Mulheres com deficiência: #LiderarÉParaTodas
Quando deixamos de ser exceção, o mundo se reorganiza e as narrativas também

(Crédito: Shutterstock)
Em tempos em que a solidão profissional é quase regra para mulheres, incluindo nós, as mulheres com deficiência, ousamos quebrar esse ciclo. Do incansável desejo de romper padrões, há cerca de um ano comecei a adicionar na minha rede social as mulheres com deficiência que encontro no mercado de trabalho. A ideia era simples: trocar vivências reais, compartilhar informações sobre a jornada profissional e construir uma rede que fosse, ao mesmo tempo, suporte, representatividade e movimento.
O que começou com algumas mensagens tímidas rapidamente virou uma comunidade com cerca de 60 mulheres com deficiência, diversas em suas experiências, corpos, histórias e profissões. Ali, descobrimos que muitas de nós carregamos as mesmas dúvidas, as mesmas barreiras, as mesmas microagressões e, principalmente, a mesma potência. E essa potência transbordou. Não cabia mais apenas na tela.
Foi assim que eu e minha parceira de propósito, Ana Kelly Melo, a Ana K, como é conhecida, decidimos conduzir o primeiro encontro presencial do grupo, na Fábrica Dengo, em São Paulo, um espaço que acolhe e respeita a diversidade em sua totalidade. Na verdade, percebemos rápido que nós é que fomos conduzidas por elas: pela força coletiva, pelas experiências, pelas estratégias que cada uma aprendeu sozinha e trouxe para compartilhar. Algo que Ana K. deixa muito evidenciado em suas palavras:
“Esse encontro foi um momento único, nunca tinha vivido nada parecido. Um dia em que pude ver dezenas de mulheres com deficiência apenas existindo em plenitude, sem se preocupar com resistir, insistir e lutar pelo básico. Sorrindo, se empoderando e se reconhecendo umas nas outras. Além, é claro, de criarem conexões estratégicas para suas jornadas profissionais, ampliando networking e possibilidades de negócio. Um sonho antigo, uma realidade ainda distante no dia a dia, mas que por uma noite tornamos real.”
O tema desse encontro não poderia ser outro: #LiderarÉParaTodas, escolhido em consenso por todas as participantes. Entre risos e escutas generosas, vimos nascer algo que não volta mais para o seu tamanho original. Este grupo virou potência. Virou marco. Ali, algo raro e profundamente transformador aconteceu: nós, mulheres com deficiência, fomos maioria. E isso, por si só, sacode estruturas que há décadas insistem em nos dizer que o mercado de trabalho “não é o nosso lugar”.
Quem vive a realidade de estar constantemente em lugares onde quase não há outras mulheres, e muito menos mulheres com deficiência, sabe o impacto disso. Ser maioria é quebrar barreiras. É sair do lugar de invisibilidade e assumir o protagonismo. É mostrar que somos líderes, profissionais, múltiplas, completas e eficientes.
Segundo o IBGE, somos 8,3 milhões de mulheres com deficiência no Brasil, superando o número de homens. Ainda assim, apenas 32% das cotas exigidas pela lei são ocupadas por mulheres com deficiência no mercado de trabalho. Isso revela barreiras profundas: sobreposição de discriminação (machismo + capacitismo), falta de acessibilidade integral e microagressões que invisibilizam nossa feminilidade.
Não é comum ver mulheres com deficiência ocupando espaços de forma plural, forte e numerosa. Não é comum sequer nos ver. Nossa presença é sempre minoria, um “ainda bem que veio”. Mas, quando deixamos de ser exceção, o mundo se reorganiza e as narrativas também. Quando a maioria do ambiente é composta por mulheres com deficiência, a fadiga de acesso perde espaço para algo que a gente quase nunca experimenta: descanso das justificativas, dos olhares, da dúvida eterna sobre competência, da necessidade de educar o outro antes de começar qualquer conversa.
Juntas, somos força coletiva. Somos conectividade e futuro. A energia que circulou entre nós naquela noite mostrou que o mercado de trabalho ainda tem muito a aprender conosco, e que nós, juntas, temos muito a ensinar. Quando o espaço é acessível, o encontro acontece. E quando o encontro acontece, nenhuma porta permanece fechada. Não queremos mais autorização para existir. Queremos decidir, transformar, liderar. E vamos. Juntas.
E o mercado de trabalho, já está preparado para nos entender como maioria nos escritórios, nos eventos, nas lideranças, por toda empresa? A nossa união é um lembrete poderoso: nossas competências não podem ser confundidas com nossa eficiência ou nossos talentos. Somos líderes reais, possíveis, completas, pertencentes, persistentes e resilientes.
Até quando o mercado vai fingir que não existimos e empresas, eventos, universidades e espaços públicos realmente nos percebam como maioria possível e não como exceção?
Enquanto a sociedade continuar a nos tratar como “inspiradoras por existir”, enquanto o mercado ainda nos avaliar como ‘custo’, e não como ‘estratégia’, enquanto o capacitismo estrutural continuar definindo quem cabe onde, encontros como este continuarão sendo raros, mas não deveriam ser.
Esse evento prometeu mais do que pertencimento: prometeu continuidade. E é isso que vamos fazer: mais encontros, mais trocas, mais presença, mais mulheres com deficiência ocupando espaços como maioria, e não como concessão. A união de mulheres com deficiência é transformadora. Juntas, somos ‘imparáveis’.