As vozes que nos constroem
Talvez o verdadeiro ato de coragem esteja em deixar falar mais alto aquela voz que nos lembra de tudo o que já fomos capazes de construir

(Crédito: Shutterstock)
No último Maximídia, reencontrei a Juliana Sztrajtman, hoje CEO da Amazon Brasil. Alguns anos atrás, quando ainda estava na Johnson & Johnson, ela me convidou para conversar com um grupo de funcionárias sobre carreira, propósito e o que significa ser mulher no ambiente corporativo.
Lembro que, naquela conversa, falei sobre algo que sempre me acompanhou, e que para minha surpresa ainda ecoava na lembrança dela: a ideia de que vivem em nós duas vozes, e que boa parte da nossa jornada é aprender a escolher qual delas ouvir.
Uma voz é crítica, impiedosa, exigente. Diz que não estamos prontas, que devíamos ter estudado mais, dormido menos, trabalhado mais. É a voz que sabota, que compara, que insiste em apontar o que falta. A outra reconhece o caminho percorrido: as noites viradas para entregar um projeto, as vezes em que caímos e levantamos, os riscos que corremos, as decisões difíceis que enfrentamos. É a voz que sabe o quanto já conquistamos e que nos lembra de onde vem nossa força.
Lembro que, naquele dia, enquanto falava, vi duas mulheres chorando na plateia. E percebi como essa reflexão toca fundo. Porque não é sobre autoajuda ou otimismo. É sobre a luta silenciosa entre o crítico interno e o aliado interno, essa conversa que acontece dentro de cada um de nós antes de uma grande decisão, de uma mudança, de um recomeço.
Ao longo da minha vida fui convidada muitas vezes para palestras e painéis sobre a jornada da mulher executiva. E percebo o impacto que geramos quando somos francos sobre nossas fraquezas: esse exercício de vulnerabilidade cria identificação, quebra barreiras e estimula uma rede de apoio que, unida, se transforma em uma verdadeira potência.
A pesquisadora Carol Dweck, no livro Mindset: A Nova Psicologia do Sucesso, ajuda a dar nome a esse jogo interno: o mindset fixo é o da voz que paralisa, que acredita que nossas capacidades são limitadas e imutáveis; já o mindset de crescimento é o da voz que nos move, que vê em cada erro uma oportunidade de aprender e recomeçar. E talvez seja exatamente isso que acontece com essas duas vozes: a crítica floresce no silêncio, enquanto a que fortalece se expande quando damos a ela espaço, prática e coragem.
Não se trata de eliminar o medo, mas de reconhecer quando ele está dirigindo o volante. Coragem não é ausência de medo, mas a decisão de seguir apesar dele.
Recentemente, uma amiga próxima me procurou depois de ter sido demitida. Uma mulher brilhante, arrimo de família, que se sentia arrasada. “Não sei se vou dar conta”, ela me disse. E eu me lembrei daquelas duas vozes. Falei para ela que talvez aquele momento não fosse sobre perda, mas sobre reconstrução, e uma chance de repensar o caminho e usar a experiência como base de algo novo. A reconstrução, eu disse, é como montar um Lego: peça por peça, tentativa por tentativa, até o desenho começar a fazer sentido de novo.
Essa reflexão dialoga com o que Brené Brown propõe em A Coragem de Ser Imperfeito. Para ela, vulnerabilidade é a base da coragem, e não o oposto dela. Quem se permite ser vulnerável vive com mais autenticidade, empatia e poder real de conexão. E essa vulnerabilidade, quando compartilhada, inspira. Porque, no fundo, todos estamos tentando equilibrar essas duas vozes, e quando falamos sobre isso, o peso fica mais leve.
Há também uma responsabilidade que vem com o tempo e com o privilégio de ter trilhado um caminho: as mulheres que chegaram a posições de liderança têm o dever de fortalecer o caminho das que vêm depois. Dar visibilidade, abrir espaço, mostrar — para mulheres e homens — que é possível transformar a vulnerabilidade em potência e a dúvida em impulso.
No fim, essas duas vozes sempre existirão. O que muda a trajetória é qual delas escolhemos amplificar. E talvez o verdadeiro ato de coragem esteja justamente aí: em ajustar o volume interno e deixar falar mais alto aquela voz que nos lembra de tudo o que já fomos capazes de construir.