Opinião

Acabou a brincadeira

Como a preocupação com a adolescência, tema antes restrito a especialistas e famílias, tem se tornado uma discussão cultural ampla

Rita Almeida

Head do Lab Humanidades, da AlmapBBDO 18 de setembro de 2025 - 15h16

(Crédito: Shutterstock)

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O que é e como é ser adolescente no século 21 e os perigos que rondam essa fase de vida é o assunto do momento. O seriado “Adolescência”, da Netflix, foi pioneiro em trazer o tema à tona e, recentemente, o vídeo do influenciador Felca, que coloca luz sobre o esquema criminoso de adultização de crianças e adolescentes na internet.

Todo esse movimento cultural discute o abuso dos adolescentes, o aumento de problemas de saúde mental entre eles, a crescente prática de bullying e cyberbullying, assim como o aumento da probabilidade de suicídio entre crianças e adolescentes. Novos fenômenos que precisam de atenção e regulamentação.  

Dados do SUS demonstram que, pela primeira vez, os registros de ansiedade em crianças e jovens superaram os de adultos, enquanto pesquisa da Fiocruz revela que atualmente a chance de um adolescente provocar suicídio é 21% maior do que entre jovens adultos.  

E tem ainda o bullying e cyberbullying: estudo da UFMG com o IBGE revelou que 13,2% de estudantes de 13 a 17 anos no Brasil já foram vítimas dessa prática, sendo maior junto a estudantes do sexo feminino (16,2%). 

O quadro é triste, alarmante e de uma complexidade impressionante. Envolve diferentes atores, como a iniciativa pública, a escola, os professores, os pais, sistemas criminosos organizados, o papel das big techs, assim como as inseguranças e buscas emocionais dos próprios adolescentes.  

Desde que foi instituída como um momento formal de vida, com a obra do psicólogo G. Stanley Hall (“Adolescence”, 1904), a adolescência vem carregada de angústias do crescimento e das inúmeras transformações que envolvem principalmente sair da proteção familiar para conquistar seu lugar no mundo.

A grande diferença, de lá para cá, é a camada da tecnologia que envolve o uso excessivo do celular, a vida superexposta na internet e o uso dessas ferramentas como amplificador dos riscos. É o momento mais delicado de crescimento das vidas de nossos filhos, netos, sobrinhos, dos nossos adolescentes como sociedade. Algo que diz respeito a cada um de nós brasileiros, independentemente de termos ou não filhos nessa idade.  

Muitos são os especialistas e jornalistas que vêm discutindo esse assunto e eu gostaria de mencionar aqui a maravilhosa entrevista do Pedro Bial com o Felca. Na abertura da conversa, Bial lembra o jornalista e autor canadense Malcom Gladwell e seu livro “Ponto de Desequilíbrio”. A tese do Malcom fala sobre temas, ideias, produtos e comportamentos sociais que, antes restritos a um nicho de discussão, se espalham como epidemias.   

O crescente interesse pela adolescência no Brasil é um clássico “ponto de desequilíbrio”: a preocupação já existia em um nicho (os especialistas e talvez uma parte dos pais e professores), mas foi preciso a ação de “vendedores” (propagadores do assunto, como a Netflix) e comunicadores (como o Felca) para que a mensagem ganhasse a alta aderência (fator de fixação) que deixou a sociedade mais receptiva ao tema, tornando-se um debate cultural amplo.  

O que mais me surpreende nesse contexto é o quanto nós, como sociedade, estávamos alheios a esse assunto, mesmo que estivesse acontecendo em nossas vistas e nossas vidas. Por isso, acho que a coisa mais bonita que ouvi sobre esse tema foi a declaração de Stephen Graham, o ator e produtor inglês de “Adolescência”, no programa “The Tonight Show”.

Graham declarou que, com esse seriado, ele não pretendia culpar qualquer segmento da sociedade, mas sim conscientizá-la sobre a responsabilidade de cada um de nós com esse assunto. Acabou a brincadeira. Agora já sabemos e não dá para dessaber. Para o ator, essa vontade de mobilizar a sociedade para resolver a questão da adolescência foi suportada pelo provérbio africano “É preciso uma aldeia inteira para cuidar de uma criança”. Pois é, nós somos a aldeia.  

E agora, o que fazemos com isso? 

Estamos apenas no início dessa discussão. Por isso, a primeira coisa que podemos fazer é continuar a discutir e aprofundar esse tema. Sentir que ele é NOSSO. Estarmos abertos para escutar adolescentes (especialmente), pais, professores e especialistas que possam nos trazer informações, conhecimento e sentimentos que envolvem a adolescência.

Esperamos que o governo trabalhe duro e rápido em regulamentações e leis que protejam os adolescentes, assim como a lei de janeiro de 2024 que criminaliza o bullying e o cyberbullying. Que as redes sociais e as fontes de IA estejam alertas a perfis e movimentos que ameacem a segurança de nossos adolescentes.  

Talvez o mais complicado seja mesmo ouvirmos os adolescentes. Suas respostas monossilábicas tendem a afastar qualquer diálogo. Quem sabe inicialmente o caminho não seja o diálogo, seja um olhar, desfrutar de momentos juntos fazendo o que eles gostem, cozinhar juntos, ver uma série juntos, trazer seus interesses para dentro da família. E, assim, o diálogo vem.

Sendo mãe de dois e avó do Rodrigo, agora com 14 anos, sei que uma das coisas mais difíceis para qualquer adulto é abrir uma conversa com um adolescente, mas andei pensando que essa não é uma conversa que vem pronta ou fácil, é algo para ser construído. Arrumar maneiras de nos aproximar e escutá-los é um ato de amor.  

O que queremos no final é que nossos adolescentes possam focar na construção de sua identidade e seus sonhos com segurança, em um ambiente que os protejam e permita que eles possam acreditar em possibilidades futuras. Com menos angústia e muito mais coragem, alegria e confiança.