Existe mesmo inovação no mercado atual?
Por trás do discurso de inovação verde, o mercado tem produzido desigualdade e crise ecológica com soluções cosméticas

(Crédito: Shutterstock)
“Inovação” virou palavra de ordem em qualquer discurso corporativo. Está nos relatórios de sustentabilidade, nos slogans publicitários e nas apresentações para investidores. Mas cabe a pergunta: será que o sistema atual realmente permite inovação de impacto, ou apenas incentiva pequenas repetições com nova embalagem, feitas para vender mais sem arriscar a lucratividade?
Recentemente o economista político Dr. Jason Hickel, em conversa com Aaron John Bastani no programa Downstream, trouxe uma fala bastante objetiva sobre esse assunto: “O capital faz investimentos massivos em produzir coisas que são lucrativas para ele: SUVs, fast fashion, mansões, jatos privados e o complexo militar-industrial. Então temos produção massiva dessas coisas, enquanto sofremos escassez crônica de bens obviamente necessários, como moradia acessível, transporte público, energia renovável e assim por diante”.
A ausência de um capital paciente pressiona empresas por metas trimestrais e pelo retorno imediato, apostando em incrementos previsíveis e colocando o resultado acima de tudo. No lugar de pesquisas ousadas, surgem versões superficiais de um mesmo produto, embaladas como grandes novidades.
Nos Estudos Culturais, o novo é entendido não apenas como aquilo que surge pela primeira vez, mas como um discurso cultural que dá sentido às coisas. Muitas vezes, o que se apresenta como novidade é, na realidade, uma reconfiguração do velho embalado para parecer diferente. E infelizmente, essa lógica nociva também se aplica diretamente ao debate ambiental contemporâneo.
Ainda na mesma entrevista, Hickel traz números que demonstram essa realidade de dupla crise que enfrentamos no mundo agora. Vivemos uma crise ecológica, impulsionada por uma produção massiva a ponto de ultrapassar seis limites planetários e, ao mesmo tempo, 2 bilhões de pessoas no mundo vivem em insegurança alimentar e 5 bilhões não têm acesso à assistência médica necessária.
No mercado, multiplicam-se “novas soluções verdes”: embalagens biodegradáveis, coleções sustentáveis, linhas de produtos neutros em carbono. São narradas como inovações, mas frequentemente não passam de pequenas adaptações em um mesmo sistema de produção predatório. Trata-se do velho modelo de exploração e consumo rápido, disfarçado sob a máscara de ser verde.
Esse processo é o que chamamos de greenwashing: a promessa de transformação sustentável usada como estratégia de marketing, que não gera mudanças estruturais nem regeneração real. O novo aqui funciona como ideologia, um espetáculo de sustentabilidade que mantém intocados os pilares econômicos que causam degradação ambiental.
Nos termos de Guy Debord, poderíamos dizer que o “novo verde” se torna espetáculo: uma sucessão de imagens, slogans e rótulos que alimentam a sensação de progresso, mas que, no fundo, apenas reforçam o mesmo ciclo de consumo. Já para autores como Stuart Hall e Néstor García Canclini, esse “novo” só teria legitimidade se promovesse deslocamentos culturais e sociais concretos, por exemplo, repensando cadeias produtivas, redistribuindo poder e trazendo vozes periféricas para o centro da decisão ambiental.
Portanto, quando falamos de inovação ambiental, precisamos diferenciar entre o novo como mercadoria e o novo como transformação. O primeiro serve para vender mais do mesmo; o segundo, embora mais arriscado e lento, é o único capaz de gerar regeneração e futuro.
É possível inverter essa lógica? Há movimentos que indicam outro caminho. Startups climáticas, iniciativas comunitárias e organizações que priorizam impacto regenerativo mostram que é possível pensar em inovação além do marketing. Mas para que esse movimento ganhe escala, é preciso que investidores e empresas estejam dispostos a trocar o curto prazo pela visão de futuro e a medir valor não apenas em cifras, mas em capacidade de regeneração.
A inovação ambiental não pode ser apenas um artifício de marketing. Se continuarmos reféns da lógica de “não arriscar para não perder lucratividade”, ficaremos presos a soluções cosméticas que soam bem, mas não transformam. A verdadeira inovação nasce do risco de romper com padrões, da coragem de financiar o que ainda não tem garantias e da disposição de pensar em futuro coletivo.
Só assim deixaremos de vender promessas verdes e passamos a construir, de fato, um planeta regenerado.