Influencers fazem política?
Criadores de conteúdo são capazes de ir além da esfera institucional e atuar no dia a dia, moldar narrativas, ampliar vozes e transformar percepções coletivas

(Crédito: Shutterstock)
O poder da influência digital é uma realidade e, no Brasil, esse mercado só cresce. Segundo a Influency.me, o país é um dos líderes globais no número de influenciadores digitais, com mais de 2 milhões de criadores de conteúdo, o que representa um crescimento de 67% em relação ao ano passado.
Em 2024, o setor movimentou aproximadamente R$ 3,5 bilhões, de acordo com o Influencer Marketing Hub. O público também acompanha essa tendência: pesquisa da Nielsen aponta que 82% dos consumidores já compraram algo a partir da recomendação de um influenciador.
Dinheiro fácil x engajamento social
A grande mudança que tem ocorrido nos últimos anos é um momento de reflexão sobre como esse alcance pode ser utilizado. Mais do que entretenimento, a influência digital já é reconhecida como um ativo econômico, cultural e político.
Se, antigamente, influenciadores eram aliados das marcas apenas para venderem produtos com esquemas de parcerias simples como publiposts; agora, eles também ditam tendências, opiniões, sonhos e aspirações.
O que temos de um lado: influenciadores que desrespeitam a infância em busca de engajamento ou que estabelecem parcerias com plataformas de apostas ilícitas, alimentando um suposto “estilo de vida” no qual a aposta adquire forma de renda extra e trabalho.
Esse tipo de conteúdo faz com que influencers digitais sejam vistos como figuras aspiracionais da lógica do “dinheiro fácil”. São pessoas que alimentam a ideia de que qualquer um pode virar milionário fazendo algo que não demanda estudo formal e qualquer um pode fazer (conteúdo digital ou jogos de aposta).
Do outro: há criadores que entendem seu papel social e usam sua voz para fortalecer debates públicos e provocar mudanças concretas. Um exemplo emblemático é o influenciador Felca, que com um vídeo sobre a exposição inadequada de crianças na internet conseguiu mobilizar a sociedade civil e a política. Em pouco tempo, uma lei em seu nome já foi sancionada. Esse caso mostra como a força de um criador de conteúdo pode ultrapassar a esfera da comunicação e impactar diretamente a agenda legislativa.
Influência tem cor
Diante de todo esse cenário, não podemos deixar de lado que o racismo também atravessa a internet. Atualmente, inúmeros são os relatos de creators negros que estão tendo dificuldades para se manterem no mercado.
Por isso, é importante buscar estratégias para que a diversidade também ocorra na esfera digital. Assim como em uma empresa, onde pessoas brancas costumam ter mais acesso e chances de ascensão, creators negros também podem estar em desvantagem em variáveis como: tempo para se dedicar à produção de conteúdo diante de outras demandas, poucos recursos tecnológicos, entre outros pontos.
Ao mesmo tempo, são esses produtores de conteúdo que sabem se comunicar com o público de forma estratégica e geram conexão. Por isso, já passou da hora dos órgãos públicos ou marcas contarem com o talento desses comunicadores para ecoarem suas campanhas.
Um exemplo que me chamou atenção foi a iniciativa da Sabesp em parceria com a Digital Favela, que criou uma escola de influência digital para formar comunicadores locais e, assim, aproximar pautas relacionadas ao saneamento básico das comunidades de forma efetiva e orgânica.
Regulamentação já
Esses exemplos reforçam que, sim, influencers são capazes de fazer política. Não apenas no sentido institucional, mas no dia a dia, ao moldarem narrativas, ampliarem vozes e transformarem percepções coletivas.
Por isso, a consolidação do marketing de influência como uma indústria exige também o debate sobre a regulamentação da profissão com diretrizes claras. Garantir essas regras significa valorizar o trabalho dos criadores, proteger consumidores e estabelecer parâmetros éticos em um setor que impacta milhões de pessoas diariamente.
O papel das marcas
Para além das regras, há também uma reflexão que cabe às marcas: a importância de se alinhar com influenciadores que compartilhem valores e propósitos verdadeiros.
Em um mundo onde a reputação é cada vez mais pública e transparente, o desafio não é apenas escolher quem tem mais seguidores, mas quem tem mais coerência e credibilidade. Afinal, influência não é apenas sobre vender produtos, é sobre ditar tendências e moldar consciências.