Opinião

Branding orientado por IA

O que diferencia uma marca não é a sofisticação da sua inteligência artificial, mas a capacidade de traduzir tecnologia em valor humano

Helena Prado

Presidente executiva da Pine 3 de outubro de 2025 - 15h56

(Crédito: Shutterstock)

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Construir posicionamento e autoridade para uma marca já foi considerado um exercício restrito à criatividade. Esse tempo passou. Hoje, reforçar atributos ou abrir espaço para uma marca no mercado exige muito mais do que pesquisas pontuais ou inferências sobre comportamento. Lidamos com um volume massivo de dados, interações personalizadas em tempo real e uma dinâmica de consumo guiada pela informação.

Com a ascensão da inteligência artificial, utilizar as ferramentas disponíveis deixou de ser opcional e se tornou um fator de competitividade. E isso vai muito além de usar o ChatGPT para redigir uma campanha ou levantar insumos para uma pesquisa de mercado.

Marcas globais como Nike, Coca-Cola e Sephora tem investido para mostrar como algoritmos podem personalizar jornadas, co-criar campanhas e oferecer experiências digitais sob medida, em movimentos que impactam diretamente a confiança e a percepção dos consumidores.

Enquanto a fabricante de materiais esportivos usa dados comportamentais para criar experiências hiperpersonalizadas em seus apps, com sugestões de treinos e produtos sob medida, a marca de bebidas recorreu a IA generativa para lançar um sabor co-criado com consumidores e a rede de cosméticos Sephora permite “experimentar” maquiagens via realidade aumentada, com o apoio de chatbots que atuam como consultores de beleza 24/7. Cada um desses movimentos utiliza tecnologia para traduzir elementos que são parte da essência de cada marca.

Mesmo quem resiste ao potencial criativo da IA precisa estar atento ao seu papel no branding. As buscas assistidas por IA estão transformando as regras da visibilidade digital. Entre janeiro e maio de 2025, segundo a Conversion, o tráfego proveniente de plataformas como ChatGPT cresceu 527% nos EUA. Isso significa que a relevância de uma marca já não depende apenas de SEO ou redes sociais, mas também de como ela é interpretada, citada e recomendada por assistentes inteligentes.

Mas as buscas são apenas um exemplar pequeno do impacto da IA na construção de posicionamentos. A tecnologia amplia a capacidade de hiperpersonalizar experiências, possibilita criação muito mais alinhadas às expectativas e comportamentos e introduz uma camada de criatividade generativa, com logotipos, slogans e campanhas dinâmicas que se adaptam ao contexto e ao público.

Ao mesmo tempo, cada oportunidade vem acompanhada de um risco: a personalização em escala pode virar perda de autenticidade, a automação excessiva pode gerar experiências genéricas e o uso intensivo de dados pode levantar dilemas éticos e de privacidade. O desafio está em equilibrar inovação e confiança.

Muito se fala em novas práticas, mas a verdade é que elas não mudaram tanto assim. Os fundamentos que sustentam um bom posicionamento de marca continuam sendo os mesmos do mundo pré-IA: clareza de propósito, consistência e autenticidade. O que mudou foi a escala e a sofisticação das ferramentas. A adaptação exigida não é de princípios, mas de um rápido aprendizado sobre as possibilidades agora ampliadas.

Nesse sentido, o caminho continua a passar por etapas já consagradas: definir objetivos claros (afinal, nenhum algoritmo trará respostas “certas” se não soubermos se o foco é engajamento, reputação ou inovação), trabalhar com dados de qualidade (porque sem bases limpas e integradas não há insights relevantes) e incentivar uma cultura de experimentação (começando por pilotos controlados, KPIs bem definidos e aprendizado contínuo).

No limite, o que diferencia uma marca não é a sofisticação da sua IA, mas a clareza de seu propósito e a capacidade de traduzir tecnologia em valor humano. Marcas que conseguirem equilibrar automação e autenticidade, dados e storytelling, transparência e ousadia estarão muito melhor posicionadas para conquistar autoridade digital e relevância em toda a jornada do consumidor.

A inteligência artificial pode orientar o branding. Mas continua sendo nossa responsabilidade garantir que ela amplifique, e não substitua, aquilo que torna uma marca única.

A questão que fica é: estamos preparados para traduzir algoritmos em confiança genuína?