Maratona e a vida
O que correr 42,195 km me ensinou sobre o inesperado

(Crédito: Reprodução/Instagram)
Adoro ver pessoas correndo hoje em dia. Muitas vezes a corrida é vista como uma atividade solitária, mas para mim, o esporte sempre foi profundamente coletivo.
Minha própria jornada começou anos atrás em uma agência de publicidade, onde formamos uma equipe de corrida. Nosso princípio era simples e legítimo: “um puxa o outro”, transformando metas pessoais de distância em bem coletivo, ao converter nossa quilometragem em doações para quem mais precisava.
Enquanto escrevo isso, estou voltando de uma das experiências mais intensas da minha vida: mais uma maratona — aqueles infinitos 42,195 km em que tudo pode acontecer.
O mito, o movimento e o marco
As origens da maratona são lendárias. A história conta sobre o soldado grego Pheidippides, que correu a distância do campo de batalha em Maratona até Atenas para anunciar a vitória sobre os persas. Ao chegar, proclamou as famosas palavras: “Alegrem-se! Vencemos!”, antes de colapsar tragicamente de exaustão e, morrer.
A distância em si permanece um símbolo global de resistência. No entanto, por muito tempo, foi estritamente reservada aos homens. A história de Kathrine Switzer marca um momento icônico de divisor de águas. Em 1967, ela quebrou essa barreira ao se inscrever na Maratona de Boston usando apenas suas iniciais, “K.V. Switzer”.
Identificada no meio da corrida como mulher, o diretor da prova, furioso, tentou fisicamente arrancar seu número de peito e tirá-la da pista. Ao correr ao lado do seu treinador e de seu namorado, Kathrine manteve-se firme, terminou a corrida e desmentiu categoricamente a crença que tantas vezes tinha ouvido: “Nenhuma mulher pode correr a Maratona de Boston”.
Hoje, a participação feminina é um poderoso testemunho do seu legado. Estima-se que as mulheres representam mais de 40% de todos os ‘finishers’ de maratonas, um símbolo potente de força, determinação e paixão.
O espelho da vida
A cada prova, fico mais certa de que a corrida de longa distância é uma profunda analogia à vida.
Embora eu saiba que seria mais rápida se fosse mais jovem, a idade traz um trunfo crucial: a sabedoria de como correr. Recentemente ouvi que “envelhecer é humano. Significa que temos o presente de uma vida longa, que não é concedido a todos”.
Bom, preparei-me meticulosamente para esta última corrida, e foi meu melhor ciclo de treinamento: sem lesões, longões que terminavam fortes, muitas vezes acabando comigo literalmente cantando e “dançando” sozinha no carro, dopamina a todo vapor.
Planejadora por natureza, escolhi Berlim como minha próxima prova. Essa prova é considerada um dos percursos mais planos e rápidos do mundo, um sonho para quem quer alcançar um recorde pessoal. Para uma amadora como eu, era considerada a mais “fácil”, se é que tal palavra pode se aplicar a uma maratona.
Mas apesar de todo o meu planejamento metódico, a natureza sempre dá a última palavra. Monitorei três aplicativos de clima diferentes, sofrendo em pequenas doses homeopáticas. Apesar de Berlim ser historicamente uma prova fria, a previsão era um pouco mais bruta: dessa vez, a corrida seria quente.
Tudo o que me levou à largada — meu ritmo cuidadosamente elaborado, hidratação, estratégia de prova, uma energia sem igual ao som da Ivete Sangalo (sim, nosso Brasil representado lá fora) — pareceu desmoronar instantaneamente. O plano ideal e frio evaporou no que se tornou a corrida mais desafiadora que já enfrentei. Meu cenário virou um olhar atento, tentando ziguezaguear entre sombras de árvores e sonhando com o próximo posto de água.
No entanto, esta é a lição central da vida: a preparação é a fundação, mas a adaptação é a habilidade que te salva. Meu planejamento rígido poderia ter se tornado uma âncora. Quando o sol brilhou, tive que parar e aceitar duas verdades simples: ser grata pelo privilégio de estar ali e abandonar completamente o plano original.
Experiências difíceis, lições que ficam
Eu “quebrei” cedo, ainda no quilômetro 13. Não, não tive fratura alguma. Isso é um jargão de corredor, quando o corpo se recusa a manter o ritmo planejado. Minha frequência cardíaca disparava, minha energia desmoronava, e eu sabia: ainda tinha quase 30 quilômetros pela frente.
Treino é treino. Corrida é corrida. Maratona é maratona. Em esportes de resistência, como na vida, qualquer coisa pode acontecer. O frio pode virar calor. O combustível pode falhar. O sono pode ser insuficiente. Você treinou, meditou e orou, e ainda assim não saiu como o esperado.
O que você pode controlar? A única certeza é que não se trata do que você quer, mas do que tem que ser naquele momento. Assim como na vida, na nossa carreira, e no esporte, devemos aprender a separar nossos esforços entre o que você pode controlar, o que você pode influenciar e o que você não pode controlar.
Quando as coisas não saem como você imaginou, o que você faz? Lembrei-me das palavras do meu filho: “Mãe, quando ficar muito difícil, é mais fácil parar do que continuar, mas não escolha o caminho mais fácil”. Desistir era tentador; correr no ritmo planejado era impossível.
Então, mudei meu foco do ritmo no relógio para a batida do meu coração. Ressignifiquei e reimaginei uma nova maratona: “Vou ter que caminhar muito, mas só termino quando passar a linha de chegada”.
Escolhi apreciar a história de Berlim, caminhar pelas ruas e fazer high-five com as crianças. Recebi sorrisos e os devolvi. Cada quilômetro foi lentamente convertido em uma conquista. Lembrei-me de que, na vida e na carreira, muitas vezes leva mais tempo para chegar onde queremos, exigindo que mudemos o curso, nos adaptemos e sigamos em frente para crescermos mais fortes.
O poder da conexão
Kathrine Switzer disse: “If you are losing faith in human nature, go out and watch a marathon” (em tradução livre: “se você está perdendo a fé na natureza humana, saia e assista a uma maratona”). Nessa reta final, percebi que correr não precisa ser solitário de forma alguma.
Recebi uma surpresa emocionante na noite anterior: um vídeo preparado pelo meu marido, com amigos, família e meu time me enviando energia positiva. Ouvi centenas de “vai, Patrícia!” de estranhos alinhados nas ruas.
A experiência me fez lembrar do livro O Filho de Mil Homens, de Valter Hugo Mãe, que li recentemente. Embora seja sobre amor, o conceito se aplicou perfeitamente: compartilhar com os outros aumenta nossa capacidade de ser e de sentir, tornando-nos mais completos. Lembrando-nos de que: “nós somos o resultado de tanta gente, de tanta história, de tantos grandes sonhos que vão passando de pessoa para pessoa, que nunca ficaremos sozinhos”.
A maratona despojou meus planos. Foi uma lição crua e suada de aceitação da realidade e concluo com a citação que ouvi de alguém que estava lá, e que levo comigo para a próxima maratona e para a vida:
“Isso é esporte e corrida de maratona na realidade. Sem fantasias. Sem ilusões. Nem sempre acontece como você espera e planeja, mas sempre pode mostrar que você é mais forte do que pensa ou te tornar mais forte do que você já era.”