Opinião

A farsa das conexões e o fantasma do ghosting

Autenticidade se faz com o genuíno, não com situações artificiais ou coisas inventadas

Gal Barradas

Growth & marketing leader da Rio Bravo Investimentos 16 de outubro de 2025 - 9h48

(Crédito: Shutterstock)

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Vivemos uma era em que as conexões profissionais estão mais complexas. Porque muitas não são conexões de fato. Uso o Linkedin com frequência e leio muitas queixas, já faz tempo. Ouço as mesmas reclamações ao vivo nas mentorias também… elas dizem respeito a questões relacionais de um modo geral… coisas do comportamento real que reverberam. 

Vou falar um pouco sobre os meios, embora o problema esteja no conteúdo… A começar pelo LinkedIn, que foi criado para ser um espaço de troca, de construção de relacionamentos, ampliação de aprendizado mútuo e geração de negócios. Assim compreendo que seria o propósito desta rede. Mas temos lá centenas e centenas de conexões que a gente não se lembrava mais, muitas que nem sabemos por que razão temos.

Talvez fosse gentil que as pessoas se falassem dizendo por que razão queriam aquela “conexão”. Tem gente que faz isso, acho educadíssimo. Me sinto à vontade para um dia, se eu precisar, entrar em contato com esta pessoa. Eu também já mandei esse tipo de mensagem ao pedir conexão (confesso que nem sempre).  

São vínculos frágeis, baseados apenas num determinado interesse ou percepção, sem qualquer sustentação real de conhecimento, empatia ou sintonia profissional, digamos assim. Mas é uma prática super comum. Fiz um levantamento aqui entre as minhas mensagens e, das últimas 20 pessoas pra quem perguntei “você tem proximidade de tal pessoa ou é só amizade de LinkedIn?”, em 100% dos casos, a resposta foi “não sou próximo, é apenas contato da rede mesmo”.

Ao fazer esta crítica, estou me incluindo nela, porque também já dei esta resposta a alguém que me perguntou sobre um contato. Simplesmente, virou uma coisa comum. Claro que o problema, como em todo uso de tecnologia, não é a ferramenta, mas o que se faz com ela.  

Corremos o risco de ter um ciclo vicioso ruim, num ambiente que poderia ser tão bom. E se fosse só bom, já estaria ótimo. Ter seguidor é uma coisa, ter “conexão” é outra. Qual o sentido desta palavra?  

O reflexo da fragilidade destas relações em geral não está só no LinkedIn. Mesmo que você tenha acesso ao WhatsApp de alguém porque este alguém lhe franqueou o número, é preciso uma ética para se comunicar ali. De ambos os lados. 

Pessoalmente, não gosto que alguém que eu não conheço me mande uma mensagem invasiva, forçando uma intimidade que não temos, sobretudo se não forneci o número do meu WhatsApp para ela. Tem muita gente sem este tipo de educação. De novo, a questão da ética no uso das ferramentas…  

Mas tem muita gente que a gente conhece de verdade. E, voltando ao primeiro parágrafo, uma queixa comum diz respeito ao ghosting de alguém que, supostamente, é sua “conexão”. Você já trabalhou com esta pessoa, fez trabalhos junto, é considerado seu “colega de mercado”, e a pessoa não te responde. O ghosting é ruim, deixa um gostinho ruim (sem intenção de trocadilho). Mas é corriqueiro.

Um contato, que deveria estimular colaboração ou suscitar alguma resposta, ainda que não seja a esperada por quem envia a mensagem, acaba reforçando a descartabilidade de pessoas. “Se você me for útil hoje, te respondo. Se não for, esquece”.  

Muito provavelmente, uma das origens disso está ligada a uma sensação de superioridade. Pessoas que acreditam que, por “terem alcançado o sucesso”, não “precisam de mais ninguém”. Falta a percepção básica de que o mundo está sempre em movimento. Sou a favor de dar uma resposta para um colega, um amigo, ex-parceiro, mesmo que seja um “não vou poder te dar atenção sobre isso agora” ou “sinto muito, não faz sentido pra mim ou pra minha empresa”. Mesmo que uma pessoa continue no alto do seu sucesso, não seria interessante considerar apenas ser educado com alguém que está no mesmo mercado que você e que você conhece? 

“Ah, Gal, mas uma pessoa não pode ter simplesmente esquecido de responder?”. Claro que pode, mas quando várias pessoas comentam que ela faz isso recorrentemente, fica mais difícil de interpretar positivamente.  

“Ah, Gal, mas a pessoa não tem o direito de simplesmente não responder?”. Claro que tem. Todos temos direito de exercer a nossa liberdade. Só não considero educado, nem construtivo; e este é um direito meu 🙂 

Mas acredito que não é apenas uma soberba que alimenta este fenômeno. Preconceitos invisíveis também atuam nos bastidores: o etarismo, o machismo, o racismo, que geram uma ideia preconcebida de que “não tenho como ajudar essa pessoa”. Ajudar, no entanto, não é apenas indicar para vagas ou contratar trabalhos. Muitas vezes, ouvir já é um gesto transformador. Uma opinião sincera pode valer mais do que qualquer coisa. O mínimo de presença e disponibilidade já rompe a lógica fria do “te coloco (ou coloco seu pedido) num lugar de insignificância para mim”.  

Outro fenômeno que cresce no ambiente profissional é o da “mentira simpática”, que é, novamente, o despejo ilusório de elogios, sobretudo em entrevistas de emprego ou em posts públicos — “incrível”, “maravilhosa”, “inspiradora”, “você falou tudo que precisamos” — para agradar os egos ou se sair como “muito legal”.

Porém, logo após a dose de entusiasmo, vem o desaparecimento. É uma cordialidade momentânea, e sem consistência alguma. O que sobra é uma sensação de manipulação: esta prática desgasta a confiança e pode transformar relações profissionais em um terreno inseguro e, talvez, tóxico, porque mexe com emoções que não se sustentam. 

Acredito que seria melhor exercer relações mais equilibradas e sinceras.  

Ninguém existe sozinho. Por isso, entendo que deveria ser um esforço de todos. Caso contrário, o efeito colateral é vermos cada vez mais gente fora do tom, buscando “autenticidade” a todo custo, para tentar vencer o padrão de não ser enxergado. Só que autenticidade se faz com o genuíno, não com situações artificiais ou coisas inventadas, que não são sustentáveis, que só criam mais problemas. 

Enfim, embora tenha escutado e observado sobre estas pioras no terreno do networking, torço para que isso mude e melhore muito de qualidade. O cérebro humano tende à repetição de padrões. Se achamos normal tudo isso acontecer, mais e mais estes padrões vão se repetir.  

Fico me perguntando: por que isso? O que o mercado de trabalho ganha com relações e comportamentos inconsistentes? Quem ganha com isso? Traz uma consequência de pessoas inseguras, instáveis e perdidas porque não conseguem reverberação (positiva ou negativa) para suas atitudes e para o seu próprio valor.  

O efeito colateral disso é a gente ver o uso de muitos superlativos, performances infladas, muitas frases feitas, especialistas “iluminados”, e contatos colecionados como figurinhas raras, mas que nada mais são que mais um nome na prateleira das “conexões” que nem conhecemos. 

Por fim, acredito que tudo isto também revela como estamos embebidos na dinâmica das redes sociais – onde a quantidade e/ou a superficialidade são naturais –, e não da networking de verdade, onde a qualidade e a real conexão deveriam existir por semelhanças e sintonias.  

Deveria interessar a todos que o mercado, que nada mais é que conjuntos de pessoas, pensasse em relações e networking profissionais de maneira mais séria, segura e equilibrada. De todas as partes. 

Para reflexão.