Opinião

Entre filhos, briefings e futuros

Ser mulher, hoje, é se apropriar do direito de ocupar espaços, de construir narrativas e de multiplicar saberes

Cynthya Rodrigues

Head Comercial Latam na GMD 9 de setembro de 2025 - 12h01

(Crédito: Shutterstock)

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Existe uma força silenciosa, mas poderosa, no ato de ensinar. Ela não grita, mas ecoa. Não se impõe, mas transforma. É a mesma força que percebo diariamente na liderança corporativa, na maternidade e na sala de aula. Três universos que, para mim, não são compartimentos separados, mas dimensões que se alimentam, se cruzam e me completam.

Sou mãe, professora e executiva. Cada papel tem suas dores e delícias, mas todos partem de um mesmo lugar: o desejo genuíno de transformar o outro por meio do cuidado e do conhecimento. Não aquele cuidado associado à docilidade passiva que, por tanto tempo, foi imposto às mulheres, mas o cuidado ativo, estratégico, que acolhe e impulsiona, que escuta e direciona, que enxerga o todo sem perder o detalhe.

Já era líder muito antes de ser mãe ou professora. Minha carreira foi construída em meio a negociações estratégicas, metas ousadas e decisões complexas, sempre com os pés no agora e os olhos no futuro. Mas foi ao me tornar mãe de gêmeos e mergulhar na experiência de ensinar que comecei a acessar uma outra camada da liderança.

A maternidade me trouxe uma nova lente: mais empática, mais generosa, mais conectada com o tempo e a vulnerabilidade do outro. E a docência me ensinou a escutar com mais intenção, a traduzir conceitos com mais clareza e a reconhecer o potencial mesmo quando ele ainda está em estado bruto.

Hoje, com o universo dos games como pano de fundo, vejo como tudo isso se conecta. Os estudantes com quem atuo no núcleo Overbite e na pós-graduação em Game Business, ambos na ESPM, não enxergam mais os jogos apenas como lazer. Eles compreendem seu potencial como uma indústria pulsante, inovadora e cheia de oportunidades de carreira. E a cada troca com eles, me lembro que as habilidades mais valiosas no mundo contemporâneo e no futuro são justamente as mais humanas: empatia, escuta ativa, inteligência emocional e capacidade de inspirar.

Da sala de reunião à sala de aula (e vice-versa)

Na GMD, à frente da área comercial da América Latina, lido com metas ambiciosas, estratégias de expansão, negociações complexas e posicionamento de marcas no ecossistema gamer. Por trás de cada estratégia de negócio que lidero existe um objetivo maior: ajudar a preparar o ecossistema para o futuro que queremos ver.

Foi com esse propósito que aceitei o convite para ser mentora do núcleo Overbite da ESPM, um espaço que conecta estudantes universitários ao mercado real de games e e-sports. Um setor que já movimenta mais de 180 bilhões de dólares por ano no mundo, superando, inclusive, as indústrias da música e do cinema somadas, mas que ainda enfrenta desafios de diversidade, equidade e representatividade.

E nesse local de privilégio, proponho dinâmicas práticas, organizo visitas e eventos, discuto tendências de mercado e, acima de tudo, escuto. Escuto para orientar, para acolher, para provocar. Mais do que preparar estudantes para o mercado, busco ajudar cada um deles a reconhecer o próprio lugar nesse mercado. Mostrar que eles pertencem, que podem liderar, transformar e inovar. Assim como um dia precisei que alguém fizesse isso por mim.

Representatividade que transforma

Falar de games ainda significa, muitas vezes, atravessar um território que historicamente não foi construído para mulheres. Em salas de aula, eventos e rodas de conversa, ouço relatos recorrentes de jovens que cresceram jogando, mas nunca se imaginaram trabalhando com isso. Que são apaixonadas por tecnologia, mas não se veem liderando projetos nesse campo. Que têm talento, mas não se sentem parte do jogo.

É por isso que defendo com tanta convicção a importância da presença feminina como força ativa e transformadora. Não basta abrir portas. É preciso segurar a mão de quem vem atrás e dizer “você pode entrar”. É mostrar, com exemplos concretos, que é possível ser mãe e executiva, professora e especialista em e-sports. Que não é preciso escolher entre carreira e maternidade, entre liderança e afeto. Podemos, sim, ocupar múltiplos papéis com verdade, presença e potência.

Cada aula, cada conversa informal, cada projeto que oriento é uma tentativa de romper estigmas, ampliar horizontes e plantar sementes. E o mais bonito de tudo isso é perceber que a troca é mútua. Os estudantes também me transformam. Me desafiam a rever certezas, me atualizam sobre o mundo, me inspiram a continuar aprendendo. Ensinar, afinal, é uma das formas mais profundas de crescimento pessoal e coletivo.

Liderança com propósito

Conciliar maternidade, liderança e docência exige jogo de cintura, presença plena e capacidade constante de reorganizar prioridades. Às vezes significa renunciar a algumas coisas, adiar outras, ajustar rotas. Mas é justamente nessa multiplicidade que encontro meu propósito.

Meus filhos me ensinam sobre tempo, paciência e amor sem medida. Meus alunos me ensinam sobre curiosidade, coragem e futuro. E a GMD me ensina todos os dias sobre estratégia, inovação e impacto. Esses três pilares me formam como profissional, mas sobretudo como mulher.

Ser mulher, hoje, é se apropriar do direito de ocupar espaços, de construir narrativas e de multiplicar saberes. E é exatamente nesse ponto de encontro entre o game e o giz, entre o pitch e o colo, que escolho estar. Todos os dias.