Quando a transparência deixa de ser um dever
Aprendizados da Sustainability Week Europe, direto de Amsterdã, sobre confiança, regulação e valor

Mesa de abertura do Sustainability Week Europe, em Amsterdã, com a prefeita da cidade e Paul Polman, empresário e ativista pela causa climática (Crédito: Arquivo Pessoal)
Falo direto de Amsterdã, onde acontece a Sustainability Week Europe esta semana. Esse primeiro artigo é uma curadoria de aprendizados em torno dos primeiros painéis. Logo de cara, percebo que a transparência deixou de ser um tema moral e se tornou uma competência estratégica por aqui.
Nos últimos anos, passou de exigência regulatória para linguagem central da economia verde, o eixo que procura devolver a credibilidade das empresas e definir a capacidade de mantê-las relevantes em um mundo que cobra coerência entre discurso e prática.
Um dos aprendizados mais consistentes dos painéis é que transparência gera eficiência. Diferentemente do que somos levados a acreditar num primeiro momento, de que levaria a riscos, novos custos e limites ligados a perda por mudanças forçadas.
Ao mapear emissões e impactos, as empresas não apenas cumprem normas, mas adquirem uma nova forma de inteligência: passam a compreender melhor como funcionam, onde estão suas vulnerabilidades e quais relações realmente importam.
As cadeias de suprimento, antes tratadas como engrenagens invisíveis, tornaram-se o coração dessa virada. É nelas que se concentram a maior parte das emissões e também os maiores riscos: ambientais, sociais, reputacionais. Sem visibilidade sobre esse território, não há estratégia possível.
A transparência não é, portanto, um fim. É uma ferramenta que muda a lógica da decisão. Empresas que investem em suas cadeias criam eficiência, segurança e valor compartilhado. Alguns dos painelistas foram repetitivos em mostrar que o investimento na jornada de tornar os fornecedores sustentáveis gera valor para todos e reduz riscos futuros.
“O dado, quando bem usado, não serve apenas para provar algo ao mercado, mas para reorganizar prioridades internas, definir onde investir, o que repensar, o que abandonar.”, afirmou um dos painelistas.
Por isso, o discurso e a resistência às novas regulações por aqui começam a mudar. O que antes era visto como custo de conformidade começa a ser reconhecido como motor de inovação. As companhias que tratam o disclosure como ferramenta de aprendizado, e não como obrigação, ganham vantagem competitiva. A Decatlhon, por exemplo, na busca pelo gol de se tornar net-zero até 2025 viu sua produção se tornar mais eficiente desde que assumiu o compromisso e passou a monitorar os impactos.
Em vez de responder à pressão, as empresas presentes antecipam movimento. Em vez de esconder, traduzem. Essa transparência ativa, que não se limita a mostrar, mas a compreender, é o que diferencia uma organização adaptável e inovadora de uma apenas obediente e resistente às mudanças tão necessárias.
Há também um deslocamento ético importante: não se trata mais de mostrar que se faz o certo, mas de saber por que e como se faz. Quando uma empresa expõe suas interdependências, ela passa a enxergar-se como parte de uma teia de fornecedores, consumidores, territórios e sistemas naturais. Essa consciência relacional é o que sustenta a resiliência e a coevolução. A regulação, nesse sentido, não é um freio ou apenas um custo, mas um espelho: ela obriga o sistema a se ver, a reconhecer suas externalidades e a agir sobre elas.
A confiança nas empresas, tão abalada nos últimos anos, pode ser reconstruída nesse terreno. A pergunta não é mais “o que você promete?”, mas “o que você mostra e o que faz com isso?”. E as marcas que compreendem esse deslocamento descobrem que transparência é também uma forma de comunicação, uma narrativa que se escreve com dados, coerência e vulnerabilidade.
Simplificar a linguagem, torná-la humana, emocional e compreensível é parte da mesma transformação. Os consumidores querem saber de onde vêm os produtos, o que eles custam ao planeta e se as empresas realmente se importam. A confiança nasce quando o consumidor percebe que o discurso é acompanhado de consistência e que a empresa o convida para fazer parte da jornada, não apenas para aplaudir resultados.
No fundo, o que está em curso é um reposicionamento da ideia de valor. O mercado global já não recompensa quem faz mais, mas quem faz melhor, com clareza, responsabilidade, adaptabilidade ágil e abertura para a mudança.
A transparência, quando compreendida como oportunidade, cria uma nova ética para os negócios: uma que entende que se conhecer e se revelar é parte da transformação.