Opinião

Mulheres com deficiência: liderança para além da diversidade

A representatividade verdadeira acontece quando conseguimos ser percebidas em toda a nossa pluralidade, em todos os nossos talentos

Carolina Ignarra

CEO e fundadora do Grupo Talento Incluir 4 de setembro de 2025 - 9h38

Ana K., Carolina Ignarra, Dani Sagaz e Isa Meirelles (Crédito: Divulgação)

Ana K., Carolina Ignarra, Dani Sagaz e Isa Meirelles (Crédito: Divulgação)

Ao longo da minha carreira, à medida que fui crescendo, por vezes me sentia estranha. Em alguns momentos, não me sentia parte das reuniões, eventos, entregas. Não tinha muita clareza do sentimento, até que comecei a ser puxada, por mulheres sem deficiência, e com elas descobri que essa sensação tem nome: solidão. A ausência de representatividade de outras mulheres parecidas comigo me traziam o sentimento de não pertencer.  

O que posso fazer para mudar essa realidade? De novo, seguindo o exemplo das mulheres com deficiência, tenho me dedicado a abrir caminhos para que mais mulheres com deficiência também ocupem lugares de protagonismo e liderança.  

Para escrever esse artigo, puxei uma conversa com três mulheres com deficiência, profissionais maduras, que sabem o que querem e o que não querem em suas carreiras: Isa Meirelles, Ana Kelly Melo ou Ana K, como é mais conhecida, e Daniela Sagaz. Nosso papo foi sobre a representatividade da mulher com deficiência em cargos de liderança.  

Uma reflexão central surgiu desse diálogo: nossa atuação invariavelmente é resumida às áreas de Diversidade, Equidade e Inclusão, que sim, é uma pauta que nos atravessa e que muito nos custa, mas que não necessariamente é o nicho que queremos seguir. E quando é, como no meu caso, por vezes sou anulada como empreendedora de sucesso, ou como executiva que equilibra carreira e maternidade.  

Para as minhas convidadas desse papo, esse desafio impacta diretamente o crescimento da carreira delas nas grandes empresas que estiveram ou estão, pois mesmo fazendo grandes entregas em suas áreas, o reconhecimento para além de suas deficiências demoram a chegar.    

Isa Meirelles é formada em relações públicas e atua como gerente de comunicação interna em uma multinacional de tecnologia. Ela tem baixa visão. A Isa destacou um ponto que atravessa a trajetória de muitas de nós: o capacitismo velado.

“A maior barreira no início da carreira foi lidar com os estereótipos. Pessoas com deficiência ainda são percebidas como ‘representantes da cota’, infantilizadas e constantemente questionadas quanto à sua senioridade”, disse Isa. Aos 32 anos, ela fez um movimento intencional para mostrar que é, antes de tudo, uma profissional de comunicação corporativa. “Eu quis me posicionar além da área de inclusão, porque nós não somos só esse tema. Podemos estar em qualquer lugar do mercado.” 

Ana K., uma mulher de 34 anos com amputação de perna direita abaixo do joelho, que atuou como gerente executiva de RH em grandes empresasnacionais e multinacionais, compartilhou um dilema semelhante. Ela começou produzindo conteúdo sobre os direitos das pessoas com deficiência nas redes sociais, mas passou a ampliar seu discurso. Em uma das empresas em que trabalhou, seu Instagram tinha mais seguidores que o da própria empresa.  

“Emprestei minha voz à pauta da diversidade, mas percebi que minha autoridade estava sendo limitada a esse tema”, contou. Para Ana, assumir cargos estratégicos em outras áreas ainda é um desafio: “Quantas mulheres com deficiência estão em cargos de diretoria de negócios e não apenas em áreas criadas para a diversidade? São pouquíssimas”, argumenta. Ela tem razão. 

Evidentemente, ainda somos farol para as demais mulheres com deficiência e, se não falamos sobre nossas questões, ficará uma lacuna, lembra Ana K. Mas é fato que temos que nos permitir ocupar outros lugares que pretendemos para nossas carreiras, com nossas deficiências. 

Daniela Sagaz, 37 anos, uma mulher com deficiência física congênita, com ausência do braço esquerdo e da perna direita, é líder de diversidade, equidade e inclusão em uma multinacional. Ela viveu a experiência de criar uma área inteira dentro da empresa. Ainda assim, percebeu que sua identidade profissional ficava restrita a esse crachá.  

“Precisei me reencontrar como profissional além desse título”, revelou. Agora, acaba de estrear em seu mais novo papel como mamãe do Matteo, que chegará nos próximos dias. Dani foi categórica: quando voltar da licença maternidade, não quer mais ocupar a mesma área. A escolha é por se expandir, sem se limitar a um único rótulo.

“Cheguei ao mercado pela Lei de Cotas, mas não é ela que me manteve até hoje. Investi na minha carreira e não me acomodei na Lei, o que todas as pessoas com deficiência deveriam ter a oportunidade de fazer. Tenho tentado mostrar que é possível”, sabiamente reforça.

Esses relatos se conectam em uma mesma linha: a representatividade da mulher com deficiência não pode ser restrita a um único espaço. Nossas competências e vivências têm valor em qualquer área do mercado que escolhemos atuar. Mas, o caminho ainda é longo. 

Falamos também sobre maternidade, tema que atravessa a vida de todas as mulheres. Isa lembrou da pressão do tempo e da dúvida sobre quando e se deve ser mãe. Dani compartilhou que tomou a decisão depois de alcançar estabilidade em sua carreira. Eu mesma senti a urgência imposta pela deficiência em meu processo de maternidade. Cada trajetória é única, mas todas revelam o quanto equilibrar carreira, corpo e escolhas é atravessado pela deficiência de formas que outras mulheres talvez não percebam. 

Outro ponto forte da nossa conversa foi a importância da comunidade. Como Isa Meirelles lembrou, “a comunidade evita que a gente se sinta sozinha e fortalece a confiança de cada uma”. Essa rede de apoio e troca é essencial, porque ainda somos poucas em cargos de liderança, e muitas vezes nos sentimos invisíveis.  

Atentas a essa importância, criamos um grupo na rede social, formado por mulheres com deficiência potentes, que trazem novas narrativas, pautas e demandas que precisam estar em nossos discursos, em nossos posts, apresentações. É um aprendizado diário por meio de histórias reais que vão surgindo a cada barreira e a cada conquista. 

O caminho que pode ajudar no avanço da carreira da mulher com deficiência, para a Ana K, deve ser efetivo, e não temporário. “É preciso aprender a decodificar o ambiente corporativo. Nós, pessoas com deficiência, fomos privadas de entender bem esses códigos por diversos motivos e o capacitismo é só um deles.”

No fim desse papo, saímos com uma certeza compartilhada de que precisamos ocupar mais espaços além da área de diversidade nas empresas e fazer isso de maneira intencional. Não se trata de abandonar a nossa atuação pela inclusão, mas de ampliar nossas possibilidades de entrega. Somos mulheres, profissionais competentes, líderes em diferentes áreas — e, sim, também pessoas com deficiência. É preciso respeitar as individualidades de repertório de cada pessoa. 

Agora, seguindo aquela instrução que recebemos no avião, é hora de colocarmos as máscaras de oxigênio primeiro em nós mesmas para depois ajudar e colaborar com as pessoas em volta. A representatividade verdadeira acontece quando conseguimos ser percebidas em toda a nossa pluralidade, em todos os nossos talentos.