Por que se manter no palco é tão difícil quanto chegar
Como uma das poucas mulheres que ocupa o cargo de liderança na indústria musical, falo com propriedade que a responsabilidade pela equidade não é só nossa

(Crédito: Shutterstock)
Com tantos eventos musicais ganhando espaço ultimamente, como o The Town, por exemplo, um dos maiores festivais de música, cultura e arte que acontece em São Paulo, um dado ainda nos surpreende na indústria musical: as mulheres recebem apenas 10% dos direitos autorais, segundo o estudo “Por elas que fazem a música”, lançado pela União Brasileira de Compositores (UBC) e o relatório “Mulheres na Música 2025”.
Outro número que também gera espanto é que apenas 16 canções entre as mais tocadas em shows têm uma mulher com participação no processo criativo. Estes números escancaram a falta de equidade na indústria musical, que traz várias camadas para além da violência de gênero.
Apesar da disparidade, a participação feminina no setor de produção musical tem crescido a passos lentos. Segundo a União Brasileira de Compositores (UBC), a porcentagem de associadas mulheres passou de 13% para 17% em 2025, sendo que 60% delas têm entre 18 e 40 anos.
Em festivais de música, a representatividade feminina deu um salto, passando de 11% em 2016 para 35,6% em 2024. Porém, muitos desses eventos ainda escalam um número muito baixo de artistas mulheres. O Rock in Rio teve 30,4%, enquanto o Abril Pro Rock não teve nenhuma mulher em sua programação.
Para equiparar esses números ou, ao menos, reduzir essa desigualdade, precisamos levantar o debate sobre a participação feminina na música propondo gerar uma tomada de consciência das mulheres em relação à importância do nosso papel na indústria. Promover igualdade, inclusão e diversidade social é crucial para o sucesso e a sustentabilidade dos negócios, além de ser uma demanda do próprio público.
Se manter é tão difícil quanto chegar
No Brasil, o movimento “feminejo” deu visibilidade a compositoras e intérpretes, como Marília Mendonça, Maiara & Maraisa, entre outras. Podemos até comemorar alguns avanços como a criação do WME Awards (Woman’s Music Event Awards), premiação que celebra e reconhece o trabalho de mulheres na indústria musical, mas não devemos esquecer que essa indústria ainda é tomada por desigualdades de gênero que impõem obstáculos à participação feminina, se tornando um ambiente hostil e que desestimula a produção musical feita por mulheres.
Uma pesquisa realizada pela União Brasileira de Compositores (UBC) que ouviu mais de 250 compositoras, intérpretes, musicistas, produtoras fonográficas e técnicas revelou que 79% delas já passaram por discriminação de gênero, enquanto 53% declaram que nunca receberam valores de direitos autorais.
A indústria musical tem sede de transformação. E essa mudança precisa ser compartilhada. Os homens e as pessoas brancas também carregam o dever de dividir o peso e usar seus lugares de privilégio para construir uma mudança real. Abrir espaço não é apenas sobre quem consegue entrar; é sobre quem decide quem entra.
E quando falo em abrir espaço, penso na potência criativa das periferias, especialmente da mulher negra periférica. Muitas vezes essa criatividade nasce da necessidade diante das barreiras impostas, mas ela também traz soluções únicas, novos olhares e inspirações que podem redefinir empresas, marcas e lideranças. Essa produção precisa ser reconhecida como referência, e não como exceção.
Diversidade na cocriação entre marcas e artistas
Uma movimentação importante que tenho acompanhado na indústria musical é que as campanhas de marcas estão apostando, de forma muito intensa, em colaborações com artistas fora da cena tradicional, que trazem diversidade para as produções.
Acredito em um olhar mais atento para os ritmos regionais e expressões culturais que foram historicamente marginalizados ou deixados de lado, sobretudo relacionados ao povo negro. O rap, o funk, trap, o soundsystem, o piseiro, entre outras vertentes culturais, vem ganhando destaque em campanhas nacionais e globais, abrindo espaço para a pluralidade sonora.
A música deixou de ser vista apenas como a trilha sonora que é inserida no final de uma campanha. Hoje, ela não só embala a mensagem, mas define o tom, impulsiona o engajamento e, muitas vezes, antecede até mesmo o conceito visual e textual. Por isso, a cocriação tem trazido não só originalidade, mas também autenticidade às narrativas, tendo em vista que artistas periféricos e independentes, com seus repertórios únicos, estão ocupando espaços importantes e imprimindo novas camadas de significado às campanhas. As marcas que entendem e colocam a música na alma da campanha, convidando o público a co-criar, remixar e participar, estão transformando campanhas em movimentos culturais vivos.
E, como uma das poucas mulheres que ocupa o cargo de liderança na indústria musical, falo com propriedade que a responsabilidade pela equidade não é só nossa. A mudança não pode vir apenas das mulheres ou das mulheres negras. É essencial que pessoas brancas, principalmente os homens que ainda ocupam a maioria das cadeiras de decisão, se comprometam ativamente.
São eles que contratam, que escolhem quem senta à mesa. É sobre repartir o peso da mudança e cobrar comprometimento de quem ainda está no topo da pirâmide.