Opinião

Sim, existe vida após a escassez

Mesmo depois de vencer tantas batalhas e alcançar o que parecia impossível, a sensação sai do bolso, mas permanece na cabeça

Bárbara Brito

Presidente do Jantar Preto 21 de outubro de 2025 - 15h15

 

Este é um texto para mulheres que cresceram, conquistaram espaço, romperam ciclos e mudaram de realidade — mas que, mesmo assim, ainda vivem com medo. Medo de perder o que construíram, de voltar para o lugar de onde saíram, de não serem mais suficientes.

É um medo silencioso, difícil de nomear, mas fácil de sentir. Um medo que não combina com tudo o que você conquistou, mas que insiste em te acompanhar como se fosse parte da proteção, não é assim? E talvez por tanto tempo tenha sido mesmo, porque, lá atrás, ele servia para nos manter alerta, para não deixar que o chão sumisse debaixo dos nossos pés.

O curioso é que, mesmo depois de vencer tantas batalhas e alcançar o que parecia impossível, a sensação de escassez continua. Ela sai do bolso, mas permanece na cabeça. E é aí que mora o perigo: quando o medo de perder fala mais alto do que a confiança de merecer.

Você se acostuma a olhar para tudo com cautela, como quem teme que qualquer movimento errado faça desmoronar o que levou anos para erguer. Vive em estado de atenção constante, sempre pronta para o “e se?”. E, sem perceber, continua respondendo à vida com a mentalidade de quem ainda está tentando sobreviver, mesmo tendo finalmente conquistado o direito de viver.

A gente segura o trabalho com força, o relacionamento, o status, o dinheiro, como se abrir mão fosse sinônimo de fracasso. E nesse movimento, o medo se disfarça de prudência, mas o que ele realmente faz é paralisar. Você se torna boa em segurar, mas perde a leveza de fluir. Boa em garantir, mas distante de aproveitar. Enquanto tenta evitar a perda, deixa de sentir o que já ganhou. E até mesmo de reconhecer a mulher que se tornou.

O medo da escassez faz com que você se compare pelo que falta, e não pelo que já existe. Faz acreditar que só está segura se estiver produzindo, crescendo, acumulando. Mas a verdade é que essa lógica nunca termina, porque é difícil se sentir em paz com o que tem. E a paz é justamente o que você procurava o tempo todo.

A vida não é sobre acumular. É sobre sustentar a tranquilidade de saber que o suficiente já está aqui. Que o que você construiu é real, fruto de esforço, talento e escolhas e que está longe de ser sorte ou acaso. Voltar atrás pode assustar, porque você conhece esse lugar. Conhece o vazio de possibilidades, o aperto do incerto. Mas esse tempo já passou. Ele existe apenas como lembrança, não como herança.

Escassez é uma narrativa que a gente contou por tanto tempo que quase esqueceu que podia escrever outra. Uma história sobre o que cabe, o que sobra, o que cresce. Sobre viver com plenitude, não com medo. Escassez é só uma palavra de uma história que não é mais sua.