O que as agências pensam sobre o “teatro” da concorrência?
Executivos de agências falam sobre sobre a evolução da estratégia de encantar marcas

O espetáculo é válido? Especialistas dividem opiniões (Créditos: Divulgação)
Por décadas, agências tentaram ganhar clientes com espetáculo – agora, o próprio espetáculo está sob avaliação.
Defensores dizem que a “concorrência teatral” – caracterizada pela presença de truques chamativos para conquistar marcas – pode deixar a estratégia mais afiada e destacar o valor da agência. Mas os críticos enxergam isso como algo excessivo, um potencial problema para a atual era do marketing.
“Nos anos 1990 e começo dos anos 2000, agências costumavam passar do ponto no teatro das apresentações, mas a dinâmica mudou. Os prêmios diminuíram e líderes de novos negócios pensam de forma diferente da geração passada”, afirma Hasan Ramusevic, fundador e CEO da Harmonium.
O Ad Age mapeou como a conversa em torno da concorrência teatral mudou e analisou se ainda há espaço para essa abordagem nos dias atuais.
Os tempos mudaram
Profissionais de marketing podem ter valorizado avaliações exageradas no passado, mas a crescente pressão financeira e os anos de trabalho remoto contribuíram para o fim dessa onda.
“Extravagância não é sinônimo de qualidade”, afirma Katie Newman, CMO da The Grid. A executiva, que liderou novos negócios do Publicis Groupe dos EUA, acrescenta: “Isso pode significar que você está desperdiçando tempo e dinheiro. Clientes sabem identificar enrolação”.
Isabel Long, head de growth da Highdive, diz que a agência não gosta muito de apresentações teatrais. Com base em sua trajetória, esforços além da conta não adicionam muito valor e podem ser uma distração. A Highdive prioriza praticidade e detalhes que fazem a experiência do cliente ser pessoal e bem preparada, acrescenta ela.
Por exemplo: a agência escreve o nome do cliente em uma lousa antes das reuniões, um gesto que raramente é usado. Isabel conta que um dos clientes já fotografou o nome escrito e disse à Highdive que notou no gesto uma autenticidade que outras agências não tem.
Executivos dizem ao Ad Age que a conversa em torno da concorrência teatral mudou na era do trabalho remoto. Com reuniões acontecendo, em sua maioria, à distância, as agências passaram a focar menos em apresentações teatrais e mais em maneiras práticas de construir uma “química virtual”.
Na Mischief, agência criada na pandemia, os espetáculos nunca foram parte do processo e a agência não pretende adotar a prática.
Catherine Bension, CEO da SelectResources International, explica que ainda que as concorrências tenham retornado ao formato presencial, profissionais de marketing não estão em busca de fanfarra.
As disputas para escolher uma agência estão sob avaliações mais intensas, com menos recursos e tempo mais curto. “Não temos visto muitas apresentações teatrais em nossas reuniões nos últimos anos”, acrescenta Bension.
As agências também estão se adaptando à mudança, segundo ela, sendo mais seletivas quanto à concorrência e rejeitando oportunidades que não tenham expertise suficiente.
Por dentro da nova abordagem das agências
A concorrência teatral ainda não acabou, mas mudou significativamente, segundo alguns executivos.
No processo de concorrência criativa da Holland America em 2022, a agência independente Curiosity enviou dois estrategistas a um cruzeiro de sete dias na Califórnia, onde eles entrevistaram os passageiros e os funcionários. Os dois desenvolveram a estratégia durante a viagem e trouxeram de volta insights em primeira mão – incluindo fotos e vídeos – para utilizar na apresentação.
“Estamos em Cincinnati, em um estado interiorano. Não é como se cruzeiros fossem abundantes aqui”, disse Ashley Walters, sócio e CMO da Curiosity. “Sabíamos que para uma empresa de Seattle contratar a Curiosity teríamos que pensar fora da caixinha”.
A estratégia não foi barata – Ashley estimou um custo de USD 10 mil por estrategista – mas no final, compensou. A Curiosity conquistou a Holland América e, segundo o cliente, a pesquisa aplicada e a dedicação da agência foram determinantes na decisão.
Esse exemplo mostra como as agências estão repensando a concorrência teatral: o pitch precisa reforçar o argumento da agência e complementar a estratégia geral, em vez de ser somente um truque por si só.
No passado, agências contratavam pessoas para encontrar maneiras de surpreender o cliente – esforços que fugiam do trabalho real. Agora, executivos dizem que o espetáculo surge de maneira orgânica e mais ao final do processo, uma vez que a estratégia está clara e as ideias estão fechadas.
“Costumava ser ‘ok, vamos concorrer, qual vai ser a coisa grandiosa que vamos fazer?'”, explica Jay Russell, CCO da GSD&M. “Era muito formulado, não tinha paixão”.
Em anos anteriores, as agências chegaram a contratar produtoras externas para construções extravagantes ou celebridades em aparições especiais – o que poderia custar centenas ou milhares de dólares segundo um executivo que falou ao Ad Age sob anonimato. Mas essa estratégia vem perdendo força.
A GSD&M recentemente construiu uma réplica do White Castle na sede da empresa em Austin, no Texas, que ajudou a agência a conquistar as contas de criação e mídia da rede de sliders.
A equipe fez maior parte do trabalho in-house – imprimindo materiais, preparando os cenários e esquentando sliders congelados no próprio local – como acontece com boa parte das ativações atualmente, segundo Russell.
“Acho que existe certo charme nisso”, conta Russel. “Não parece algo super formulado”.
Ele explica, ainda, que o White Castle não foi apenas para uma amostra. É algo que está atrelado à estratégia da agência, desde encher o escritório com cheiro de cebola até reproduzir os quadros de menu.
A GSD&M também ergueu uma fachada falsa que dizia ser o primeiro White Castle no Texas – um eco do legado da rede, primeira marca de hambúrguer dos EUA e um encaixe natural com a missão da agência de criar marcas “pioneiras e únicas”.
Apesar do nome, a concorrência teatral não é apenas sobre momentos extravagantes, segundo Ashley. Mas pode incluir pequenos gestos que elevam a experiência do cliente a partir do momento que chegam.
“Você pode realmente mostrar a profundidade da agência versus o time na sala de reunião”, diz ela, destacando que esses esforços trazem funcionários de diferentes áreas da empresa, mesmo que apenas temporariamente.
A Highdive oferece aos profissionais de marketing um flyer de boas vindas, com recomendações de atividades e restaurantes em Chicago. Isabel explica que é um jeito simples de mostrar aos clientes que a agência antecipou suas necessidades e pensou na visita.
Quanto feita do jeito certo, a concorrência teatral pode ajudar a elevar o moral dos funcionários e mostrar as pessoas, a cultura e os valores da agência, segundo Ashley. “É o que estamos fazendo: estamos embalando a história da nossa agência”.
Alguns clientes simplesmente não apreciam tais gestos, mas as agências geralmente conseguem perceber isso em sessões de entrosamento, explica Russell. A chave é se apresentar de um jeito que pareça autêntico.
“Você sempre quer ganhar, mas tem algo super legal em fazer aquilo em que realmente acredita”, acrescenta. “Se não for um bom encaixe, então não dá. Fazemos tudo conforme nossos termos e não faríamos nada diferente”.