio da COP30 com a convicção de que empresas, governos e indivíduos terão, nos próximos meses e anos, uma prova de fogo: transformar compromissos em políticas, inovação e escala. Não existe neutralidade possível na crise climática: ou aceleramos a mudança, ou aprofundamos os riscos. 

Ao fazer um balanço, concordo com a sensação ambivalente de muitos analistas: há avanços concretos, como ciência mais robusta, instrumentos financeiros emergentes, compromissos privados, e, ao mesmo tempo, a marcha das emissões e dos riscos climáticos continua. A COP30 serve como catalisador, mas o teste real será se o que saiu de Belém desencadeará políticas públicas robustas, regulações que impeçam retrocessos, compromissos empresariais verificáveis e fluxos financeiros reais para adaptação e mitigação.  

Isso não significa, porém, que o Brasil parte do zero em políticas públicas. O país tem avanços em curso, das estratégias de bioeconomia aos marcos de redução de emissões, e o desafio é garantir que eles ganhem escala, continuidade e integração com o setor privado. Vale ressaltar ainda que outros mecanismos financeiros, como o Ecoinvest, lançado em edições anteriores da COP, já estão em operação no Brasil, demonstrando que o país tem instrumentos em andamento e um ambiente regulatório que vem evoluindo. 

Se agirmos com ambição e compromisso coletivo, Belém pode ser menos um ponto final do que o ponto de partida de uma era em que a implementação finalmente ganha a mesma centralidade dos acordos.