Como transformar impacto social em vantagem competitiva
Valor compartilhado não é uma escolha entre lucro e propósito, mas fazer com que um alimente o outro

(Crédito: Shutterstock)
Por muito tempo, empresas e organizações trataram “fazer o bem” e “fazer negócio” como duas esferas separadas. Uma ficava restrita a ações filantrópicas ou projetos pontuais de responsabilidade social; a outra, ao core business e à busca por resultados financeiros.
O conceito de valor compartilhado, popularizado por Michael Porter e Mark Kramer na Harvard Business Review ainda em 2011, rompe com essa divisão. Ele propõe que o impacto social e o crescimento econômico não são forças opostas, mas complementares. As empresas podem — e devem — criar valor para acionistas e, ao mesmo tempo, gerar benefícios tangíveis para a sociedade.
Do conceito à prática
Meu primeiro contato real com essa lógica não foi na teoria, mas no campo, no Instituto Coca-Cola Brasil, sob a liderança da minha ex-chefe, Flavia Neves. Foi ali que vi nascer o Coletivo Coca-Cola, um programa que integrava formação profissional para jovens de baixa renda, empregabilidade e fortalecimento da rede de parceiros comerciais do sistema Coca-Cola.
Não se tratava de “ajudar” de forma assistencialista, mas de criar um ecossistema em que todos ganhavam: os jovens ganhavam capacitação e oportunidades, os parceiros encontravam mão de obra qualificada e a empresa fortalecia sua relevância e reputação.
Essa experiência me ensinou que valor compartilhado não é um apêndice, nem uma campanha de marketing disfarçada de causa social. É um modelo de negócios que conecta propósito às competências centrais da organização, de forma que o impacto positivo seja parte da estratégia e da operação.
O que vejo hoje
Anos depois, no Grupo L’Oréal no Brasil, percebo como essa visão se traduz nas causas de marca que desenvolvemos. Quando a La Roche-Posay leva atendimento e informação sobre prevenção ao câncer de pele a milhares de pessoas em todo o país, ou quando YSL Beauté treina comunidades para identificar sinais de relacionamentos abusivos, não estamos falando de ações filantrópicas isoladas, mas de iniciativas que dialogam diretamente com a identidade da marca e com seu público.
O mesmo acontece quando L’Oréal Paris e Garnier combinam projetos de capacitação com a limpeza de rios e praias, ou quando L’Oréal Professionnel investe em saúde mental para profissionais da beleza, criando ferramentas inovadoras para conectá-los a atendimento acessível. Em todos esses casos, há um elo entre a proposta de valor da marca, a necessidade real da sociedade e a capacidade de gerar impacto em escala.
Essas iniciativas são mais fortes porque não atuam sozinhas. Como argumenta o artigo The Ecosystem of Shared Value, da HBR, empresas que constroem ecossistemas, conectando ONGs, governos, fornecedores e consumidores, conseguem ampliar e sustentar resultados muito além do que poderiam isoladamente.
O conceito de valor compartilhado, no entanto, não está imune a críticas. Alguns especialistas alertam para o risco de ser usado apenas como propaganda, sem mudanças reais na estratégia ou nos processos da empresa. E esse risco é real. A transformação real acontece quando marcas assumem causas como parte de quem elas são, ativam sua comunidade e constroem redes que sustentam esse impacto.
Valor compartilhado de verdade exige métricas claras, continuidade e transparência. Não podem ser cortadas na primeira crise. Mais do que “contar boas histórias”, é preciso ter substância e consistência.
Valor compartilhado não é uma escolha entre lucro e propósito. É fazer com que um alimente o outro, criando um ciclo virtuoso em que prosperidade empresarial e progresso social caminham juntos. E, no mundo em que vivemos, não há futuro para quem não souber unir os dois.